domingo, dezembro 18, 2005

PORTA ABERTA PARA A CPLP

Temos defendido a necessidade de aprofundar a construção da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). É uma tarefa dos cidadãos, mas é, principalmente um dever dos Estados, que a compõem.
No passado dia 14 de Dezembro de 2005 foi inaugurada no aeroporto de Lisboa uma porta de entrada especial para os cidadãos naturais dos Estados-membros da CPLP (ver aqui).
Portugal foi assim o primeiro dos Estados - Membros a começar a dar cumprimento ao acordo relativo ao Estabelecimento de Balcões Específicos nos Postos de Entrada e Saída para o atendimento dos Cidadãos da CPLP.
Este foi um dos cinco acordos aprovados na IV Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizado em Brasília, de 31 de Julho a 1 de Agosto de 2002, e que são extremamente significativos em matéria de Cidadania e Circulação de Pessoas. Os restantes acordos são os seguintes: Concessão De Vistos de Múltiplas Entradas para Determinadas Categorias de Pessoas; Estabelecimento de Requisitos Comuns Máximos para a Instrução de Vistos de Curta Duração; Concessão de Visto Temporário para Tratamento Médico dos Cidadãos da CPLP; Isenção de Taxas e Emolumentos devidos à Emissão e Renovação das Autorizações de Residência para os Cidadãos da CPLP.
No n.º 85 do Diário da República, I série, de 10 de Abril de 200, o Director Geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, através de Avisos, deu conta da entrada em vigor para o conjunto dos Estados-Membros da CPLP, incluindo Portugal, por terem já sido depositados os instrumentos de ratificação junto do Secretariado Executivo da CPLP pelo número mínimo de Estados previstos para o efeito Apesar disso não foram aplicados de imediato em Portugal.
É muito importante, que o acto da abertura do novo corredor tenha estado não apenas o Ministro da Administração Interna, António Costa, mas também o Primeiro-Ministro, José Sócrates, que afirmou ser: “um gesto da maior importância e um passo concreto para facilitar a circulação de pessoas”. Não devemos tomar esta inauguração como um acto simbólico, mas como o arranque para toda uma dinâmica no sentido de dar maior visibilidade e aplicação plena dos acordos celebrados em Brasília. A sua. negociação iniciou-se e decorreu durante os governos de António Guterres e só agora, com José Sócrates se concretizaram efectivamente. Não deixa de ser significativo que só tenham avançado com governos do PS. Posso dar como prova do que afirmo, o facto de ter, como deputado à Assembleia da República na IX Legislatura, dirigido o Requerimento N.º1585/IX/2.ª ao então Ministro da Administração Interna e a resposta ter sido vaga e inconclusiva (ver aqui).
Congratulo-me também pelo facto de terem sido editados folhetos de boas vindas dirigidas aos cidadãos dos Estados-Membros da CPLP, nos quais para além das regras sobre a entrada se faz referência aos acordos de Brasília e no qual figuram personalidades nascidas nos diferentes países lusófonos, que se destacaram em Portugal, sendo algumas delas já cidadãos portugueses.
É também um facto positivo que a CPLP se esteja a dotar de um bom sítio na Rede, ao contrário do que acontecia no passado, bem como a entrada para informação sobre a Lusofonia, existente no portal do Governo (vide, http://www.portugal.gov.pt/).
São boas notícias, mas há que prosseguir e é muito importante que se estreitem cada vez mais os laços entre os serviços de fronteiras dos países da CPLP, como tem vindo a acontecer de forma a permitir agilizar a concessão de vistos, de forma a que os cidadãos destes países entrem legalmente no território uns dos outros. São gestos como esta inauguração, a que a Comunicação Social não deu o relevo merecido, que permitem aos cidadãos do espaço lusófono perceber que: afinal a CPLP existe!
Vamos seguir com atenção a campanha de informação a que nos referimos que inclui inclusive um pequeno vídeo, que irá ser divulgado em vários locais públicos.
Fazemos votos para que os blogues de língua portuguesa sejam uma força no sentido de levar todos os Estados a cumprir os acordos que têm vindo a ser celebrados no seu quadro e, sobretudo, a estreitar laços entre os cidadãos dos Países da CPLP. Seria também um excelente contributo que estabelecêssemos mais ligações entre nós em função das afinidades de estilo e objectivos de intervenção. É para mim motivo de grande satisfação que este blogue seja visitado por muitos cidadãos brasileiros e espero que o mesmo possa acontecer com cidadãos residentes noutros países lusófonos.
Depois da porta para a CPLP, aberta no Aeroporto de Lisboa, vamos imaginar como abrir mais portas entre nós!

domingo, dezembro 11, 2005

O MILAGRE DAS ROSAS

Nesta semana em que Manuel Alegre se confrontou com Cavaco Silva, adoptando uma postura séria, serena e alternativa, assumindo-se como uma força tranquila que se radica claramente na esquerda, mas não enjeita o apoio de todos os democratas que pretendem um Presidente que tenha um projecto para Portugal, não podemos deixar de o considerar, como faz o “Expresso”, uma das figuras em alta, que marcou positivamente a semana.
Há quem entenda que atacar de todas as maneiras o tempo todo é a melhor forma de fazer campanha, mas estou convencido que se enganam. Penso que os portugueses querem um Presidente que seja um homem sério, com um projecto para congregar os portugueses e independente de grupos de pressão, económicos ou outros.
Sugiro, aliás, um exercício aos cidadãos para escolher entre os candidatos que é inspirado no que escreveu o grande escritor alemão Heinrich Böll sobre a ética da linguagem, que consiste em procurar resumir as declarações que os diferentes candidatos vão fazendo. Vão ver que vale a pena e que há resultados surpreendentes. Há respostas sem nexo lógico, em que a primeira frase é politicamente correcta e o que se segue é totalmente contraditório, porque depois da frase de circunstância emerge o pensamento profundo que exprime ideias reaccionárias. Há outras declarações totalmente estudadas que bem analisadas nada dizem.
Há também declarações que são muito significativas, por exemplo, todas as que atribuam a outros, que não ao seu próprio mérito, o estado da campanha.
Não vou aqui dizer quem fica pior classificado em matéria de ética de linguagem, respeito a inteligência de todos os meus concidadãos. Acrescento que é um teste a que Manuel Alegre pode ser sujeito sem risco, porque diz o que pensa e pensa o que diz, respeita as palavras e, como já foi dito por Inês Pedrosa, é um homem de palavra e um homem de palavras, parafraseando o poeta Ruy Belo.
Se quiserem fazer um exercício simples, confrontem, por exemplo, as declarações de Manuel Alegre sobre os imigrantes e a sua defesa de País plural, de uma Pátria que seja cosmopolita e inclusiva, com o que tem sido dito, por Cavaco Silva ou por Mário Soares. Não vale ficar pelos títulos, é ouvir até ao fim.
Esta é também a semana em que Manuel Alegre entregou as 9444 assinaturas com que, depois de Jerónimo Sousa, formalizou a sua candidatura no Tribunal Constitucional.
Cada assinatura é, como disse Manuel Alegre, um acto de cidadania e de liberdade. É uma vitória do cada vez mais alargado movimento de cidadãos que está a dar corpo à Candidatura Presidencial de Manuel Alegre e que é tão significativo na rede de blogues que apoiam a sua candidatura.
A forma como a candidatura se impôs ao próprio Manuel Alegre, se tem vindo a estruturar e a ganhar força, tem sido um autêntico milagre das rosas.
A luta, contudo, apenas está no início, ainda faltam fases decisivas e, é por isso, que todos que pretendem um Presidente que não seja só garante e regulador, mas que seja também um catalisador e um inspirador, exercendo um magistério de proximidade e de exigência, têm de pensar de que forma podem contribuir para dar mais força à candidatura de Manuel Alegre. Os milagres exigem a colaboração das pessoas. Está nas nossas mãos criar as condições para que aconteçam.
Como socialista e militante do Partido Socialista, que assumidamente é, já que entendeu, e a meu ver bem, que não devia demitir-se, nem auto-suspender-se, julgo que é razoável utilizar a metáfora do milagre das rosas para falar do que está ser a campanha de Manuel Alegre.
As rosas têm estado, desde há muito, associadas à vida e à obra de Manuel Alegre. As rosas de Maio, mês em que nasceu e que talvez por isso, fez da rosa a sua flor, as rosas vermelhas que a Mãe lhe dava no dia dos seus anos, e a pétala vermelha, de uma rosa vermelha, que a Mãe lhe enviou, quando em Maio de 1963 fez anos e estava na prisão, por se opor ao salazarismo e à guerra colonial.
Isto das rosas é como ser socialista, anda tudo ligado, não é apenas uma opção burocrática, são realidades substantivas, não adjectivas, nem circunstanciais.
Estou certo que cada vez mais cidadãos se interrogam sobre como reforçar esta candidatura, como continuar este milagre das rosas.

domingo, dezembro 04, 2005

CRC - UMA REALIDADE SINGULAR


O Centro de Reflexão Cristã (CRC) comemorou ontem trinta anos de intervenção, perspectivando a sua actuação nos próximos anos.
O CRC é uma associação, espontânea e livremente constituída por leigos, religiosos, uma ou outra comunidade, movimentos cristãos, agindo sobre a sua exclusiva responsabilidade (vide www.centroreflexaocrista.blogspot.com).
O facto de ter sido pioneiro em muitas áreas de reflexão e investigação, mostra que tinha razão de ser e que continua a ter a ter um lugar singular a desempenhar no quadro da Igreja e da sociedade portuguesa...
É enorme a riqueza de vida que por ele tem passado: ideias, esperanças, amizades, redescobertas do sabor libertador da fé, experiências de celebração e oração.
Vale a pena tentar perceber em que medida o CRC tem conseguido concretizar, no essencial, o que foi definido como constituindo a sua identidade e os seus objectivos.
Os seus estatutos definem como objectivo do Centro “o estudo da Teologia para o crescimento na fé cristã, ao serviço da evangelização e da libertação da Pessoa Humana”.
O CRC tem funcionado como incubador de iniciativas, muitas das quais pelo seu próprio sucesso deram origem a novas realidades.
O CRC promoveu, por exemplo, numa nova abordagem da História da Igreja, tendo contado com a colaboração do José Mattoso, sendo muitos dos que participaram nesta iniciativa hoje docentes nesta área na Universidade Católica Portuguesa.
O Departamento de Pesquisa Social, uma das muitas iniciativas da Manuela Silva, desenvolveu trabalhos em torno da pobreza e da exclusão social, e também sobre o que então foi designado por “minorias étnicas pobres”, numa época em que eram raros os estudos sobre a imigração. O Departamento viria a estar na origem de um centro de investigação, totalmente autónomo conhecido hoje como CESIS.
O CRC participou também activamente em múltiplas realizações sobre o lugar e a participação das mulheres na vida da Igreja.
Merece uma referência especial a continuidade e a qualidade, que apesar das dificuldades económicas, tem tido a revista Reflexão Cristã, bem como iniciativas marcantes como têm sido as Conferências de Maio.
O CRC foi o espaço onde se realizaram as primeiras iniciativas de diálogo inter-religioso, reunindo cristãos, muçulmanos e judeus, que há que prosseguir de forma mais organizada e sistemática.
Outras iniciativas extremamente interessantes não logram conseguir a mesma continuidade. Refiro-me, por exemplo, aos Cadernos de Estudos Africanos, dirigidos pelo Frei Bento Domingues, que foi uma das iniciativas de diálogo com os cristãos de África através da atenção à teologia africana, preocupação que está pouco presente na Igreja portuguesa, apesar da África estar aqui tão perto e aqui tão dentro.
Sendo um espaço de reflexão, entendeu, por vezes tomar posições sobre questões concretas, pelo menos há mais de quinze anos, como a situação nas prisões, a lei de segurança interna, os salários em atraso, os efeitos da crise económica, o direito à objecção de consciência.
Mas o que considero ser um dos contributos mais continuados do CRC tem sido o procurar reflectir sobre os desafios da mutação cultural e a necessidade de pensar a presença dos cristãos e da Igreja numa sociedade democrática, plural e laica.
O facto de não ter desaparecido, como aconteceu com outras iniciativas, demonstra que é necessário institucionalizar minimamente a espontaneidade e a criatividade, recusar o espírito de seita iluminada e abrir-se permanentemente ao diálogo com outros grupos cristãos e não-cristãos, manter liberdade de iniciativa e de expressão, mas ter, ao mesmo tempo, um muito claro sentido de comunhão eclesial.
Estou certo, como seu associado, que com a colaboração de novos protagonistas, continuará no futuro a dar o seu contributo singular para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.

domingo, novembro 27, 2005

PORTUGAL, PAÍS PLURAL


Vale a pena ler no suplemento Y do Público de 25 de Novembro de 2005, “A vez do Tropicalismo mestiço” onde parte de uma nova geração de portugueses que invocam o “tropicalismo” e a “mestiçagem” falam de si e das músicas que fazem a partir de diferentes géneros e raízes. São jovens conhecidos por Kalaf, Melo D, Sagas, Sam The Kid ou Sara Tavares. Como escreve Mário Lopes nesse suplemento “assistimos ao embrião de uma mestiçagem que o futuro tornará inevitável”. Vale a pena registar as palavras de Melo D: “Mesmo que se tente tapar os olhos, já está tudo aí. Somos portugueses mais africanos e africanos mais portugueses”. Acrescento, nada podia ser mais natural depois do regresso das naus.
Uma das realidades a que se deve estar atento é que os jovens portugueses são cada vez mais plurais numa sociedade democrática como é hoje a nossa e constroem e reconstroem livremente a sua identidade. Se há um contributo que as instituições devem assegurar é uma mais efectiva igualdade de oportunidades e o derrubar dos muros reais e imaginários que ainda envenenam o mútuo reconhecimento da dignidade de cada um.
Como dizia Miguel Torga “o universal é o particular sem os muros”. Temos que criar mais condições para que cada jovem possa circular livremente entre grupos e associações e fixar-se em qualquer aldeia, vila ou cidade, sem estar limitado pelas suas características fenotípicas, pela origem dos pais, pelo bairro onde vive.
É preciso também que os jovens não se demitam da sua cidadania, do seu direito e dever de imporem a sua marca no futuro do país.
Todos os jovens têm direitos de cidadania, embora os que não têm nacionalidade portuguesa vejam depois limitada a sua participação política, em termos que têm que ser ultrapassados facilitando o acesso à cidadania e estendendo a todos os cidadãos estrangeiros pelo menos o acesso às eleições locais.
A política não está reservada a especialistas ou a jovens de qualquer origem ou situação social, é uma questão que tem a ver com a vida de todos nós. O caminho faz-se caminhando, o melhor conhecimento do país só se ganha participando nos processos políticos.
Como tem dito, Carlos Alberto Nobre Pereira Neves, Pacman dos Da Weasel, um jovem desta geração, que é o mandatário da candidatura presidencial de Manuel Alegre: “é importante que os jovens afirmem aquilo que são e aquilo que acreditam”.
Portugal, é cada vez mais um país assumidamente plural, em que há que procurar conjugar a promoção da coesão com a valorização da diversidade, prevenindo a segmentação social e a discriminação racial.
Os jovens que habitam nos subúrbios das grandes cidades, ou nas zonas rurais enfrentam mais obstáculos para o acesso à educação, formação e emprego, que têm que ser ultrapassados para assegurar uma efectiva igualdade de oportunidades, sem a qual não haverá coesão social, como os recentes acontecimentos em França demonstraram. Nada pode ser mais perturbador da coesão social, que privar grupos significativos de jovens de esperança no futuro.
É preciso também perceber que não basta valorizar a diferença, há que aproximar os jovens uns dos outros, eliminar sempre as barreiras reais ou imaginárias que se detectem, apostar decididamente no diálogo intercultural. A descoberta da alteridade é a descoberta de uma relação, não de uma barreira. Como diz Kalaf, vocalista dos 1-Uik Project no suplemento Y “A música por si não é pura sempre viajou. A mestiçagem começa a partir daí: mostra-nos um pouco do teu quintal e nós mostramos-te um pouco do nosso”.
A realidade social desafia-nos a ir para além da tolerância racional face à diversidade, a assumir a nossa identidade como uma identidade aberta, susceptível de respeitar a identidade do outro no que tem de livre e de diferente, de aprender com ele, e de com ele criar laços de solidariedade e cumplicidade.
Os que sempre lutaram por uma sociedade mais justa e fraterna, têm de prosseguir essa luta com os jovens, dando-lhes mais espaço com a preocupação de criar condições para que a cidade futura seja, como sempre sonharam, uma “terra de harmonia”, para usar uma expressão do poeta Carlos de Oliveira.

domingo, novembro 20, 2005

A NOVA CONFEDERAÇÃO SINDICAL INTERNACIONAL

Realizou-se no passado dia 12 de Novembro de 2005, em Lisboa, uma Conferência Internacional sobre o lema “Unidos por uma resposta solidária à globalização - A fundação da nova Confederação Sindical Internacional”. A conferência foi organizada pela Fundação Friedrich Ebert e pelo Instituto Ruben Rolo. Foi uma conferência que reuniu cerca de duas centenas de sindicalistas e outros cidadãos solidários das causas dos trabalhadores. Estão de parabéns Reinhard Naumann, representante da Fundação em Portugal e Carlos Trindade, presidente da Fundação Ruben Rolo e secretário-geral da Corrente Sindical Socialista na Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses -Intersindical Nacional (CGTP-IN). Foram muito interessantes as intervenções de João Proença (UGT), Maria Helena André (vice-secretária da Confederação Europeia dos Sindicatos), Jürgen Eckl (da DGB), Eduardo Chagas (secretário-geral da Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF) e membro do Conselho Nacional da CGTP-IN), de Manuel Carvalho da Silva (secretário-geral da CGTP-IN), de Eduardo Estévez, vice-secretário-geral da Confederação Mundial dos Trabalhadores (CMT), de inspiração cristã, e de José Olívio Oliveira, vice-secretário-geral da Confederação Internacional dos Sindicatos Livres (CISL), de inspiração reformista.
As intervenções notáveis de Maria Helena André e de Eduardo Chagas, os dois portugueses que ocupam lugares de maior destaque no movimento sindical europeu, permitiram perceber de forma concreta, que a globalização comporta enormes oportunidades, mas traz também consigo, novos desafios às organizações de trabalhadores, que têm que ser enfrentados com uma nova agenda e com novos instrumentos, tornando imprescindível a fundação da nova Confederação Sindical Mundial. A globalização não é algo de longínquo, comporta o risco de perda de empregos e de direitos, de encerramento e deslocalização de empresas, de dumping social. Mas há outras ameaças: acções propostas por empregadores contra sindicatos, escolhendo os tribunais dos Estados em que as decisões judiciais lhes podem ser mais favoráveis; a nova ofensiva para aprovar a Directiva Bolkenstein sobre os serviços; o recente ataque do comissário europeu, Charlie McGreevy, responsável pelo mercado interno, à negociação colectiva na Suécia em nome de princípios neo-liberais, que mereceu justamente o repúdio do secretário-geral da CES (Confederação Europeia dos Sindicatos, vide http://www.etuc.org). Face a todas estas ameaças para além da luta da CES, torna-se necessário criar uma nova Confederação Sindical Internacional. Estão em discussão os princípios e objectivos que a devem reger. Este debate está ausente da nossa imprensa, rádio e televisão e por isso irei divulgar alguns dos princípios que a deverão vir a reger tal como foram divulgados por Eduardo Estevez, durante esta conferência.
“A Confederação quer-se como organização unitária e pluralista representativa do movimento sindical mundial. Ela congrega os sindicatos democráticos, livres e independentes, respeitando a diversidade das fontes de inspiração e das formas de organização que lhes são próprias. Assume a herança da Confederação internacional dos sindicatos livres e da Confederação mundial do trabalho (….).
A Confederação funda-se na convicção de que o trabalho humano se reveste de um valor superior ao do capital e de todos os outros elementos da vida económica (….).
A Confederação está convencida que fazer viver estes valores requer um sindicalismo de transformação social, congregador e mobilizador a fim de:
● realizar, à escala mundial, um desenvolvimento durável e solidário, visando a eliminação da pobreza e uma repartição equitativa das riquezas, a protecção do meio ambiente, o acesso aos bens e serviços públicos, a criação de empregos dignos para todos;
● afirmar os direitos dos povos à autodeterminação, a viver em democracia, sob o governo da sua escolha, ao abrigo de todas as formas de opressão, de exploração e de discriminação;
● reivindicar o pleno respeito dos direitos humanos, em todo o mundo, incluindo os direitos sociais e, particularmente, os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras;
● promover a igualdade de oportunidades no emprego e em todos os aspectos da vida;
● contribuir para a realização e a manutenção da paz na justiça e na segurança dos povos;
● rejeitar o recurso à guerra, como meio de regulamentação de conflitos e reforçar o papel das Nações Unidas como local legítimo e essencial para a sua solução;
● agir para uma governação democrática da mundialização afim de a cingir ao objectivo de uma ordem económica e social mais justa, humana, e solidária, pela reforma, democratização e coerência na acção das Instituições multilaterais.”
A fundação de uma nova Confederação Sindical Internacional é uma necessidade premente para que haja trabalho decente e com direitos para a generalidade dos trabalhadores a nível mundial e não mais precariedade, mais desemprego e mais arbitrariedade patronal. Por isso é fundamental envolver o maior número possível de trabalhadores e de cidadãos no debate e na construção deste projecto. Procurámos dar o nosso contributo solidário, divulgando os princípios que irão orientar esta nova Confederação Sindical Internacional, que estão neste momento em discussão.
Vamos continuar a divulgá-los e a discuti-los!

domingo, novembro 13, 2005

A ERA DAS MIGRAÇÕES

Os recentes motins em França, as trágicas realidades da imigração clandestina em Ceuta e Melilla tendem a preencher a atenção dos cidadãos e a não lhes permitir ir muito longe na compreensão das causas dos fenómenos. Não são muitos os jornalistas e comentadores que fornecem elementos para pensar o que se passa. Sobre as migrações existem, aliás, numerosas e bem estruturadas teses de mestrado e de doutoramento, felizmente algumas publicadas, importantes relatórios de instituições credíveis como a OCDE, a OIM e as Nações Unidas, mas os dados que fornecem estão normalmente ausentes do debate mediático e do debate político. Há uma enorme tentação de explorar o medo em lugar de divulgar informação objectiva e construir respostas adequadas para os desafios que coloca o facto de vivermos no que dois importantes estudiosos destes fenómenos, S.Castles e M.J. Miller designaram como “the age of imigration” (a era das migrações).
O Departamento de Estudos Económicos e Sociais das Nações Unidas publicou um importante relatório World Economic and Social Survey 2004, International Migration.
A sua leitura permite perceber que a grande imigração intercontinental começou no século dezasseis durante a idade da expansão europeia. O que há de novo hoje, é que a imigração desde a segunda metade do século XX começou a realizar-se no sentido do mundo desenvolvido e já não como no período da grande imigração atlântica que vai desde 1840 até ao fim da primeira guerra mundial, para o mundo não desenvolvido. As referências à actual pressão migratória ignoram o facto de que as taxas de imigração nos países de acolhimento são hoje mais baixas do que eram na viragem do século XIX para o século XX. As migrações na década de 90 do século passado registaram, contudo, um aumento de 3% para os países desenvolvidos.
A razão não é apenas a procura de oportunidades mais vantajosas nos países desenvolvidos. Responde também à existência de trabalho provocadas pelo próprio processo de desenvolvimento económico e cada vez mais pela persistente quebra de natalidade. De acordo com o referido relatório, a população da Europa sem a imigração teria registado uma redução de 4,4 milhões (-1,2%) entre 1995 e 2000 se durante esse período não tivessem chegado ao continente cerca de 5 milhões de imigrantes. A população da Alemanha teria diminuído desde 1970 se não fossem os imigrantes. Nos finais da década de 90, a imigração contribuiu para pelo menos três quartos do crescimento demográfico da Áustria, Dinamarca, Grécia, Itália, Luxemburgo, Espanha e Suiça. Segundo as projecções das Nações Unidas para o período de 2000-2050, mesmo com a entrada de uma média de 600 000 imigrantes por ano na Europa, é provável que a população europeia sofra uma redução de 96 milhões. Uma imigração significativa proveniente dos países que se tornaram recentemente membros da União Europeia teria como efeito tornar mais complicada a situação demográfica nesses países que têm taxas de fecundidade ainda mais baixas do que as que se verificam na Europa Ocidental. Dos países candidatos actualmente à adesão só a Turquia poderia contribuir para contrariar a redução demográfica da população europeia.
É por isto tudo que tem razão Teresa de Sousa quando escreveu, num artigo corajoso, “Se a Europa for uma fortaleza não terá futuro” (Público, 1-11-2005).
Ora é esta a realidade que os Estados Membros da União Europeia se recusam a encarar de frente, são e serão cada vez mais no futuro países de imigração. Os Estados da Europa ocidental que foram tradicionalmente países exportadores de mão-de-obra, não assumem facilmente uma tão profunda mudança de perfil para países de imigração. Contudo, é necessário que o façam se quiserem ter uma gestão proactiva dos fluxos migratórios. Os agentes e responsáveis políticos têm que falar verdade e ganhar a maioria dos cidadãos para esta realidade, o que está ainda longe de acontecer. Têm de explicar que a imigração é não apenas do interesse de quem imigra, mas também dos países de acolhimento. Sem a imigração o desenvolvimento económico estará comprometido, não será sustentável o modelo social europeu e a União Europeia assistirá a uma decadência demográfica irreversível.
Só assumindo que precisamos de imigrantes, criaremos políticas que fomentem a imigração legal e a integração de qualidade. Se o fizermos as migrações internacionais poderão funcionar a nível internacional como um agente de intercâmbios de competências técnicas e de conhecimento, bem como motores de dinamismo económico e de eficiência. A opção é entre gerirmos de forma proactiva as migrações ou entrarmos no futuro às arrecuas.

domingo, novembro 06, 2005

MANUEL ALEGRE - UM PORTUGAL MAIS JUSTO, MAIS LIVRE E MAIS FRATERNO

Há alturas em que calarmo-nos é trairmos as nossas mais íntimas convicções. Não posso por isso deixar de dizer com clareza que apoio a candidatura presidencial de Manuel Alegre e aceitei com muita honra e sentido de responsabilidade integrar a comissão política da sua candidatura. A apresentação no passado dia 4 de Novembro do seu Contrato Presidencial (vide http://www.manuelalegre.com/) só reforçou as razões do meu apoio.
Manuel Alegre dá voz a uma aspiração largamente partilhada de um Portugal que se diga no plural, um Portugal de todos, das cidadãs e cidadãos que recusam a conformar-se com a ausência de esperança para a suas vidas individuais, mas que recusam igualmente a ausência de um futuro para a Pátria. É, por isso, como referiu Pacman (Carlos Alberto Nobre Pereira Neves), o mandatário nacional para a Juventude, “uma candidatura alternativa e de esperança”.
O seu Contrato Presidencial conjuga uma exigente preocupação com a situação social dos cidadãos, com uma preocupação com o papel de Portugal na Europa e no Mundo.
Gostaria de sublinhar alguns dos seus compromisso com a vida quotidiana dos cidadãos: “candidato-me pela igual liberdade de homens e mulheres”; “candidato-me por uma sociedade cosmopolita de inclusão, que saiba conjugar diversidade e cidadania, prevenindo a segmentação social e a discriminação racial”; pela atenção aos emigrantes e comunidades portuguesas; pela urgência de “desbloquear a entrada na vida adulta dos jovens portugueses em condições de dignidade e independência”; “por políticas de criação de emprego sustentáveis (…) e de estímulo à integração social”; “pela solidariedade entre a gerações”, assumindo a comunidade a sua responsabilidade perante os pensionistas e idosos pobres.
Tudo isto faz sentido em função da forma como encara o exercício da função presidencial, já que para Manuel Alegre o juramento do Presidente da República de “cumprir e fazer cumprir a Constituição não é apenas garantir o respeito pelos direitos políticos, mas exigir que sejam concretizados os direitos sociais que nela estão inscritos A nossa Constituição consagra um conjunto de direitos fundamentais que não podem ser esquecidos, como, entre outros, o direito ao trabalho e à justa remuneração, o direito à segurança do emprego, o direito à segurança social e à protecção da saúde, o direito à educação, o direito à habitação, o direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado”.
Manuel Alegre como muitos milhões de cidadãos tem uma ambição para Portugal o que me parece ser uma marca distintiva relativamente a todas as outras candidaturas presidenciais. Para ele: “Portugal tem uma História, uma língua, uma cultura. E uma ligação inapagável às várias partes do mundo por onde passou e onde hoje se fala português. É por que entre os países do mesmo peso demográfico, Portugal é um dos poucos que pode ser um actor global. É essa também a função do Presidente da República dar à representação externa a dimensão patriótica da História, da cultura e da língua portuguesa, porque essa foi, é e continua a ser a nossa riqueza principal”. É a esta luz que merecem ser analisadas as suas propostas em matéria de Política Internacional e das Forças Armadas: uma diplomacia de paz; uma visão política da Europa, questionando o estado actual em que se encontra; um programa de aliança de civilizações no seguimento do diálogo de civilizações preconizado pela Unesco; o reforço do espaço estratégico da CPLP em termos que merecem ser levados a sério; o novo papel das Forças Armadas.
Manuel Alegre compromete-se em exercer o seu mandato como Presidente da República, no respeito dos poderes presidenciais e das competências dos diferentes órgão de soberania, mas sem abdicar de qualquer dos seus poderes, já que o presidente não é apenas um árbitro ou um regulador, deve ser também um catalisador, um inspirador, “exercendo um magistério de proximidade e exigência”.
Ao apoiar Manuel Alegre sei que estou empenhado num combate desigual, mas é um combate para ganhar, Portugal não deve perder esta oportunidade A força da nossa candidatura radica em cada cidadão, cada cidadão como nos ensinou Rosa Parks pode mudar o presente e o futuro. Para terem uma ideia do que são cidadãos livres a organizarem-se recomendo dois blogues que apoiam esta candidatura oquadrado.blogs.sapo.pt/ e alegrepresidente.blogspot.com/.
O futuro da Presidência da República está nas mãos de cada um de nós. Não fiquemos a assistir. Tomemos partido. Sejamos cidadãos. Se queremos um Portugal mais livre, mais justo e mais fraterno apoiemos Manuel Alegre.

domingo, outubro 30, 2005

OBRIGADO ROSA PARKS

Rosa Parks faleceu esta semana, a 24 de Outubro de 2005, com 92 anos. Ficou ligada a uma das maiores batalhas pelos direitos civis nos Estados Unidos e no Mundo. Rosa Parks era, na noite de 1 de Dezembro de 1955, uma costureira cansada que voltava para casa depois de um pesado dia de trabalho, e que não tinha nenhum lugar sentado na parte do autocarro reservado aos negros. Rosa Parks sentou-se num lugar em que era permitido sentar-se apenas se não houvesse um branco para o ocupar. Quando entraram mais brancos e lhe disseram para dar lugar a um branco, recusou-se e foi presa por violar a legislação em vigor.
A partir dessa desobediência e das reacções em cadeia que desencadeou, verificou-se uma dura batalha pelos direitos cívicos que conduziu à eliminação progressiva de todas as leis discriminatórias existentes nos Estados Unidos, cujo sucesso é ainda hoje inspirador para novas recusas em qualquer parte do Mundo.
Quando Rosa Parks desobedeceu, eu tinha cinco anos de idade, mas fui profundamente marcado pela luta pelos direitos cívicos nos Estados Unidos, pelas notícias que chegavam das lutas conduzidas por Martin Luther King.
Tenho dificuldade em reconstituir como fui sendo impregnado por essa informação, mas há para mim três ideias muito claras: sempre rejeitei com indignação a separação das pessoas em função da cor da pele; sempre entendi que a luta contra a discriminação racial deve ser travada por toda a gente e a minha simpatia ia para os movimentos em que negros e brancos, em conjunto, enfrentavam a segregação racial; sempre considerei que o segredo do sucesso e da eficácia da luta de Martin Luther King esteve na sua opção pela não-violência activa e pela desobediência civil na linha de Mahatma Gandhi.
Evocar hoje Rosa Parks é primeiro que tudo lembrar que cada um de nós tem mais poder e responsabilidade do que imagina e que, por vezes, temos o dever de desobedecer.
É também um apelo à cidadania em geral e, designadamente, em matéria de luta contra a discriminação racial e pela igualdade de oportunidades aqui em Portugal, como em qualquer parte do Mundo.
A luta contra a discriminação racial exige leis, mas elas não são suficientes. É preciso mudar as mentalidades, os nossos olhares sobre as pessoas e as situações, os nossos relacionamentos quotidianos.
É difícil ser negro e pobre entre nós. Existe o que alguns sociólogos designam como racismo subtil, para lá dos casos de racismo flagrante.Constroem-se muros e fronteiras, nalguns casos reais, noutros imaginários, sendo certo que o imaginário é sempre real para quem o toma como tal. Por outras palavras, há pessoas que não querem responder por telefone a uma oferta de emprego, ou a um anúncio de um aluguer de um quarto porque não estão dispostas a que lhes digam depois não quando perceberem que são negras. Quando se acumulam experiências de discriminação qualquer pessoa se torna mais sensível a tudo isso e muitas vezes sem paciência para mais uma experiência desagradável.
As universidades deviam ter um papel pedagógico nesta matéria, mas alguma coisa está errado no que ensinam quando se verifica que há faculdades em que até nas cantinas as pessoas comem separadas por nacionalidade ou pela cor da pele.
Temos que derrubar estes muros reais ou imaginários, ensinar como diz Mia Couto que “cada pessoa é uma humanidade individual” e que como Miguel Torga escreveu “o universal é o particular, menos os muros”.
Sobretudo temos de interiorizar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Todas as formas abertas ou subtis de discriminação racial têm vítimas directas, mas são uma agressão a cada um de nós porque atentam contra um valor matricial, a nossa pertença comum à humanidade.
Há muito a fazer para construir uma sociedade que respeite os direitos humanos de todos os cidadãos, nacionais ou imigrantes,uma sociedade solidária em que todos participem equitativamente a todos os níveis. Por nos ter ensinado o poder que cada um de nós tem para construir uma sociedade em espírito de fraternidade, obrigado Rosa Parks.

domingo, outubro 23, 2005

CEUTA, MELILLA E A CONSCIÊNCIA CRISTÃ

O imenso sofrimento dos imigrantes em situação irregular e requerentes de asilo nas fronteiras de Ceuta e Melilla não têm provocado tomadas de posição de muitas entidades ou associações entre nós.
Naturalmente que há excepções e tomadas de posição que merecem ser tidas em conta. Destacaria duas tomadas de posição, o artigo da deputada europeia socialista no Parlamento Europeu, Ana Gomes, intitulado “Fortaleza Europa”, publicado no Courrier Internacional nº 28, de 14 a 20 de Outubro, e a tomada de posição da FORCIM (Fórum de Organizações Católicas para a Imigração) reunido em Lisboa, em 14 de Outubro de 2005. São textos com dois registos diferentes, o de Ana Gomes, uma corajosa e lúcida tomada de posição política, o da FORCIM, expressão de uma visão profética.
Para ser mais claro, a tomada de posição da FORCIM, embora pretenda agir sobre a realidade para a transformar, não assenta numa lógica política, coloca perante o juízo e a acção dos cidadãos em geral questões difíceis, que não podemos ignorar e para as quais nos temos de empenhar em construir soluções melhores.
O texto completo pode ser consultado em www.ecclesia.pt/ocpm, mas deixo registado aqui algumas das questões que coloca.
“…Recordamos que a Europa através das suas políticas migratórias securitárias e socialmente minimalistas tem vindo a tornar, desde há anos, o mediterrâneo num «mar de morte» e «deserto de suplício» para os imigrantes e refugiados da vizinha África. A Europa deve comprometer-se de forma arrojada e cooperante na resolução das causas que forçam o migrar dos irmãos e envidar esforços com vista ao respeito intransigente dos direitos humanos, do Direito Internacional consagrado em Convenções ratificadas. Mais do que reforçar fronteiras tornando-as «muros em escada» onde morrem imigrantes, há que reforçar a cooperação afro-europeia para erradicar a fome, pobreza, corrupção, comércio de armas e combater eficazmente as redes de traficantes de pessoas (…)
Situações destas continuarão a acontecer nos próximos meses, se a Europa, em contexto global de acelerada mundialização das migrações, não se responsabilizar concreta e «comunitariamente» pelo combate às raízes subjacentes à crescente irregularidade dos fluxos migratórios, através de uma urgente gestão da imigração legal, de forma ordenada, humana e participada bi- e multilateralmente”.
Estas afirmações não são a solução para as questões colocadas, são a exigência de que todos como cidadãos sejamos exigentes na avaliação das políticas nacionais e europeias, são um desafio a que os agentes políticos e cientistas sociais construam respostas que eliminem todo o sofrimento evitável de tantos milhares de seres humanos.
Gostaria a este propósito de deixar aqui expressa a minha solidariedade à forma como a Obra Católica Portuguesa de Migrações tem procurado despertar a consciência dos cristãos e dos cidadãos em geral em matéria de migrações. A consciência profética não pode ser hipotecada a qualquer sistema de troca de favores
Não deve surpreender ninguém a insatisfação que esta instituição tem manifestado perante todas as políticas de imigração que têm sido prosseguidas, incluindo as dos governos em que participei.
Como afirma o teólogo Johann Baptist Metz a história da redenção “…olha do ponto de vista dos vencidos e das vítimas para o teatro mundial da história…Para ela o potencial de sentido da história da liberdade não depende só dos sobreviventes, dos bem sucedidos, dos que escaparam.” (vide, A fé em história e sociedade: estudos para uma teologia fundamental prática, Edições Paulinas.1981).
É desejável que todos percebam o papel de cada um, aos partidos cabe ter políticas claras e alternativas em matéria de migrações, à(s) Igreja(s) ser um pólo profético, às associações de imigrantes, aos sindicatos, às associações anti-racistas ou de defesa dos direitos humanos serem porta voz dos seus associados e expressão da forma como vêem as políticas migratórias.
Isto não significa que não haja critérios que se venham a tornar comuns. Seria útil que entre eles se contassem a defesa dos direitos humanos de todos e a eliminação do sofrimento evitável através de melhores políticas em matéria de migrações.
No que se refere à vergonhosa situação de «crise humanitária» nas fronteiras europeias de Ceuta e Melilla, temos de afirmar com clareza que, pela sua parte, a FORCIM soube ser expressão da consciência cristã face à dramática e inaceitável situação de «crise humanitária» em que vivem milhares de imigrantes e requerentes de asilo da vizinha África.

domingo, outubro 16, 2005

CLICHÉS DISCRIMINATÓRIOS

Está a tornar-se frequente a utilização por agentes políticos e por profissionais da comunicação social de clichés discriminatórios, utilizando a palavra clichés não apenas no sentido de ideias feitas ou de estereótipos, mas numa acepção mais larga, que era a utilizada por Rodrigues Lapa, a qual cito de memória, com o significado de expressão sintética de uma ideia. Nos casos a que me refiro estes clichés veiculam ideias discriminatórias. Um dos casos actualmente mais frequentes é a utilização de frases como “Portugal parece um país do Terceiro Mundo”, “somos um país corrupto como o Terceiro Mundo”, mais genericamente tudo o que significa atraso, corrupção, incivilidade, populismo, é associado ao Terceiro Mundo. Tudo isto é feito algumas vezes por preguiça mental, mas qualquer que seja o motivo da sua utilização, reforça os preconceitos relativamente aos cidadãos que se supõem provenientes do dito Terceiro Mundo, uma parte dos quais são portugueses há várias gerações.
Estamos longe do período em que o Terceiro Mundo era esperança de um outro desenvolvimento, do não-alinhamento face aos Estados Unidos e à União Soviética. O que então se designava por Terceiro Mundo já não existe, como o comprova o facto de alguns dos Estados como a China ou a Índia serem o que se designa hoje por países emergentes.
Exemplo de mau gosto nesta matéria foi o programa de humor Contra-Informação da RTP sobre o resultado das eleições autárquicas, em que se ridicularizaram todos os aspectos mais lamentáveis destas eleições, apresentando-as como eleições realizadas no Terceiro Mundo, com paródias designadamente a África e à América Latina.
Os maus hábitos de utilizar clichés discriminatórios têm hoje outros alvos como “o negro”. Expressões pejorativas como “as listas negras” são utilizadas com frequência, como é o caso da recente “lista negra” das companhias de aviação aprovada ao nível da União Europeia. Ora nada justifica a utilização do adjectivo negro neste contexto, a não ser o preconceito implícito de que negro é sinónimo de negativo.
Encontra-se outro exemplo, no Expresso de ontem que titula “Uma semana negra” para referir a derrota eleitoral, a disputa Alegre-Soares e o OE que preocupam Sócrates. “Negra” aparece a qualificar a semana como sinónimo de tudo o que é negativo. Ora isto é intolerável, porque só tem um sentido criar um estereótipo negativo relativamente a quem é negro.
A utilização de clichés discriminatórios não é uma invenção recente. Os alvos é que mudam. Recordemos, por exemplo, expressões discriminatórias como “judiaria” ou “ciganagem”.
Outras expressões podem enunciar uma situação histórica passada, mas a sua utilização hoje tem o feito de transmitir estereótipos desvalorizadores. Expressões como “trabalhar que nem um mouro”, “o trabalho é bom para o preto”, “a fome é negra”, “a vida é negra”, dizem-nos muito sobre a dura vida de mouros e negros no passado e são marcas linguísticas que nos recordam o trabalho escravo. Mas, como já dizia a minha saudosa avó Maria do Carmo de Albuquerque, exprimindo o que aprendeu na sua aldeia de Parada, Carregal do Sal, há várias dezenas de anos, “a escravatura já acabou”. Utilizar hoje expressões como as citadas é colar os negros a uma imagem social de pobreza e exclusão.
A frequência da utilização de clichés discriminatórios por agentes políticos e por profissionais da comunicação social, exprime de uma forma dramática a baixa estima a que chegámos, a avaliação negativa, muitas vezes injustificadamente negativa que fazemos de nós e, sobretudo, de Portugal. Nós não nos comparamos com países com maior nível de desenvolvimento humano, não nos propomos convictamente alcançá-los de forma organizada e eficaz. Tememos baixar mais nessa escala e quanto mais medo temos, mais utilizamos clichés discriminatórios. Tenhamos um pouco mais de auto-estima, respeitemos os outros, comparemo-nos com os que já nos ultrapassaram, avaliemos positivamente o que já alcançámos e empenhemo-nos, de forma organizada e eficaz, em superar as nossas limitações e atingir padrões mais elevados de desenvolvimento humano.
Não tenhamos medo. Nós todos, incluindo os imigrantes que aqui vivem, juntos somos capazes de fazer de Portugal um país mais desenvolvido, mais rico, mais culto e mais justo.

domingo, outubro 09, 2005

OUTRO LADO DA CAMPANHA AUTÁRQUICA

A recente campanha para as eleições autárquicas, em que tive a honra de me bater pela candidatura de Manuel Maria Carrilho para a Câmara de Lisboa, permitiu-me contactar pessoalmente com muitos milhares de cidadãos, participar em debates, mas também conhecer ainda melhor a cidade de Lisboa. Olhar de frente a exclusão, o abandono, o sofrimento intolerável de tanta gente, jovens, mulheres, idosos, nacionais e imigrantes, a esperança que o dia de amanhã, que nunca mais chega, seja diferente.
No decorrer da campanha pude estar em contacto com diversas formas de presença da Igreja Católica na cidade de Lisboa, levar-lhes as propostas do PS para Mudar Lisboa, mas também ver e sentir o testemunho cristão que a sua acção encerra.
Destacaria três momentos: a visita a um trabalho com crianças denominado Educação Popular no Bairro da Liberdade, em Campolide; a Residência de Velhinhos das Irmãzinhas dos Pobres, na Rua de Campolide; o debate com as diferentes candidaturas à Junta de Freguesia de Benfica realizado pela paróquia do Bairro da Boavista, em Benfica.
Visitei um outro extenso complexo social da responsabilidade da Igreja, mas não senti senão respeito pelo empreendimento, não senti o espírito da instituição. Podia ser uma empresa, uma instituição particular de solidariedade social sem inspiração cristã.
Foi a Educação Popular, na Rua da Capela, no Bairro da Liberdade que mais me tocou pelo seu profissionalismo, a preocupação com as crianças desde bebés, a preocupação em educar para o amor, o respeito, mas também para a beleza através de uma cuidada educação artística. A simpatia, a capacidade de nos saber ouvir, mas também a simplicidade com que nos foi dada informação sobre a sua ordem, a Congregação das Irmãs do Amor de Deus tocaram-me profundamente e por isso mesmo quero deixar um obrigado à Irmã Nazaré. Foi, estou certo que não apenas para mim, um testemunho do Amor de Deus.
Na visita à Residência de Velhinhos das Irmãzinhas dos Pobres o clima foi mais reservado, embora mais distendido à medida que se trocavam impressões sobre a forma como entendem o acolhimento e o cuidado com as pessoas idosas pobres. Vê-se que há uma preocupação genuína com as pessoas idosas, não apenas uma organização e uma limpeza exemplar, mas uma nota que sensibilizou alguns de nós, o facto de incentivarem a participação solidária dos idosos em algumas das tarefas que asseguram a qualidade de vida na Residência. A reserva a que aludi das Irmãs tem a ver com uma preocupação de não criarem dependências de ninguém, benfeitores privados ou instituições oficiais, mas a visita terminou de uma forma mais cordial tendo alguns de nós procurado saber mais sobre o carisma e a acção desta ordem e recebido a informação que nos deram.
Diferente foi o debate organizado numa das últimas noites de campanha eleitoral no Bairro da Boavista pela paróquia local e para o qual foram convidados todos os candidatos à Junta de Freguesia de Benfica. É uma paróquia recente, com poucos meios, mas activa. Quando chegámos um camarada, que julgo que não é cristão, disse-me logo que tinham organizado já uma linda procissão e um convívio cultural.
O debate foi aberto pelo Pároco que explicou o valor positivo com que a Igreja encara a participação política, lendo um longo e interessante texto do Papa João Paulo II. Depois convidou os presentes a acompanhá-lo na oração de São Francisco de Assis, tendo sido seguido pela maioria dos presentes, militantes dos diferentes partidos. Usaram da palavra os candidatos do PS, PSD, CDS e um representante da CDU. Apenas o Bloco de Esquerda não se fez representar O debate foi, por vezes, tenso, reproduzindo a conflitualidade existente nalgumas áreas do bairro, estimulado pelo estilo adoptado pelo candidato do PSD. O pároco foi moderando o debate, as pessoas ficaram com a sensação de que poderia ter sido mais interessante, mas louvaram a iniciativa da paróquia.
Ao referir este lado da campanha gostava de acrescentar que como católico senti que as Irmãs das instituições que visitámos e o Pároco da Boavista transmitiram uma imagem da sua acção que foi sentida como positiva por mim e estou certo que pela maioria dos camaradas com quem estive nestas acções da campanha.
Estou certo que, do ponto de vista eleitoral, são visitas e acções pouco rentáveis, mas têm um papel muito importante aproximar a experiência humana e social de pessoas que no dia-a-dia raramente se cruzam.

domingo, outubro 02, 2005

ESCRAVA ISAURA

A versão da série televisiva brasileira “Escrava Isaura”, actualmente em exibição na RTP1, aborda a época da escravatura no Brasil. Muitas pessoas me têm manifestado o choque que lhes provoca o descobrirem, através das imagens da televisão, como foram possíveis formas de tratamento tão desumano e degradante. Indigna qualquer pessoa bem formada, por exemplo, o facto de ter sido possível amarrar outros seres humanos a um tronco e chicoteá-los até à morte, de alguém se considerar proprietário de outros seres humanos e de os comerciar como qualquer outro bem e se apropriar dos filhos das escravas, ao ponto do pai da escrava Isaura, que era um homem livre, ver recusada a possibilidade de comprar a filha para a tornar livre.
A escravatura foi uma situação de uma imensa brutalidade e violência de que esta série é apenas uma modesta ilustração.
Poder-se-á dizer que depois disso em pleno século XX, tivemos os campos de extermínio nazis e os gulags ou chamar a atenção para o sofrimento dos imigrantes que procuram atingir a Europa mesmo com risco de vida, como está acontecer actualmente em Ceuta. Tudo isto existiu ou existe, mas isso não nos dispensa de nos confrontarmos com a escravatura, já que ela está entranhada no nosso passado histórico e deixou marcas que não foram totalmente erradicadas. Daí que seja um serviço público emitir uma série televisiva como “A Escrava Isaura”.
Como escreveu Rysard Kapuscinski: “O comércio de escravos durou quatrocentos anos começou em meados do século XV e acabou, oficialmente, na segunda metade do século XIX. Há excepções porque no norte da Nigéria só acabou em 1936 (…). Os traficantes de escravos (sobretudo portugueses, holandeses, ingleses, franceses, americanos, árabes e os seus aliados africanos) despovoaram o continente e condenaram-no a vegetar apaticamente. Ainda hoje há faixas do território africano completamente desertas. África ainda não se recompôs deste pesadelo, desta enorme tragédia”, no seu livro “Ébano, Febre Africana”, Ed. Campo de Letras, 1998, pp. 98-99, cuja leitura se recomenda.
O colonialismo e a escravatura mudaram irreversivelmente o relacionamento entre povos e continentes. De acordo com Stephen Castles: “O colonialismo implicou a emigração além-mar de europeus, na qualidade de marinheiros, soldados, agricultores, comerciantes, padres e administradores. A mão-de-obra colonial foi conseguida primeiro através de migrações forçadas de escravos africanos (cerca de 15 milhões entre os séculos XV e XIX) e, mais tarde, através da utilização de serviçais, que eram transportados através dos impérios coloniais, atravessando enormes distâncias.”, no seu livro “Globalização, Transnacionalismo e Novos Fluxos Migratórios, dos Trabalhadores Convidados às Migrações Globais”, Ed. Fim De Século, 2005, p.25.
Por tudo isto, A Conferência Mundial das Nações Unidas “Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Conexa”, realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, chegou a acordo sobre um texto que reconheceu e lamentou profundamente o enorme sofrimento humano e a trágica situação de milhões de homens, mulheres e crianças em consequência da escravatura e do tráfico de escravos transatlântico, do apartheid, do colonialismo e do genocídio. Tendo convidado a comunidade internacional a honrar a memória das vítimas dessas tragédias, a Conferência referiu que alguns Estados tomaram a iniciativa de lamentar ou expressar remorso, ou de apresentar desculpas, e pediu a todos os que ainda não contribuíram para que a dignidade das vítimas fosse restabelecida que encontrassem formas de o fazer.
Temos de reconhecer que pouco foi feito para dar a devida concretização às decisões da Conferência, que tiveram o voto favorável de Portugal, a cuja delegação tive a honra de presidir.
Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que os netos de todos, esclavagistas e vítimas, nasçam e vivam juntos em condições de plena igualdade de oportunidades, valorizando o outro no que ele tem de livre e diferente.
Para que assim seja é preciso banir todas as formas de discriminação racial, considerar hoje a escravatura como um crime contra a humanidade, como deveria ter sido sempre considerado, mas é também importante fazer a história desse passado na perspectiva das vítimas, perceber o caminho que começa na escravatura, passa pelos serviçais até ás actuais relações de trabalho. Seria útil que a RTP1 realizasse, por exemplo, uma série televisiva sobre os escravos e os serviçais em Portugal e nas colónias portuguesas.
É preciso, sobretudo, educar e criar condições para o respeito pela dignidade de cada ser humano, para o diálogo e a cooperação. Somos todos gente, com direito a aspirar a viver em paz e a procurar realizar a vida que trazemos dentro de nós.

domingo, setembro 25, 2005

NINGUÉM NASCE SEM DIREITOS

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, como se proclama no art.1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Vale a pena recordá-lo porque há tendência a esquecê-lo quando se trata de imigrantes em situação irregular, vulgo sem papéis. Um imigrante sem papéis também tem os direitos inerentes à sua dignidade como ser humano, não tendo todos os direitos de um imigrante em situação regular, particularmente, o direito de permanecer legalmente no País se não for de alguma forma regularizado. Era isso que defendi em 1998, com Luís Nunes da Almeida, em “Les Droits et Libertés des Étrangers en Situation Irrégulière”, in Annuaire Internationaln de Justice Constitutionnelle, Economica, Presses Universitaires d’Aix-Marseille, 1998.
Se isto é verdade para todos os seres humanos não pode haver dúvidas que o é para as crianças filhas de imigrantes em situação irregular. No que se refere às crianças vale a pena ter presente que a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, ratificada por Portugal é directamente aplicável na ordem interna e estabelece que os “Estados Partes comprometem-se a respeitar e a garantir os direitos previstos na presente Convenção a todas as crianças (menores de 18 anos cf. artigo 1º), que se encontrem sujeitas à sua jurisdição, sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, ou outra da criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapacidade, nascimento ou qualquer outra situação” (nº1 do artigo 2º).
É reconhecido à criança pela Convenção citada no parágrafo anterior o “direito à educação tendo em vista, nomeadamente assegurar progressivamente o exercício desse direito na base da igualdade de oportunidades” e, em especial, “tornar o ensino primário obrigatório e gratuito para todos”.
A Resolução do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados-membros, reunidos no Conselho, de 23 de Outubro de 1995, sobre a resposta dos sistemas educativos aos problemas do racismo e da xenofobia determina que “…todas as crianças incluindo os filhos dos requerentes de asilo e de imigrantes ilegais, tem direito a uma escolaridade básica”. (JOCE 312 de 23/11/1985).
Estamos longe de ter tirado todas as consequências da Convenção sobre os Direitos das Crianças para a legislação e, sobretudo, para a prática social. Sobre as crianças indocumentadas nas escolas portuguesas, o Grupo de Trabalho Interministerial, criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 48/2000, de 13 de Abril, aprovou uma resolução que está longe de estar a ser totalmente aplicada (vide, Relatório da Actividades do ACIME, 1999-2002). Estou certo que a actual Ministra da Educação, a Professora Maria de Lurdes Rodrigues, com a inteligência e sensibilidade que tem demonstrado, não deixará de dar passos em frente nesta área.
A ignorância e a insensibilidade dos agentes políticos e administrativos nesta matéria continuam a estar muito espalhadas.
Um exemplo recente foram as insólitas afirmações da candidata à Câmara de Lisboa do CDS/PP, Maria José Nogueira Pinto, no debate realizado no passado dia 11 de Setembro com Manuel Maria Carrilho na SICNotícias no qual defendeu que as “crianças filhas de imigrantes ilegais” não teriam acesso à escola antes do início do processo de legalização dos pais. É um desconhecimento da legislação em vigor, mas é, sobretudo, uma chocante manifestação de insensibilidade social. Manuel Maria Carrilho, demonstrou melhor preparação em matéria de direitos humanos e sensibilidade social, defendeu o direito de todas as crianças, incluindo as crianças em situação irregular à escola, sublinhando que os Direitos das Crianças sobrelevam sobre tudo o mais.
Como escreveu Rui Pena Pires a propósito das crianças em situação irregular no seu post do passado dia 23 de Setembro no blogue ocanhoto.blogspot.com “se filho de peixe é peixe, filho de ilegal é gente. E gente com todos os direitos”.
Ora o acesso à educação é apenas um desses direitos, como o é o direito ao benefício dos cuidados de saúde É uma técnica jurídica burocrática e ineficaz condicionar o exercício desses direitos à pré-inscrição num registo nacional de menores que se encontrem em situação irregular, cabendo o tratamento e manutenção dos dados recolhidos ao Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, como o prevê o Decreto-Lei nº67/2004, de 25 de Março. Comprova-o o facto de apenas umas escassas centenas de crianças constarem actualmente do registo, quando todos sabemos que há milhares de crianças nessa situação. Não nos podemos resignar a essa situação, nem ao facto de crianças nascerem em situação irregular e permanecerem em situação irregular.
Não nos podemos esquecer que todos os seres humanos nascem com direitos e que sendo nós dotados de razão e consciência devemos agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

domingo, setembro 18, 2005

MUDAR LISBOA

O que está em causa nas eleições em Lisboa é demasiado importante para deixar qualquer um de nós indiferente. É preciso mudar Lisboa.
O resultado das eleições será decidido na escolha entre duas opções alternativas sobre o futuro da cidade. Uma representada pela ambição de afirmar Lisboa como cidade do Futuro, um projecto que aposta na solidariedade, na competitividade e no cosmopolitismo, que quer Lisboa como grande capital europeia, sem esquecer os laços que a ligam ao mundo de Língua Portuguesa.
Este projecto tem vindo a ser construído por Manuel Maria Carrilho com determinação, sensibilidade, inteligência e paixão. Contrasta totalmente com o que tem sido a péssima gestão do último mandato municipal, que foi caracterizado pelo desperdício de recursos e uma falta de atenção àquilo que pode mudar para melhor a vida dos lisboetas.
Conheço Manuel Maria Carrilho desde os bancos do Liceu e tenho acompanhado a sua carreira académica e o seu empenhamento político. O meu juízo da pessoa e do candidato não se baseia em impressões superficiais e conjunturais. Tenho possibilidade de avaliar o seu percurso ao longo de várias décadas. Não sou imparcial, porque não posso deixar de tomar claramente partido quando vejo as formas subtis e insidiosas com que muitas vezes se pretendem silenciar as suas críticas pertinentes à actual gestão municipal e o seu programa para mudar Lisboa. Nem me calo quando, em vez de lhe responderem frontalmente e criticarem as suas propostas, enveredam pela calúnia e depois pretendem, com o pretexto de que ele é político, que ele deve sorrir sempre e apertar a mão. Não sejamos hipócritas e centremos o debate no essencial.
Não é verdade que as empresas públicas e os gabinetes municipais engordaram de gestores e assessores bem remunerados, sem se terem tornado mais eficazes? Não é verdade que se delapidaram milhões de euros, por exemplo, num estudo para um projecto faraónico para o Parque Mayer e em auto-propaganda da actual gestão municipal ?
E se discutissem o programa de Manuel Maria Carrilho! O que pensam, por exemplo, da sua opção prioritária pelas pessoas: o seu cuidado com as Crianças e as escolas; a sua atenção aos Idosos e a sua preocupação em lhes assegurar mais segurança e maior apoio social, o seu compromisso com a Juventude; e a s suas propostas em matéria de emprego, habitação e qualificação?
Manuel Maria Carrilho fez há vários meses uma opção prioritária, dedicar-se a lutar por mudar Lisboa e nisso tem empenhado toda a sua determinação, inteligência e sensibilidade. Não me é indiferente a sua vontade de ouvir atentamente sejam idosos, professores, arquitectos, urbanistas, dirigentes de associações de imigrantes ou de colectividades, milhares de cidadãos com competências, qualificações ou aspirações diversas, a forma como pondera para encontrar a melhor solução, como ouve e solicita comentários e críticas. Não representa ser o que não é, mas é um ser humano de grande qualidade. Isto é talvez um pequeno pormenor, mas são os pequenos pormenores que fazem a diferença.
Não deve ser por acaso que escolheu para música da sua campanha uma canção emprestada pelos Xutos & Pontapés, que começa assim:

Pequenas coisas que faltam na vida
Tornam-se as grandes incompletas
Não te esqueças
A grande ponte para lado nenhum
Fica distante da pequena estrada
Esburacada, onde arriscas a vida
necessariamente
E se tudo é um todo
E o todo é que importa
Não ponhas de lado
Aquilo que falta...

domingo, setembro 11, 2005

A CAMINHO DE UMA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

A situação difícil que se vive no Iraque, a incapacidade da administração americana responder com eficácia às consequências do furacão Katrina em Nova Orleães, o recente acordo entre a União Europeia e a China, são acontecimentos que se inserem no processo em curso de emergência de uma nova ordem internacional.
É hoje evidente que a intervenção dos Estados Unidos no Iraque, à margem das Nações Unidas, a que sempre me opus como cidadão, foi agravada pelos erros cometidos depois da invasão e ocupação, com destaque para a total destruição do Estado e da ordem pública bem patente na pilhagem dos museus iraquianos, na destruição total do exército e na marginalização total de todos os membros do Partido Baas sem ter a preocupação de identificar os que estivessem dispostos a participar na nova situação política então criada. A intervenção não conduziu a uma democracia estável, mas sim a uma situação muito difícil do ponto de vista da segurança não só no Iraque, mas em toda a região. Teve ainda como efeitos colaterais perversos o recrudescimento do terrorismo e o reforço dos sectores mais conservadores no xiismo iraniano.
Foi evidente para os cidadãos de todo o mundo a incapacidade depois demonstrada pela administração americana sob a liderança do presidente Bush em assumir e responder com eficácia às consequências trágicas do furacão Katrina. Quando vi na televisão os milhares de cidadãos abandonados à sua sorte em Nova Orleães, que gritavam por socorro, tive uma profunda sensação de incómodo. Eram na sua esmagadora maioria negros, descendentes dos escravos arrancados a África para erguer as bases do que é hoje a economia americana, que gritavam por ajuda juntamente com alguns brancos pobres, na sua maioria idosos. “Somos americanos” gritava uma velha senhora negra. É possível que estes acontecimentos marquem uma nova vaga de movimentos pelos direitos cívicos, face à incapacidade demonstrada pelo multiculturalismo à americana e as discriminações positivas para incluir os mais pobres no sistema. Para além disso, demonstraram-se as consequências das doutrinas que defendem o enfraquecimento das funções do Estado, a dificuldade em articular competências locais, regionais e nacionais, e sobretudo, a fragilidade do governo americano em assegurar a segurança pública aos seus cidadãos. É difícil prever as consequências graves para a imagem internacional dos Estados Unidas resultante da incapacidade de ter, por exemplo, elaborado e executado um plano de evacuação da cidade.
A insensibilidade da administração americana estende-se às causas das crescentes alterações climáticas, que tornarão mais frequentes tragédias como o furacão Katrina, mantendo-se intransigente na não ratificação do Protocolo de Quioto.
Outro facto de importância inegável para o futuro é o acordo alcançado entre a União Europeia e a China sobre os têxteis, apesar das reservas formuladas por países como a França e a Espanha, e que é bem demonstrativo da importância que a Comissão Europeia e a União sob a Presidência de Tony Blair dão à manutenção de uma relação privilegiada entre a União Europeia e a China quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista político. O volume das trocas económicas é cada vez mais importante em outras matérias para além dos têxteis e mal estarão os países europeus que não tiverem bens para vender no vasto mercado chinês. A China é e será cada vez mais a mais importante das novas potências emergentes, mas outras se seguirão como a Índia e o Brasil.
Todos estes acontecimentos têm sido acompanhados de uma procura crescente do petróleo e do aumento do barril de crude, o que torna prioritário a nível mundial uma aposta decidida no desenvolvimento das energias alternativas.
É neste contexto que me interrogo se a intervenção americana no Iraque não terá representado o fim do período dos Estados Unidos como única grande potência hegemónica. Estamos no início de um processo longo, complexo e recheado de perigos de emergência de uma nova ordem internacional, em que várias potências e realidades regionais, como a União Europeia, irão ter um papel crescente na definição de novas regras em áreas estratégicas como o comércio internacional, a protecção do meio ambiente, o combate à fome, à pobreza e às intolerantes desigualdades existentes na repartição da riqueza, a prevenção de pandemias, o combate ao terrorismo, a promoção de todos os direitos humanos e de maior igualdade de género.

domingo, setembro 04, 2005

MANUEL ALEGRE - UMA AGENDA DE ALTERNATIVA E DE ESPERANÇA

É inegável que Portugal atravessa um momento de desânimo e de falta de confiança no futuro, apesar de esforços do governo para contribuir para a ultrapassar esta situação.
Neste contexto a intervenção de Manuel Alegre no passado dia 30 de Agosto, em Viseu, foi seguida com muita atenção a nível do País e animará muitos debates futuros. Não se limitou a ser uma clarificação da sua posição face às eleições presidenciais, foi também uma análise lúcida da situação do País, esboçando simultaneamente uma agenda de alternativa e de esperança, que merece ser analisada e comentada.
Considerou que Portugal atravessa uma crise muito grave, que não se reduz ao défice das finanças públicas ou às dificuldades da nossa economia perante a globalização Identificou expressões de uma crise do Estado “que por sua vez é fruto de uma crise da sociedade, da confusão e ausência de valores, do declínio do espírito de serviço público, do facilitismo, da negligência, do egoísmo”, que pode transformar-se numa crise de regime. Traçou por isso o que considerou dever ser o papel capital do Presidente da República e considerou que as próximas eleições presidenciais “deveriam ser uma oportunidade para a renovação e revitalização da nossa vida política segundo critérios e métodos autenticamente republicanos.”Acrescentou que ao Presidente da República cabe o magistério de procurar restabelecer “ a confiança dos portugueses em si mesmos, no seu país, nas suas instituições democráticas” e simultaneamente “despertar as energias criadoras da sociedade, defender a solidariedade contra os egoísmos, o gosto e o brio no trabalho, o espírito de serviço contra o desleixo e o salve-se quem puder, a sobriedade, a exigência de rigor contra os excessos do novo riquismo, do dinheiro fácil e de todas as formas de negligência e de impunidade.”Sublinhou a necessidade dar à política uma dimensão cultural.
Registo algumas das suas palavras a que voltarei para as comentar nos próximos meses: “Na Europa do mercado, o nosso país conta pouco. Mas Portugal tem uma História, uma língua, uma cultura e uma ligação inapagável às várias partes do mundo por onde passou e onde hoje se fala português. É opor isso que, entre países do mesmo peso demográfico, Portugal é o único que pode ser um actor global. É essa a função do Presidente da República dar: dar à representação externa a dimensão de um novo patriotismo, a dimensão da História, da cultura e da língua portuguesa, porque essa foi, é e continua a ser a nossa riqueza principal.
Ao Presidente da República cabe a responsabilidade de preservar o actual quadro democrático-constitucional e ao mesmo tempo impulsionar a renovação do funcionamento do sistema político, que é a única forma de os portugueses voltarem a acreditar.”
Procurei, de forma pessoal e discutível, sublinhar aspectos que considero essenciais da análise feita por Manuel Alegre da situação política actual e explicitar como é que uma leitura sem complacência da actual crise pode simultaneamente criar “uma expectativa de alternativa e de esperança.” Intencionalmente deixei de lado a interpretação das suas palavras sobre a questão da candidatura presidencial, até porque o disse em bom português.
Entendi valorizar uma agenda política que desperta crescente atenção de sectores alargados da sociedade portuguesa por um razão simples, porque sabe dar o nome às coisas e faz apelo ao que há de melhor em cada um de nós. È por tudo isto que Eduardo Prado Coelho intitulou certeiramente a sua crónica sobre este discurso como “O discurso interrompido” (Público, 1 de Setembro de 2005).
Como diz o Livro de Qohelet, também conhecido por Eclesiastes: “Todas as coisas têm o seu tempo”.

domingo, agosto 28, 2005

DEPOIS DOS FOGOS

Qualquer reflexão sobre o que fazer depois dos fogos que têm assolado a floresta portuguesa tem de assentar numa análise objectiva da situação da agricultura e da floresta em Portugal e dispensa demagogia e preocupações retóricas.
Portugal tem, de acordo com dados divulgados recentemente pelo Eurostat, 261.600 explorações agrícolas, tendo o seu número diminuído em 17% em cinco anos, o que tem sido acompanhado do aumento da sua dimensão média. Apesar disso, 69% funcionam em áreas de dimensão inferior a cinco hectares. Outro dado relevante é o facto de à frente de 90.000 explorações estarem pessoas com mais de 65 anos (Público, 23/08/2005).
A prevenção e o combate aos fogos têm diversas dimensões, que devem merecer toda a atenção, desde o reforço dos meios aéreos ao combate à criminalidade que está associada a um número significativo de incêndios. É positivo, neste contexto, o anúncio do Ministro António Costa de que o País se vai dotar de uma frota própria de aeronaves para o combate aos fogos florestais para 2006, bem como a criação pela Polícia Judiciária de uma base de dados sobre incendiários e de um laboratório do fogo. Mas há dimensões ligadas à ausência de uma informação cadastral actualizada, cuja importância tem de ser também considerada com seriedade e sem demagogia.
Para uma rigorosa e documentada visão de conjunto de todas essas dimensões vale a pena ler o artigo “Incêndios, Porque (ainda) arde Portugal?”, publicado por Luís Ribeiro e Ricardo Fonseca, com Tiago Fernandes, na revista Visão, n.º 651, de 25 a 31 de Agosto de 2005.
Gostaria apenas de sublinhar que, como se refere nesse artigo, “84% do território está distribuído por quase meio milhão de proprietários” e que “falta um cadastro florestal do País para saber eficazmente a quem pertence cada propriedade”. Em algumas regiões do País, como as Beiras, os prédios rústicos têm dimensões muito reduzidas, as suas extremas não são conhecidas por muitos proprietários que para assegurar melhor vida para os filhos emigraram para o estrangeiro ou para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O facto de nunca se ter concretizado o emparcelamento, apesar de ter sido aprovado, com dificuldade, ainda na Assembleia Nacional salazarista, teve trágicas consequências económicas, impossibilitando os seus proprietários de fazerem uma exploração racional e lucrativa Se assim não fosse seria incomparavelmente superior a importância económica do sector florestal para o Produto Interno Bruto, que é actualmente de 3.2%, e de 12% do PIB industrial, bem como 11% das nossas exportações.
Ao referir tudo isto quero sublinhar que só pode haver políticas eficazes de prevenção dos fogos, que tenham simultaneamente a preocupação de criar condições para que a floresta se torne um sector ordenado e seja uma actividade rentável para os seus proprietários, o que exige um cadastro florestal que abranja todo o País, criando condições para uma mais fácil transmissão dos prédios rústicos.
Um passo importante neste sentido foi dado com a entrada em vigor recentemente do Decreto-Lei nº136/2005, de 17 de Agosto, que assumindo que existem inúmeros prédios rústicos localizados na denominada “zona de minifúndio”, onde a fragmentação da propriedade rústica é bastante elevada, sem situação registral actualizada, muitas vezes inscritos na matriz em nome de pessoas há muito falecidas, ou em situação de omissão no registo e na respectiva matriz predial, estabeleceu medidas de carácter excepcional tendo em vista a regularização da sua situação jurídica.
Vale a pena recomendar a sua leitura e a sua utilização pelos interessados, porque vai à raiz dos problemas. Sem regularização da situação jurídica dos prédios rústicos, não haverá ordenamento florestal, limpeza de matas, fácil transmissão dos prédios rústicos e aumento do contributo do sector florestal para o desenvolvimento do País, com vantagens evidentes para os seus proprietários e para o Estado.
Foi, pelo menos para mim, o mais evidente depois de ter percorrido alguns hectares de floresta queimada, em que uma semana depois dos fogos, ainda fumegavam, por vezes, raízes de árvores que teimavam em continuara arder de forma branda, lenta e silenciosa.

domingo, julho 31, 2005

MUÇULMANOS EUROPEUS

Numa altura em que na sequência dos actos terroristas que atingiram Londres, depois de Madrid, pressentimos que outros se poderão vir a verificar em qualquer outro país da União Europeia, é fundamental ter sempre presente que o inimigo é o terrorismo, não é o Islão, nem os muçulmanos.
É preciso que ao procurar prevenir e combater o terrorismo da forma mais eficaz possível, não esqueçamos alguns factos simples e tenhamos sempre presente algumas ideias claras.
Há milhões de muçulmanos na União Europeia, bem como em outros países europeus. Se alguns são imigrantes, outros são cidadãos dos diferentes Estados-nembros, em muitos casos há longos séculos. Há cidadãos belgas, franceses, ingleses, portugueses, como há cidadãos gregos ou bósnios que são muçulmanos.
Os cidadãos muçulmanos não são uma realidade homogénea, do ponto de vista cultural, mesmo referindo-me aos que são praticantes sinceros, como o não são os evangélicos, os ortodoxos ou os católicos. Há, como é natural, diferentes vivências, correntes doutrinais, maneiras de ser e de sentir.
Os actos terroristas dos partidários de Osama bin Laden não se dirigem apenas contra europeus ou americanos, mas também contra muçulmanos e árabes. Da Indonésia, ao Egipto, ao Iraque, de Marrocos à Turquia, sem esquecer a Argélia, milhares de crentes muçulmanos inocentes têm sido assassinados.
A esmagadora maioria dos muçulmanos europeus está do lado da liberdade, do respeito pelos outros, dos valores que enformam o Estados de Direito.
Como escreveu Faíza Hayat, cidadã portuguesa, filha de mãe cristã e pai muçulmano, Osama dirige-se contra estes muçulmanos, quer pôr em causa, a sua maneira de sentir e de viver. Para Faíza Hayat: “…o objectivo principal desta estratégia não é o aterrorizar os europeus, forçando-os a abandonar o mundo árabe; o principal objectivo é empurrar os muçulmanos moderados, incluindo aqueles que vivem no Ocidente, para o campo radical. Osama quer espalhar o ódio, mais do que o terror; quer utilizar o ódio para unificar o islão”, XIS, Ideias Para Pensar, nº318, 23 de Julho de 2005. E acrescenta: “Eu, pelo contrário, represento tudo aquilo que Osama mais odeia - uma alma livre em trânsito entre culturas e raças e religiões”.
Portugal é um país em que há uma nova presença islâmica, mas não podemos ignorar a contribuição histórica do nosso passado islâmico para a própria génese da cultura portuguesa, onde se misturou com outras culturas e deixou marcas indeléveis na língua, na arquitectura e em diversas culturas e técnicas agrícolas.
A realidade constituída pelos muçulmanos europeus, não pode ser encarada com ligeireza, ou apenas com bons sentimentos. Tem de ser estudada. Quem quiser ter uma visão da enorme diversidade das presenças islâmicas na Europa poderá ler com proveito, o livro editado por Roberta Aluffi B.-P e Giovanna Zincone The Legal Treatment of Islamic Minorities in Europe, Peeters-Leuven, 2004, no qual tive o gosto de colaborar, e em que é analisada a realidade islâmica em países tão diversos como Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Grécia, Itália, Holanda, Portugal, Roménia, Espanha, Suécia, Reino Unido, para além dos Estados Unidos.
Há, contudo, um elemento básico que não se pode ignorar para analisar a presença islâmica na Europa. O que está em causa não é um conceito abstracto, são pessoas concretas, são concidadãos, que têm gostos e formas de vida muito pessoais.
Aprendi muito sobre o islamismo com Imã da Mesquita de Lisboa, o xeque David Munir e com o presidente da Comunidade Islâmica, Abdool Magid Karim Vakil, e estou-lhes grato por esse facto. Mas não posso deixar de evocar a minha amiga Latifa Aït-Baala, militante dos direitos dos imigrantes e dos direitos humanos em geral, uma muçulmana francesa, natural de Marrocos, com quem há mais de dez anos comecei a conversar sobre o islamismo e a Europa, uma amiga a quem a música dos Madredeus, de Dulce Pontes e de Mariza evocam sonoridades familiares do seu país natal.
Os muçulmanos na Europa não são uma categoria sociológica, são pessoas muito diversas com quem somos chamados a relacionar-nos, não esquecendo nunca uma lei universal, só se pode gostar de quem se conhece.

domingo, julho 24, 2005

O «ARRASTÃO» QUE NÃO EXISTIU EM CARCAVELOS

Já tivemos oportunidade de nos referir aos acontecimentos ocorridos no passado dia 10 de Junho na praia de Carcavelos no nosso post de 19 de Junho.
Hoje é possível ter uma visão mais objectiva sobre o que se passou efectivamente e sobre os disparates que jornalistas e inclusive académicos aproveitaram para escrever e que se tornam ridículos face ao Relatório da Polícia de Segurança Pública, que foi esta semana entregue à Assembleia da República e que demonstra que não houve «arrastão» em Carcavelos. É um documento que dignifica o seu profissionalismo e demonstra o respeito pela verdade dos factos por parte da PSP, o que reforça a nossa confiança no funcionamento das instituições do nosso Estado de direito democrático. Este relatório parte de uma detalhada análise para tirar as suas conclusões e é por isso um documento credível e rigoroso.
Voltámo-nos também a referir aos acontecimentos de Carcavelos porque muita gente aproveitou para promover o preconceito e o medo e isso tem de ser desmascarado e porque para muita imprensa internacional Portugal durante todo esse mês foi sinónimo de «arrastão» com graves consequências para o nosso turismo e para a economia portuguesa. Esta exploração das mentiras para prejudicar o nosso turismo ainda não terminou e ainda há encomendas de artigos sobre as fantasias que então foram divulgadas.
O tempo decorrido só reforça a justeza do elogio que então fizemos ao editorial de Luís Osório no Jornal A Capital (17 de Junho) intitulado, recordam-se, “A vitória da imaginação” e à reportagem que demonstrava que não tinha havido «arrastão» do jornalista Nuno Guedes.
Há que referir também o inteligente post de 19 de Junho “Ser ou não «arrastão»”de João Miguel Almeida no seu sempre interessante blogue eoesplendordosmapas.blogspot.com que percebeu através da análise crítica dos dados fornecidos pela imprensa que não tinha havido nenhum «arrastão».
Registamos das conclusões finais do referido Relatório que não houve «arrastão» na praia de Carcavelos.
“…Os elementos ora apurados, em conjugação com as imagens recolhidas não configuram contudo qualquer situação de “arrastão”, caracterizado como vulgarmente é conhecido no Brasil, em que um enorme grupo de indivíduos assalta os banhistas, retirando-lhes pela força, os bens que possuem…”.
O facto de não ter havido «arrastão» não significa que não se deva reforçar a segurança nas praias e os sistemas de vídeo-vigilância como pretende, e bem, o Governo ou que se não justifiquem novas políticas e medidas que reforcem a coesão social, a qualidade da integração dos imigrantes e o respeito e solidariedade entre todos os cidadãos, nacionais ou estrangeiros.
Não podemos é deixar de dizer quantas vezes for preciso, que como escreveu C.M. num inteligente comentário ao nosso post de 19 de Junho de 2005, não há correlação entre imigração e criminalidade.
Temos muito que fazer para aprendermos a viver juntos em solidariedade. Há ainda muitos muros artificiais entre as pessoas, preconceitos e discriminações raciais, por vezes, subtis, que têm de ser eliminados
Tudo isto tem que assentar numa informação objectiva sobre os fenómenos migratórios em todas as suas dimensões. Todos temos o dever de contribuir para que assim seja, mas naturalmente os profissionais da informação, os académicos e os agentes políticos têm um dever acrescido, por terem um poder acrescido, para que assim seja.
Por tudo isto não podíamos deixar de registar o contributo que para essa informação objectiva representou este Relatório da PSP. Foi pena que não tivesse sido possível tê-lo mais cedo, mas mesmo agora é um documento importante e estou certo que impedirá que se fabriquem novos acontecimentos “informativos” deste tipo.

domingo, julho 17, 2005

MARIA DE LOURDES PINTASILGO

Esta semana hesitei em falar de Manuel Alegre ou de Maria de Lourdes Pintasilgo. A comemoração dos 40 anos da Praça da Canção foi um acontecimento cultural e político da maior relevância. Ao Manuel Alegre liga-me um trajecto político maior do que o que me liga a Maria de Lourdes Pintasilgo. Antes e depois do 25 de Abril estivemos sempre do mesmo lado da barricada, primeiro contra o fascismo, depois pelo socialismo democrático Estou certo, contudo, que terei muitos e variados motivos para falar de Manuel Alegre nos próximos meses. É cada vez mais claro para a grande maioria dos socialistas e para muitos outros militantes de esquerda que Manuel Alegre será chamado a desempenhar um papel político fundamental para Portugal nos próximos meses.
Não posso por isso adiar a expressão da importância de que se reveste para mim a intervenção intelectual e política de Maria de Lourdes Pintasilgo, a saudade e gratidão que por ela nutro.
Tenho de começar por uma questão incontornável. Dei-me conta que a sua legenda é a mesma que para mim escolhi desde os meus tempos do Liceu Nacional de Viseu, os versos de Carlos Oliveira: “Cantar/ é empurrar o tempo ao encontro das cidades futuras/fique embora mais curta a nossa vida”. Ora isso significa necessariamente a existência de cumplicidades.
Na passada semana foi publicado um livro Palavras Dadas de Maria de Lourdes Pintasilgo e isso permitiu que se chamasse um pouco mais a atenção para a obra desta militante católica que foi intelectual, teóloga, feminista, militante política, tendo tido inclusive a oportunidade de ter sido a primeira e até agora a única portuguesa que desempenhou as funções de Primeiro-Ministro. Este livro é decerto modo a resposta que quis dar ao livro Mulher das Cidades Futuras com que tantas e tão destacadas figuras da sociedade portuguesa procuraram homenagear diversas dimensões da sua intervenção.
Devo dizer que o que mais admiro nela foi a vontade de ultrapassar barreiras e de pensar com audácia novos caminhos para importantes desafios culturais e sociais. Penso que foi particularmente inovadora ao pensar as questões colocadas sobre o feminino por escritoras e pensadoras como as autoras das Novas Cartas Portuguesas ou outras questões civilizacionais. Não posso também deixar de sublinhar a naturalidade com que foi progressivamente assumindo a sua condição de católica e de militante política de esquerda, o que está longe de ser evidente para toda a gente, ou como soube aglutinar em torno de causas da esquerda tanta gente com os mais diversos caminhos e concepções de vida.
Este é, aliás, um desafio que está colocado na sociedade portuguesa, impedir que se criem barreiras artificiais entre crentes e não crentes de qualquer confissão religiosa, o que foi possível evitar depois do 25 de Abril.
O caminho na sociedade e nas instituições é levar a sério o princípio da igualdade de acordo com o qual “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.”
Se os militantes católicos não aceitam ser discriminados por esse motivo nas organizações políticas e sindicais, e penso que o não são efectivamente, também o não aceitariam vir a sê-lo, naturalmente, dentro da sua Igreja. Os militantes que têm a experiência, de procurar com companheiros ou camaradas de luta soluções para os maiores problemas sociais a partir de diferentes percursos e concepções da vida, e de se sujeitar ao contraditório, e a escrutínios democráticos, que são escolhidos ou não para exercer funções públicas exclusivamente pelos seus méritos, têm, decerto, alguma coisa a ensinar.
Não creio, aliás que se possa construir qualquer projecto de Nova Evangelização sob o silêncio ou sem o contributo destes militantes. Em Portugal, apesar de alguns movimentos de involução que se manifestam entre os leigos, estou certo que devemos ter confiança numa nova primavera na Igreja, graças, designadamente, ao sentido evangélico do Episcopado Português.

domingo, julho 10, 2005

ECUMENISMO E BOMBAS

Na passada quarta-feira tive a honra de moderar no Centro Cultural de Cascais um debate em que estavam em causa os fundamentalismos religiosos em contraposição com uma lógica de respeito entre as diferentes expressões religiosas. Intervieram Esther Mucznik, uma das principais dirigentes da Comunidade Israelita de Lisboa e o xeque David Munir, imã da Mesquita de Lisboa, que tiveram intervenções esclarecedoras, promotoras do diálogo e do respeito entre todos os seres humanos. Perante uma numerosa e interessada assistência foi possível constatar os progressos que têm sido feitos entre nós em matéria de liberdade religiosa e de diálogo inter-religioso. Ainda recentemente tive oportunidade de falar desta vantagem competitiva que representa para Lisboa ser uma cidade ecuménica, em que convivem cristãos, muçulmanos, hindus, outras diversas expressões religiosas, pessoas agnósticas ou sem qualquer religião, nas Jornadas “Um Projecto para Lisboa”, promovidas por Manuel Maria Carrilho.
No dia seguinte todos fomos surpreendidos por mais um ignóbil atentado, que se traduziu numa sucessão de explosões em Londres, que invoca o Islão, mas que ao fazê-lo me lembra sempre aquele ensinamento que aprendi na catequese de que é pecado grave invocar o Santo Nome de Deus em vão.
Todos sabemos que ao longo da história houve pessoas que se afirmavam crentes e que entenderam poder cometer assassínios em nome de Deus.
Se há um consenso básico essencial que temos hoje de exigir a todos os seres humanos crentes ou não crentes é que invocar Deus para cometer crimes é um acto de impiedade e um ultraje ao Criador, qualquer que seja o nome que lhe demos.
Temos por outro lado que ter orgulho nas sociedade que estamos a construir em que a separação das diferentes confissões religiosas do Estado, pode ir a par com a cooperação na defesa e promoção da paz e na defesa dos direitos humanos.
Temos que analisar o que tem permitido o desenvolvimento de um saudável respeito e cooperação entre todas as principais confissões religiosas em Portugal depois do 25 de Abril e, ao mesmo tempo, tentar perceber o que o pode ameaçar para o impedir. Todos reconhecem a importância positiva que têm tido os líderes das diferentes comunidades religiosas na criação desta clima, mas, ao mesmo tempo, devemos continuar a criar redes de cooperação e instituições que assegurem que assim continue a ser, independentemente das convicções dos líderes. Não que possamos ignorar o factor humano. Há pessoas que de forma discreta, contribuem para este clima positivo. Esther Mucznik referiu uma delas o padre católico Peter Stilwell, mas sendo o respeito entre todos os seres humanos uma conquista sempre frágil e ameaçada pela banalidade do mal, vale a pena estudar a melhor forma de reforçar esse respeito, mesmo em momentos de desvario colectivo.
O ecumenismo e a tolerância é comparável ao que o grande poeta Jorge de Sena chamou "Uma pequenina luz" no seu livro de poemas Fidelidade, que tive o privilégio de ouvir recitar pelo próprio poeta, em 8 de Fevereiro de 1969 na. Associação Académica de Coimbra. Termina assim o poema: "...Uma pequenina luz bruxuleante e muda/como a exactidão como a firmeza/como a justiça./Apenas como elas./Mas brilha./Não na distância. Aqui./no meio de nós./Brilha”.
Temos de a proteger promovendo o conhecimento mútuo, o respeito e a cooperação entre todos os seres humanos, a liberdade religiosa e o diálogo inter-religioso, isolando os intolerantes, os xenófobos, os racistas, estando vigilantes a tentativas de infiltração de elementos radicais, aperfeiçoando os mecanismos de prevenção e combate ao terrorismo, e assegurando a maior eficácia possível dos serviços de informação.
Apesar de tudo isso não há garantias de que um atentado do tipo dos que se verificaram em Madrid ou em Londres não possa ocorrer em qualquer outro país europeu. Os nossos governos tudo farão para o evitar, mas há uma coisa que só cada um de nós poderá fazer, recusar haja o que houver, que o ódio, o medo e o mal levem a melhor e nos tornem as almas mais pequenas. É este o combate decisivo entre a democracia e os assassinos de cidadãos anónimos, que só se vence se não desistirmos de viver com serenidade seguindo o exemplo dos cidadãos londrinos.

domingo, julho 03, 2005

A EUROPA, O CRISTIANISMO E A TURQUIA

A União Europeia está num momento decisivo em que se questiona como nunca sobre o caminho a seguir. A crise do projecto de Tratado, que institui uma Constituição para a Europa, cruza-se com a crise das perspectivas financeiras e com as hesitações sobre o prosseguimento do alargamento, com especial incidência na questão da futura adesão da Turquia.
Neste contexto difícil, em que a vitória do «não» nos referendos francês e holandês libertaram sentimentos egoístas e xenófobos, é positivo que a Comissão Europeia tenha decidido manter o compromisso de abrir a negociações com vista a uma futura adesão da Turquia. O contexto actual exige, contudo, uma atitude de empenhamento acrescido na intervenção cívica por parte de todos os que entendem que essa adesão futura é do interesse da União Europeia. Não têm sido muitos os artigos inteligentes publicados na imprensa portuguesa sobre esta matéria e por isso recomendo a reflexão sobre “As fronteiras da Europa” do embaixador José Cutileiro na sua secção “O Mundo dos Outros” (Expresso, 25.6.2005).
Num mundo incerto e perigoso precisamos de ter dentro das nossas fronteiras uma Turquia herdeira do Ataturk num processo permanente de aproximação aos valores políticos da democracia, dos direitos humanos e do Estado de Direito. Não ignoramos nem o caminho já percorrido, nem o longo caminho que falta percorrer. Defendemos uma negociação exigente e rigorosa, mas somos contra qualquer tipo de discriminação que tenha exclusivamente como base o preconceito e o medo face ao seu peso demográfico ou ao facto de ser um país em que o islamismo é a religião dominante.
A União Europeia não pode ser um clube cristão, embora não deva silenciar o contributo que as diferentes confissões religiosas, com destaque para o cristianismo deram, ao lado e em conflito com outras correntes iluministas e laicas, para a formação do que são hoje as instituições e os valores democráticos, que caracterizam a União Europeia.
Há, aliás, um aspecto que como católico me é particularmente desagradável em alguns discursos que pretendem fundar na identidade cristã europeia a recusa da adesão turca, é uma certa degradação da mística em política e o facto de ignorarem que o catolicismo não é apenas uma religião europeia, mas por definição universal, não estando ligada a nenhuma forma particular de cultura, como ensina a Gaudium et Spes. Tudo isto é, aliás, coerentemente acompanhado pela desconfiança face às expressões culturais diferenciadas dos cristãos de outros continentes, que no mínimo são secundarizadas no quadro da Igreja Católica.
Mas como «Deus escreve certo por linhas tortas» não deixa de ser interessante verificar que os mais intensos e, ao que parece fraternos contactos de Bento XVI com os ortodoxos têm sido precisamente com os de Constantinopla, enquanto os de Moscovo se mantêm distantes.
A Turquia não é apenas um país islâmico, tem uma comunidade católica, com quatro ou cinco bispos, e o tradicional e muito respeitado Patriarcado Ortodoxo de Constantinopla. Além de ser historicamente um país em que o islamismo é a religião dominante, é simultaneamente um Estado laico, que defende essa laicidade da pressão dos grupos fundamentalistas que a pretendem pôr em causa.
A Turquia foi a fronteira oriental da Europa durante todo o período da Guerra Fria, o que se compreende dada a sua extensa fronteira com áreas estratégicas da então União Soviética. Hoje, é também a fronteira europeia com o Irão, o Iraque e a Síria.
A União Europeia é actualmente, mesmo depois dos alargamentos, uma pequena região do mundo em termos geográficos e demográficos, que se verá confrontada cada vez mais com a emergência de novos actores globais como a China e a Índia.
Vale a pena também reflectir na “Nota de rodapé “ do embaixador José Cutileiro, na já referida coluna do Expresso, a propósito do alargamento “Se os Balcãs ficarem de fora, tornarão a ser Balcãs mesmo. Na Sérvia, na Macedónia, na Croácia, na Bósnia, no Kosovo é o engodo da Europa que mantém as pistolas nos coldres e espadas embainhadas”.
Apenas posso testemunhar que quando no ano passado visitei a Bulgária, integrado numa delegação chefiada pelo então Presidente da Assembleia da República, Dr. Mota Amaral, foi também essa a conclusão que retirei dos contactos políticos efectuados.

domingo, junho 26, 2005

ULTRAPASSAR A “CIÊNCIA-EXCLUSÃO”

Tem-se falado muito da necessidade de um choque tecnológico como condição para o desenvolvimento sustentável de Portugal, mas ele não será possível sem ultrapassarmos o que denomino de “ciência-exclusão”, designando desta forma o desconhecimento e desinteresse generalizado pela cultura científica que constitui uma situação difícil de ultrapassar, mas não impossível pelo menos a médio prazo. A rapidez com que se têm verificado rápidos progressos no combate à info-exclusão deve animar-nos, embora seja mais fácil aprender algumas rotinas do que ultrapassar a generalizada falta de competências em matemática ou noutras áreas científicas como a física, a química e as ciências da vida.
Esta falta de competências representará cada vez mais para cada um de nós uma forma de exclusão, já que a desigualdade face ao saber científico terá consequências na desigualdade em termos de ter e de poder.
Dito isto queria saudar três acontecimentos positivos que, de forma diversa, representam um estímulo ao desenvolvimento de uma cultura cientifica, e que são a atribuição do Prémio Príncipe das Astúrias ao neurologista português António Damásio, o facto da nova Fundação Champalimaud se propor dedicar 500 milhões de euros à investigação científica pretendendo contribuir para o tratamento das doenças de Alzheimer, Parkinson e enfermidades visuais, e o anúncio feito por José Sócrates no Parlamento da aposta na reciclagem dos professores de matemática.
A atribuição do Prémio Príncipe das Astúrias de Investigação Científica e Técnica 2005 a António Damásio no valor de 50 mil euros, por unanimidade, entre 58 candidaturas, é um convite a lermos os seus livros de divulgação científica de forma a termos uma visão mais actualizada da influência das áreas cerebrais em dimensões fundamentais da nossa vida, da emoção e dos sentimentos, à linguagem e à memória É, sobretudo, mais um estímulo à investigação científica, como o é a já referida iniciativa da nova Fundação Champalimaud.
Terá, decerto, efeitos a mais longo prazo a anunciada aposta do governo na formação contínua dos docentes para melhorar o ensino da matemática. Sendo por formação de cultura literária, estou até hoje convencido que outras poderiam ter sido as minhas opções se tivesse tido outro ensino da matemática. Não esqueço também a forma como tive de decorar as correntes induzidas na física, com a sensação de que estava a passar ao lado de uma matéria interessante, e como mais tarde descobri as maravilhas da física das pequenas partículas numa exposição de divulgação no Instituto Superior Técnico, organizada em colaboração com o CERN. Quero com isto dizer que só docentes que não só dominem as matérias, mas que estejam maravilhados com o que ensinam podem despertar o interesse dos alunos, como aconteceu comigo com professores de história, filosofia, língua e literatura portuguesa, alguns ramos do direito e mais recentemente da sociologia.
As nossas opções ao longo da vida vão limitando as nossas possibilidades de escolha, não é a meio da vida que temos oportunidade de mudar radicalmente de caminho, mas todos nós temos possibilidade e diria mesmo somos desafiados a adquirir novas competências.
Duas breves sugestões práticas: que tal incluir livros de António Damásio ou João Lobo Antunes nos nossos livros de Verão e procurarmos descobrir as potencialidades que não sabemos ainda utilizar dos equipamentos que adquirimos dos telemóveis aos computadores?
É evidente que aos matemáticos, físicos ou outros cientistas recomendo que incluam escritores e poetas, incluindo clássicos como a Odisseia, a Bíblia, Os Lusíadas ou D. Quixote nos seus livros de Verão. Estou certo que virão a ser melhores cientistas.
O desenvolvimento do país exige que estejamos dispostos a aprender em áreas do conhecimento que não são aquelas em que fomos formados. Temos muitos défices culturais, mas neste momento o mais grave, porque é o mais generalizado, é “ciência-exclusão”. Temos de nos dispormos a dar determinados passos para a ultrapassar. Há tanta coisa maravilhosa para descobrir se nos dispusermos a ser levados pela curiosidade e pela vontade de saber.