domingo, fevereiro 19, 2006

SOMOS PORTUGUESES

Portugal é um país que envelhece. É duro reconhecê-lo, mas uma das sensações mais vivas que sente um estrangeiro que vem da América Latina ou de África, quando desembarca em Lisboa é a de que está numa linda cidade de idosos.
A quebra demográfica, a diminuição da população e o seu envelhecimento seriam mais evidentes se não fosse a vinda dos que foram designados por retornados, dos emigrantes portugueses, que regressaram, sobretudo, no princípio da década de setenta do século passado, e dos milhares de imigrantes e seus filhos, que nos têm acrescentado.
Todos sabemos que a imigração não pode ser a solução para a quebra demográfica, mas é um elemento incontornável de uma resposta a esse desafio.
O facto de quatro quintos dos deputados terem aprovado e aplaudido a nova lei da nacionalidade, que reforçou o ius soli como critério da atribuição da nacionalidade, é um acto que honra Portugal. Os partidos que a aprovaram, PS, PSD e PCP, merecem aplauso pelo facto. É também positivo que nenhum dos restantes partidos, BE e CDS/PP, tivesse votado contra. É importante que uma lei desta relevância tenha tido um apoio tão alargado. Estes partidos que têm, decerto, algumas diferenças de entendimento souberam convergir no essencial e introduziram alterações equilibradas na lei anterior que são positivas e são fiéis à melhor tradição nacional nesta matéria.
Gostaria de saudar algumas das inovações introduzidas por esta lei. Desde logo no que se refere à aquisição originária da nacionalidade portuguesa. Passam a ser portugueses de origem os indivíduos nascidos em território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento. São também portugueses de origem os indivíduos nascidos em território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respectivo Estado, se declararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos 5 anos. Na lei anterior exigiam-se 6 anos.
A nacionalidade já podia ser adquirida em caso de casamento com cidadão português, passa agora também a poder ser adquirida por união de facto pelo estrangeiro que à data da declaração (de que a pretende adquirir) viva em união de facto com nacional português. O estrangeiro pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após a acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal civil.
Foi igualmente facilitada a aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização. Este artigo foi profundamente alterado embora mantendo o que nele era essencial O Governo passará a conceder a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos em território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos de conhecerem suficientemente a língua portuguesa, não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa, e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos 5 anos;
b) O menor aqui tenha concluído o primeiro ciclo do ensino básico.
Haverá outros aspectos a analisar, que não se compadecem com uma análise sumária, mas gostaria de sublinhar duas alterações, que considero positivas.
O Governo concede a naturalização com dispensa do requisito previsto de residirem legalmente em território português, há pelo menos 6 anos, aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido essa nacionalidade.
O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa de residirem legalmente em território português, há pelo menos 6 anos, a indivíduos nascidos em território português, filhos de estrangeiros, que aqui tenham permanecido habitualmente nos 10 anos imediatamente anteriores ao pedido.
É também de referir o facto de que as alterações introduzidas pelo presente diploma em matéria de aquisição originária da nacionalidade se aplicam também aos indivíduos nascidos em território português, tal como está hoje definido na Constituição, antes da sua entrada em vigor.
Estas são algumas das inovações, que considero positivas, da nova lei. Faço votos para que a regulamentação da mesma permita agilizar a sua aplicação prática.
Para além da lei seria importante que a Assembleia da República se empenhasse em analisar e a propor respostas para a quebra demográfica e tivesse em conta que como refere Rui Pena Pires em ocanhoto.blogspot.com aqui “Portugal continua a ser, hoje, um país de emigração, tanto, ou mais, quanto de imigração”.
Mas hoje é dia para saudar a nova lei, que vai fazer justiça a muitos cidadãos cujos laços com a comunidade nacional são reconhecidos pela possibilidade que lhes é concedida de acederem à nacionalidade portuguesa e de lhes dizer fraternalmente “somos portugueses”.

domingo, fevereiro 12, 2006

UMA AGENDA PARA A LÍNGUA PORTUGUESA

Durante a recente campanha presidencial Manuel Alegre e posteriormente outros candidatos referiram-se à necessidade de promover a projecção internacional da Língua Portuguesa.
Estou certo que esta é uma preocupação comum a milhões de falantes de português, mas muitas vezes sentimos que toda esta vontade não é canalizada para uma agenda que faça avançar a projecção e a utilização da Língua Portuguesa a nível mundial.
Para ser mais claro, há muitas preocupações retóricas, mas poucas acções que sejam aplicadas com determinação em função de uma agenda política claramente definida e prosseguida com determinação. Seria necessário um pouco da determinação política de que deu provas o Marquês de Pombal nesta matéria. É uma área totalmente transversal à actuação dos diferentes Ministérios, mas na qual a sociedade civil deve ter um papel fundamental a desempenhar. Espero que o novo movimento cívico “Intervenção e Cidadania” a insira nas suas prioridades de acção.
Há que reconhecer que muito está a ser feito de forma discreta pelo actual Governo em diversas áreas da sua actuação, mas penso que devia ser assumida como um desígnio estratégico.
O ensaísta e economista francês Alain Minc afirmou há alguns anos, que Portugal era um pequeno País, mas uma grande potência linguística e que a França era um grande País, mas uma pequena potência linguística. O que fazia a diferença eram os milhões de falantes de português do Brasil.
Como escreveu Manuel Alegre, Portugal entre os países do mesmo peso demográfico, é um dos poucos que pode ser um actor global, porque tem uma História, uma língua, uma cultura.
Tudo isto é verdade, mas pese embora o acontecimento que foi a publicação do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa em colaboração com a Editorial Verbo, em 2001, temos de reconhecer o que devemos aos brasileiros em matéria de dicionários da Língua Portuguesa. A Língua Portuguesa é propriedade de todos os seus falantes e não apenas dos portugueses.
Temos que privilegiar áreas de inovação como, por exemplo, a tradução automática com qualidade de e para português de todas as línguas dos Estados que já fazem parte ou venham a fazer parte da União Europeia.
A colaboração com Bill Gates, recentemente anunciada pelo Governo, pode ser muito útil em várias áreas relacionadas com as novas tecnologias da informação e é muito positivo o facto de se estar a trabalhar na criação de computadores que reconheçam as palavras ditas em Língua Portuguesa.
Mas qualquer agenda para a Língua Portuguesa tem de assentar na qualidade do ensino da Língua Portuguesa ao nível da Escola, desde o pré-escolar até ao 12º ano. Como tive o privilégio de ter tido dois excelentes professores de Português no Liceu Nacional de Viseu, o professor Simões Gomes e o professor Osório Mateus, não posso deixar de manifestar o meu apoio à petição “Pela Dignificação do Ensino”, apresentada pela professora Maria do Carmo Vieira (http://www.petitiononline.com/mercurio/) Considero que a Literatura é essencial para um ensino de qualidade da Língua Portuguesa.
Gostaria de acrescentar que nada disto é contraditório com o esforço que está ser feito para o ensino do Inglês pela actual Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, em minha opinião, uma excelente Ministra da Educação.
Considero também fundamental que a Língua Portuguesa se torne cada vez mais uma língua de trabalho a nível do maior número de organizações internacionais. Não resisto a contar uma pequena história, por ser significativa da pouca ousadia de alguma diplomacia portuguesa, que há que ultrapassar. Quando em 2001 intervim na Conferência Mundial Sobre Racismo na África do Sul, em representação de Portugal, foi-me dito pelos nossos diplomatas que o deveria fazer em inglês ou em francês, mas não em português Felizmente antes de mim falou o Presidente Pedro Pires, de Cabo Verde, em Português e só depois disso é que concordaram que falasse em Português, tendo-se improvisado a sua tradução simultânea. Escusado será dizer que Brasil, Cabo Verde e a CPLP falaram em Português.
Não ignoro que a consagração do Português como língua de trabalho custa dinheiro e haverá que repartir os custos, o que é mais uma razão para a unificação ortográfica da Língua Portuguesa.
É preciso coragem para combater a inércia e as visões de curto prazo, mas a entrada em vigor do Acordo Ortográfico, já ratificado pelos parlamentos de Portugal e do Brasil, é uma necessidade incontornável para a afirmação do Português a nível internacional.
Espero que José Sócrates se inspire nesta matéria no exemplo de determinação e visão larga do Marquês de Pombal.

domingo, fevereiro 05, 2006

DEUS E A CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO MAIS JUSTO E FRATERNO

Num mundo em que o nome de Deus é muitas vezes invocado em vão para justificar os fundamentalismos, os preconceitos, a intolerância, o ódio e a violência, é útil centrarmo-nos em dois textos cristãos que são susceptíveis de nos inspirar no compromisso por melhores relações interpessoais e pela construção de um mundo mais justo e mais fraterno.
Refiro-me à encíclica do Papa Bento XVI significativamente intitulada “Deus é Amor” (Deus caritas est) e a reedição, pelo CRC, da Constituição Pastoral da Igreja no Mundo Contemporâneo “Gaudium et Spes” do Concílio Vaticano II, quarenta anos após a sua publicação. Refira-se que esta reedição é enriquecida com uma excelente introdução de D. Carlos A. Moreira Azevedo, Bispo auxiliar de Lisboa, que nos dá pistas para “ Reler um documento inovador, na complexidade desta hora”.
A encíclica tem como objectivo recentrar no essencial a fé e a existência cristã: “Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem”.
O documento está dividido em duas partes Na primeira aprofunda alguns dados essenciais sobre “o amor que Deus oferece de modo misterioso e gratuito ao homem, juntamente com o nexo intrínseco daquele amor com a realidade do amor humano”. Na segunda parte trata da prática eclesial do amor ao próximo.
A justiça animada pelo que designa como caridade social está no centro da política.
A Igreja, nas palavras de Bento XVI, “não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política para realizar a sociedade mais justa possível (…). A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política. Mas toca à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem comum,”
É impossível reduzir as múltiplas pistas que abre a reflexão, conversão e acção em meia dúzia de palavras. Cada um deve confrontar-se individual e/ou comunitariamente com a encíclica, que pode ler, embora numa tradução de qualidade deficiente em http://www.ecclesia.pt/.
Gostaria também de chamar a atenção para a já referida reedição da “Gaudium et Spes”, pelo CRC, que é uma edição de grande beleza gráfica, com uma capa de Ana Oliveira Martins.
Trata-se do “documento mais inovador e mais amplo de horizontes do II Concílio do Vaticano”, como afirma no prefácio D. Carlos Azevedo, cuja leitura ou releitura “é essencial para despertar novos percursos”.
Vale a pena repetir as palavras com que a Igreja afirma a sua íntima solidariedade com toda a família humana: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo, e nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco no seu coração”.
D. Carlos Azevedo no seu prefácio afirma, a concluir: “Perante a realidade deste início de milénio, importará redefinir, redizer e reafirmar, reviver a responsabilidade de amar o mundo com a paixão de Cristo”.
Reveste-se por isso de grande significado o facto do CRC ter vindo a promover uma revisitação deste importante documento, através de uma série de sete colóquios e agora desta edição (vide http://www.centroreflexaocrista.blogspot.com/).
Temos que saber construir um mundo mais justo e mais fraterno a partir dos nossos próprios princípios matriciais, sejamos cristãos para quem estes textos podem ser uma boa fonte de inspiração, muçulmanos, judeus, agnósticos ou ateus.
Há uma só Terra e nela temos que aprender a viver juntos. Ninguém está a mais. Para isso é fundamental aprendermos a respeitar o outro, que faz parte da mesma família humana, no que ele tem, aos nossos olhos, de insólito, de livre e de diferente.
Para os cristãos é uma exigência de fé para quem crê que Deus é Amor mas, é também uma exigência racional para todos os homens e mulheres, que aceitam que todos os seres humanos devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.