domingo, maio 29, 2005

O QUE FAZ CORRER ANTÓNIO GUTERRES?

A escolha de António Guterres para Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados não deve ser vista apenas como um motivo de satisfação pela visibilidade e responsabilidade que confere a um destacado cidadão português no sistema das Nações Unidas. É a escolha do homem certo para o lugar certo.
António Guterres não é apenas um cidadão altamente qualificado e inteligente, com grande experiência internacional, que lhe merecera já ser escolhido como Presidente da Internacional Socialista, com uma enorme facilidade para aprender línguas (não esqueço a surpresa dos presentes quando numa visita a Benguela começou por falar em umbundo), é primeiro que tudo alguém para quem as pessoas estão em primeiro lugar.
Numa entrevista dada ao último número do Courrier Internacional, afirmou a propósito do cargo para que foi designado que "tem tudo a ver com o sentido da minha vida". Não podemos deixar de concordar, a partir do que pensamos ser aquilo que o faz correr. Aliás, ele é um homem de acção que se bate por aquilo em que acredita e procura exercer funções em que o seu contributo possa ser útil. Todos vimos como se arriscou na conquista deste cargo para o qual se sente vocacionado, correndo o risco de o disputar com outras personalidades igualmente prestigiadas, em contraste com a forma elegante mas determinada como foi afastando as sugestões que foram sendo feitas para que se viesse a candidatar a Presidente da República.
Penso que a chave para perceber o que o faz correr deve ser procurada no facto de ser um cidadão que percebeu desde muito cedo a importância do empenhamento político para mudar o mundo e a vida, com a razão e o coração, mas ao mesmo tempo as razões éticas do seu empenhamento político radicarem na necessidade de combater as condições intoleráveis de vida que esmagam, destroem e oprimem tantos milhões de pessoas em todo o mundo.
Tendo partido da sua militância na Juventude Universitária Católica, sentiu sempre a necessidade de tentar ajudar a mudar a vida das pessoas e trabalhou em bairros de lata, tendo sido dirigente do CASU (Centro de Acção Social Universitária).
Uma vez, num discurso proferido numa importante reunião partidária, explicou que foi esta sua experiência social que o levou a dedicar-se à luta política como opção prioritária, afastando-se de uma carreira universitária.
Não se deslumbrou com o facto de ter exercido as funções políticas mais relevantes. Teve sempre, aliás, a consciência do carácter efémero de que se revestiam e a necessidade de deixar marcas sociais da governação socialista que perdurassem e fossem adquiridas como exigências futuras, que qualquer outro governo tivesse de respeitar. Foi o principal responsável por uma nova geração de políticas sociais, de uma nova sensibilidade às políticas de asilo e dos refugiados e para com os imigrantes e os portugueses ciganos, pela abertura do PS a cidadãos estrangeiros legalmente residentes em Portugal, pelo novo relevo dado à cooperação com os países africanos de língua portuguesa.
Gostaria ainda de sublinhar dois aspectos. O primeiro a coragem das convicções. Interrogado na televisão na primeira campanha eleitoral sobre se o rendimento mínimo garantido que se propunha criar era também destinado a imigrantes nas mesmas condições, não hesitou em responder afirmativamente. Eleito, agiu em conformidade.
Quando ficou liberto de funções governamentais, procurou voltar de imediato e de forma discreta ao empenhamento social. Com outro generoso companheiro, que conheceu nestas lides, ensinaram matemática a finalistas do ensino secundário de origem imigrante nas Varandas do Tejo, que deu lugar à antiga Quinta do Mocho, estando actualmente a fazê-lo na Damaia.
António Guterres era também desde há muito tempo sensível à situação dos refugiados, tendo sido um dos membros fundadores do CPR (Conselho Português para os Refugiados) em 1991.
Agora os desafios são outros e do tamanho do imenso sofrimento de milhões de refugiados e deslocados em todo o mundo.
Para cuidar da situação das cerca de 17 milhões de pessoas a que o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) presta assistência, vai contar com 6 mil funcionários espalhados por 115 países.
A gravidade de situações de emergência humanitária no Sudão (Darfur), a República Democrática do Congo, a Colômbia, o Afeganistão ou o Iraque exigem, muito mais do que os recursos de que possa dispor. Vão ser necessários: uma dedicação apaixonada, o estudo dos problemas, coragem, lucidez, experiência internacional, capacidade de mediação internacional. Estou certo que tudo isto podemos esperar de António Guterres. O que está em causa para ele não é apenas desempenhar com competência e eficácia as funções que lhe vão ser confiadas, é o próprio sentido da sua vida.

domingo, maio 22, 2005

AS CRIANÇAS TÊM DIREITOS

A sociedade portuguesa tem vindo a tomar consciência dolorosamente das violências que tem permitido silenciosamente, por desatenção e omissão, que sejam infligidas a milhares de crianças anos após anos.
Foi primeiro a tomada de consciência dos crimes pedófilos que ninguém via e que de repente se começaram a tornar visíveis, a provocar indignações e processos.
Nos últimos meses surgiram outro tipo de situações em que familiares próximos foram constituídos arguidos acusados de terem assassinado os seus filhos. Tudo isto é difícil de olhar de frente.
Todos fomos educados na defesa dos direitos dos pais relativamente à educação e ao cuidar dos filhos e custa admitir que algumas famílias podem ser um perigo para as crianças, ao ponto de as poderem inclusive assassinar. Os dados divulgados pelo Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco devem inquietar-nos. Nos últimos cinco anos 14 mil menores sofreram situações de abandono e negligência da parte dos pais. Verificaram-se mais casos de negligência, de maus tratos físicos e psicológicos, de abandono escolar, que deram origem a um maior número de processos. Foram também registados casos de prostituição infantil e de pornografia infantil, consumo de estupefacientes e consumos excessivos de álcool, abuso sexual e exposição a comportamentos desviantes.
Não creio que possamos saber com rigor se tratou-se de um efectivo agravamento da situação, de um melhor funcionamento dos sistemas de protecção de crianças e jovens em risco, ou de uma maior abertura a enfrentar a realidade por parte da sociedade e da comunicação social.
Tudo isto exige respostas de proximidade, a intervenção dos técnicos, dos curadores de menores, mas essas intervenções parcelares deveriam inserir-se numa política inovadora para as famílias, que tem que enfrentar os desafios provocados pela maternidade precoce, pelo empobrecimento e sobreendividamento crescentes, pelas famílias monoparentais por opção ou por abandono de um dos seus membros.
Continuamos, contudo, desatentos a outras violências, por vezes subtis, cometidas sobre crianças pelo facto de estarem em situação irregular no país. É certo que se criou um registo para estas crianças junto ao ACIME (Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas) para que dessa forma possam ter acesso à escola e à saúde. Mas faz sentido que crianças nascidas em Portugal, filhas de imigrantes em situação irregular, continuem a nascer ilegais, enquanto em Espanha em situação idêntica nascem, e bem, espanholas. O acesso à escola de toda e qualquer criança com ou sem registo é, aliás, um imperativo legal resultante da aplicação da Convenção sobre os Direitos das Crianças das Nações Unidas, há muito ratificada por Portugal, e qualquer obstáculo constitui uma ilegalidade e deve ser alvo de denúncia e sanção.
Não haverá crianças em Portugal sem estarem inscritas no Registo Civil, sem que o seu direito ao nome e a adquirir uma nacionalidade esteja assegurado?
Outro dado que nos deve fazer reflectir é o número de crianças, vítimas de abandono e de maus tratos na família, que já cometeram crimes. Segundo dados publicados na imprensa 1500 crianças com idades inferiores a 16 anos já cometeram crimes.
Tudo isto exige políticas activas de educação sexual e de planeamento familiar. O número de crianças que se tornaram mães precoces e pais ausentes é a constatação de que até hoje os esforços de muitas associações que têm trabalhado nesta área não conseguiram um grau razoável de eficácia. Há que apoiar mais e complementar por parte das instituições públicas a sua acção. Ninguém ignora que uma maternidade inesperada de uma jovem com escassos rendimentos significa, na maioria dos casos, um destino de baixo nível de qualificações profissionais, precariedade de emprego e pobreza. Cuidar das crianças, de todas as crianças que vivem em Portugal, independentemente da sua origem, de serem ou não portuguesas, assegurar a efectividade dos direitos que lhes são reconhecidas na Convenção sobre os Direitos das Crianças das Nações Unidas tem de ser uma prioridade nacional, do Estado e dos cidadãos. É, além disso, o melhor investimento que se pode fazer num futuro de justiça e segurança para todos.

domingo, maio 15, 2005

LISBOA - ORGANIZAR A SOLIDARIEDADE

Lisboa é uma cidade marcada pela desigualdade de oportunidades, pela pobreza e pela exclusão social de um número crescente dos seus habitantes.
É desde logo uma cidade de contrastes intoleráveis. O índice do poder de compra é mais do que o dobro da média nacional e 2/3 superior ao da Região de Lisboa, porém um número elevado dos seus cidadãos vive sem ter condições para ver satisfeitas as suas necessidades mais básicas.
Manuel Maria Carrilho, na sua construção de um projecto alternativo para a governação da cidade, deu por isso, naturalmente, um papel de relevo à necessidade de pensar a intolerável situação existente para desenhar políticas que permitam construir uma Lisboa solidária. Tendo tido oportunidade de contribuir com algumas reflexões para uma das várias sessões que Manuel Maria Carrilho tem organizado e que envolvem mais de meio milhar de participantes, aqui deixo um breve resumo das preocupações que tenho manifestado sobre o papel dos municípios na criação de condições que assegurem a todos os seus residentes a inclusão e a cidadania.
O número de pessoas vítimas da pobreza e de diferentes formas de exclusão tem vindo a aumentar com o desemprego e a precaridade das relações de trabalho.
As pessoas com que nos cruzamos nas ruas são apenas a parte visível do icebergue da pobreza e da exclusão, que esconde milhares e milhares de pessoas a viver muito mal, idosos, crianças e mulheres que se encontram por de trás das janelas em habitações degradadas. Não podemos aceitar que assim continue a ser.
Queremos uma cidade que respeite todos os seus habitantes, que seja coesa e solidária, que inclua os excluídos. A governação de Lisboa tem de desenvolver políticas de inclusão dos grupos mais vulneráveis como os idosos, os imigrantes, os sem abrigo, os que vivem da prostituição e da mendicidade, não descurando respostas para as situações de pobreza tradicional.
Não ignoramos, a importância da solidariedade individual e consideramos imprescindível a acção das organizações não-governamentais, das inúmeras associações e instituições de solidariedade social, que se ocupam de cidadãos vítimas de alguns dos novos e velhos riscos sociais, mas nada substitui a responsabilidade da governação de Lisboa nesta matéria.
Na cidade existem milhares de associações do mais diverso tipo registadas no Governo Civil, muitas das quais prosseguem finalidades sociais relevantes, porventura sobrepostas e concorrentes, mas o cidadão que carece de apoio ignora a maior parte das vezes a quem se dirigir.
Uma nova atitude a nível da governação municipal que tenha por ambição contribuir para criar uma Lisboa solidária tem de fazer mais do que manter os programas que foram sendo criados pelas diferentes gestões municipais.
Tem desde logo de proceder a um Diagnóstico Social participado, procedendo a uma identificação quantitativa e qualitativa dos diferentes riscos sociais, identificando as áreas geográficas de maior incidência. Nesta matéria não se pode prescindir nem da colaboração das universidades, nem da dos militantes sociais empenhados no combate a muitos destes riscos sociais, quer para elaborar o diagnóstico, quer para dar resposta aos problemas identificados através da realização de Planos de Desenvolvimento Social a nível concelhio.
Uma das preocupações de uma nova governação de Lisboa terá de ser fomentar uma cobertura racional e equitativa de equipamentos sociais e serviços. Isso só será possível se a Câmara Municipal sob a liderança do seu Presidente promover a criação de uma verdadeira Rede Social, que permita a actuação voluntariamente concertada entre a Câmara e, nomeadamente, as grandes instituições existentes a nível da cidade, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a Caritas Diocesana, os Centros Paroquiais e a Cruz Vermelha Portuguesa.
Nada disto exclui a colaboração e o apoio diversificado que a Câmara Municipal, directamente ou em colaboração com as Juntas de Freguesia, pode e deve dar às diferentes associações, como, por exemplo, as associações de imigrantes.
A Câmara deve, além disso, exprimir efectivamente a prioridade que atribui à solidariedade, através da orçamentação dos recursos adequados e tornando mais transparente qual é o orçamento da solidariedade.
A Câmara Municipal para ser eficaz na construção de uma Lisboa solidária terá também de se articular melhor com o Governo e com os organismos da administração central instalados na sua área. Não faz sentido que venha a ser implantado qualquer novo equipamento social por iniciativa do Governo sem que haja sobre essa matéria uma prévia concertação com o município.
As políticas sociais a prosseguir pelo município têm de tornar possível detectar e promover os encaminhamentos adequados às situações e problemas dos indivíduos, o que nem sempre é fácil.
Muitos de nós têm a experiência de que há soluções que não funcionam quando temos situações de pessoas em concreto para resolver, por inadequada e pouco clara repartição de competências entre as diversas instituições, gerando-se autênticos jogos de empurra em que ninguém assume a responsabilidade pela resolução do problema.
Mas promover o encaminhamento adequado é também ter como critério na escolha das respostas que se deve privilegiar aquelas que garantam mais autonomia pessoal e empenhamento dos cidadãos na ultrapassagem das situações de vulnerabilidade, pobreza ou de exclusão em que se encontram.

domingo, maio 08, 2005

SÃO NECESSÁRIAS NOVAS POLÍTICAS SOCIAIS

Na primeira das Conferências de Maio do CRC (Centro de Reflexão Cristã) deste ano, dedicadas à "Boa Nova na Cidade Moderna", que teve como tema "A Presença dos Cristãos na Cidade", a intervenção de Graça Franco tocou-me particularmente por atingir uma ferida que não cicatriza, a incomodidade que sinto perante o aumento das pessoas que vivem com enormes dificuldades e das quais muitas delas recorrem à esmola para sobreviver.
Graça Franco partiu de uma crónica sua intitulada "Rua Ivens, porta sim!", publicada no Público, no passado dia 21 de Março de 2005, na qual começa por falar de uma mulher sem abrigo da Rua Ivens para referir, nomeadamente, que"...ao contrário do que afirmava há um ano (...) sobre os números da pobreza em Portugal, de facto já não os encontramos na baixa "porta sim porta não". Agora estão" porta sim, porta sim".
Quem anda nas ruas e utiliza os transportes colectivos é permanentemente confrontado com pessoas a pedir esmola, entre tons que vão da súplica a uma agressividade contida, mas evidente. Existe um número crescente de sem abrigo, dos quais desviamos o olhar por já não saber o que fazer. Há linhas de Metro em que é fatal encontrar invisuais a pedir esmola. Nalgumas ruas e praças cruzamo-nos com outros que exibem outras deficiências. Há pessoas que custa olhar face a face pela imagem de abandono e doença que transmitem. Mendigos vindos de longe, muitos deles da Roménia, ocupam esquinas, mulheres com crianças que se humilham pedindo esmola, enquanto por trás se encontram homens invisíveis.
Numa cidade como Lisboa, a mais envelhecida das cidades capitais europeias, a pobreza e solidão de muitos idosos, muitos deles mal alojados e empobrecidos começa a manifestar-se de forma mais aberta. É crescente o número de mulheres idosas que começam a pedir esmola. Tudo isto é apenas a parte visível do icebergue da pobreza e exclusão, que o aumento do desemprego e do sobreendividamento tendem a agravar.
Há inúmeros casais jovens, mas também muitas famílias que se tornaram monoparentais, muitas mulheres com filhos crianças a braços com o pagamento dos empréstimos para a compra de casas. São pessoas a quem foi concedido crédito com muita facilidade, mas às quais são pedidos agora sacrifícios inumanos para tentarem não perder as casas constituídas em hipoteca dos empréstimos que contraíram. Pagam por mês aos bancos praticamente o que ganham e vivem de empréstimos de familiares e amigos ou imigram para o Reino Unido, para trabalhar duramente nas limpezas ou na indústria, para procurarem pagar dessa forma as suas dívidas.
A sociedade portuguesa é ainda uma sociedade previdência e há formas informais de solidariedade que têm atenuado situações de escassez de rendimentos, mas são cada vez menos os que podem e querem ajudar. O prolongamento da crise fecha as pessoas sobre si mesmas e reduz a sua disponibilidade para o fazer.
Podíamos continuar a falar daquilo que vamos conhecendo todos os dias. É preciso perceber que há muitas pessoas a passar mal.
Não nos podemos habituar ou resignar à manutenção destas situações. É imprescindível e insubstituível o contributo que muitas instituições particulares de solidariedade social e muitas organizações não governamentais dão para minorar estas situações e responder com humanidade e proximidade às angústias e às carências mais prementes.
É necessário desenhar e executar uma nova geração de políticas sociais que mobilizem, sempre que possível, os excluídos como agentes da sua própria inclusão social. O Governo anunciou um conjunto delas no seu Programa e estou certo que tudo fará para honrar os seus compromissos.
As câmaras municipais pela sua proximidade às situações têm de ser os nós de uma rede nacional de integração social. É por isso que é importante saber o que pensam os autarcas destes problemas, que lugar lhes atribuem nos programas de governo municipal
Dinamizar a economia e criar empregos são, decerto, prioridades a prosseguir a nível nacional e municipal, mas isso não dispensa a necessidade urgente de concretizar uma nova geração de políticas sociais. Precisamos de políticas municipais que visem tornar as cidades não só mais competitivas, mas também mais solidárias e cosmopolitas.
Face ao agravar das condições de vida de tanta gente, é necessário a solidariedade individual, a acção das organizações não-governamentais, mas são também imprescindíveis novas políticas sociais, que através da articulação de medidas do Estado e das autarquias, criem uma rede que assegure a todos os excluídos a inclusão e a cidadania.

domingo, maio 01, 2005

(ALGUNS) CIDADÃOS ESTRANGEIROS PODEM PARTICIPAR NAS ELEIÇÕES LOCAIS

A Constituição da República Portuguesa criou condições para que (alguns) cidadãos estrangeiros possam participar nas eleições locais ao estabelecer no n.º4 do art. 15.º que: "A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral activa e passiva para titulares dos órgãos das autarquias locais."
A exigência de reciprocidade teve na sua génese a ideia de que sendo Portugal tradicionalmente um País de Emigração, com cerca de quatro milhões e meio de portugueses espalhados pelo Mundo, ao tornar-se um País de Imigração, e numa matéria que releva do exercício de direitos políticos a nível local, não devia deixar de procurar pressionar os países de origem dos imigrantes que acolhemos para que reconheçam direitos idênticos aos portugueses.
Só que ao fazê-lo está a prejudicar cidadãos que não têm culpa dessa posição do seu país de origem, que podem inclusive discordar dela, mas está sobretudo numa questão desta relevância a colocar-se nas mãos de Estados estrangeiros.
Ora a participação dos cidadãos estrangeiros é um acto de justiça para com cidadãos que não só contribuem com o seu trabalho para o progresso de Portugal, mas contribuem ainda com os impostos que pagam e com os descontos para segurança social, permitindo-lhes que como vizinhos interessados participem dos órgãos que mais próximos estão da sua vida quotidiana. O exercício deste direito se é do interesse dos estrangeiros, reveste-se de grande interesse para o Estado de acolhimento já que o seu exercício representa um laço acrescido de lealdade para com o país de acolhimento e de criação de mais coesão e solidariedade para com os cidadãos nacionais com quem vivem mais de perto. É, por isso, desejável que essa exigência de reciprocidade seja abolida numa futura revisão ordinária da Constituição. O que deve ser invocado para fazer avançar os direitos dos emigrantes portugueses é a exemplaridade da atitude assumida pelo Estado português de eliminar essa exigência.
Ora indo realizar-se este ano eleições locais há que estimular o recenseamento e a participação dos cidadãos estrangeiros que o podem fazer.
A inscrição no recenseamento eleitoral é contínua, suspendendo-se no 60º dia anterior à eleição autárquica.
Podem recensear-se cidadãos de todos os Estados-Membros da União Europeia, de Cabo Verde e do Brasil, cidadãos da Argentina, Chile, Israel, Noruega, Peru, Uruguai e da Venezuela. Nas eleições anteriores podiam também recensear-se os cidadãos da Estónia. Não há dúvida que continuam a poder, mas afigura-se-me que o mesmo direito deverá ser reconhecido aos cidadãos de todos os dez Estados que se juntaram aos quinze que anteriormente constituíam a União Europeia. Estou certo que Secretariado Técnico do Processo Eleitoral (STAPE) não deixará de fazer uma campanha de informação como o fez antes de 2001, em colaboração e por solicitação, então, do ACIME.
Voltaremos a esta matéria pela importância de que se reveste, mas deixamos já aqui outras indicações práticas.
Têm direito de voto nas eleições autárquicas os cidadãos estrangeiros das nacionalidades, já referidas, que completem 18 anos até ao dia das eleições e efectuem a sua inscrição no recenseamento eleitoral até 55 dias antes do acto eleitoral.
Os cidadãos de Cabo Verde e do Brasil têm de ter autorização de residência há mais de dois anos. Os cidadãos dos restantes países que não são Estados Membros da União Europeia têm de ter autorização de residência há mais de três anos.
Os cidadãos para se recensearem devem dirigem-se à Comissão Recenseadora que funciona nas Juntas de Freguesia da área da sua residência e apresentar os seguintes documentos: autorização de residência; documento emitido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), comprovativo do tempo de residência, se o tempo de residência não constar da autorização de residência. Estes são, pelo menos, os documentos que têm sido exigidos.
O exercício deste direito é um passo no sentido de uma plena cidadania a nível autárquico de que (alguns) cidadãos estrangeiros já gozam. Faço votos para que o exerçam porque custou muito a conquistar e através desse exercício podem criar-se condições para conquistar direitos políticos mais alargados para cidadãos estrangeiros. Os cidadãos recenseados terão a possibilidade de optar pelos programas e candidatos que apresentem propostas que lhes pareçam mais adequadas para resolver os problemas e assegurar um viver com qualidade para todos os cidadãos sem discriminações. Estou certo que o farão. Faço votos para que os diferentes partidos concorrentes às eleições locais tenham em conta os problemas, as aspirações e as esperanças destes cidadãos e lhes assegurem uma participação equitativa nas suas listas. Ter a preocupação de assegurar a participação dos imigrantes que, entretanto, se naturalizaram como portugueses seria também um bom sinal da vontade de construirmos uma Nação cosmopolita e de criarmos maior solidariedade e coesão entre todos os cidadãos.