domingo, julho 10, 2005

ECUMENISMO E BOMBAS

Na passada quarta-feira tive a honra de moderar no Centro Cultural de Cascais um debate em que estavam em causa os fundamentalismos religiosos em contraposição com uma lógica de respeito entre as diferentes expressões religiosas. Intervieram Esther Mucznik, uma das principais dirigentes da Comunidade Israelita de Lisboa e o xeque David Munir, imã da Mesquita de Lisboa, que tiveram intervenções esclarecedoras, promotoras do diálogo e do respeito entre todos os seres humanos. Perante uma numerosa e interessada assistência foi possível constatar os progressos que têm sido feitos entre nós em matéria de liberdade religiosa e de diálogo inter-religioso. Ainda recentemente tive oportunidade de falar desta vantagem competitiva que representa para Lisboa ser uma cidade ecuménica, em que convivem cristãos, muçulmanos, hindus, outras diversas expressões religiosas, pessoas agnósticas ou sem qualquer religião, nas Jornadas “Um Projecto para Lisboa”, promovidas por Manuel Maria Carrilho.
No dia seguinte todos fomos surpreendidos por mais um ignóbil atentado, que se traduziu numa sucessão de explosões em Londres, que invoca o Islão, mas que ao fazê-lo me lembra sempre aquele ensinamento que aprendi na catequese de que é pecado grave invocar o Santo Nome de Deus em vão.
Todos sabemos que ao longo da história houve pessoas que se afirmavam crentes e que entenderam poder cometer assassínios em nome de Deus.
Se há um consenso básico essencial que temos hoje de exigir a todos os seres humanos crentes ou não crentes é que invocar Deus para cometer crimes é um acto de impiedade e um ultraje ao Criador, qualquer que seja o nome que lhe demos.
Temos por outro lado que ter orgulho nas sociedade que estamos a construir em que a separação das diferentes confissões religiosas do Estado, pode ir a par com a cooperação na defesa e promoção da paz e na defesa dos direitos humanos.
Temos que analisar o que tem permitido o desenvolvimento de um saudável respeito e cooperação entre todas as principais confissões religiosas em Portugal depois do 25 de Abril e, ao mesmo tempo, tentar perceber o que o pode ameaçar para o impedir. Todos reconhecem a importância positiva que têm tido os líderes das diferentes comunidades religiosas na criação desta clima, mas, ao mesmo tempo, devemos continuar a criar redes de cooperação e instituições que assegurem que assim continue a ser, independentemente das convicções dos líderes. Não que possamos ignorar o factor humano. Há pessoas que de forma discreta, contribuem para este clima positivo. Esther Mucznik referiu uma delas o padre católico Peter Stilwell, mas sendo o respeito entre todos os seres humanos uma conquista sempre frágil e ameaçada pela banalidade do mal, vale a pena estudar a melhor forma de reforçar esse respeito, mesmo em momentos de desvario colectivo.
O ecumenismo e a tolerância é comparável ao que o grande poeta Jorge de Sena chamou "Uma pequenina luz" no seu livro de poemas Fidelidade, que tive o privilégio de ouvir recitar pelo próprio poeta, em 8 de Fevereiro de 1969 na. Associação Académica de Coimbra. Termina assim o poema: "...Uma pequenina luz bruxuleante e muda/como a exactidão como a firmeza/como a justiça./Apenas como elas./Mas brilha./Não na distância. Aqui./no meio de nós./Brilha”.
Temos de a proteger promovendo o conhecimento mútuo, o respeito e a cooperação entre todos os seres humanos, a liberdade religiosa e o diálogo inter-religioso, isolando os intolerantes, os xenófobos, os racistas, estando vigilantes a tentativas de infiltração de elementos radicais, aperfeiçoando os mecanismos de prevenção e combate ao terrorismo, e assegurando a maior eficácia possível dos serviços de informação.
Apesar de tudo isso não há garantias de que um atentado do tipo dos que se verificaram em Madrid ou em Londres não possa ocorrer em qualquer outro país europeu. Os nossos governos tudo farão para o evitar, mas há uma coisa que só cada um de nós poderá fazer, recusar haja o que houver, que o ódio, o medo e o mal levem a melhor e nos tornem as almas mais pequenas. É este o combate decisivo entre a democracia e os assassinos de cidadãos anónimos, que só se vence se não desistirmos de viver com serenidade seguindo o exemplo dos cidadãos londrinos.

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