domingo, abril 02, 2006

OS IMIGRANTES EM SITUAÇÃO IRREGULAR

A propósito da expulsão dos imigrantes portugueses do Canadá, os comentários tem oscilado entre a solidariedade, pura e simples, porque são portugueses e a justificação das razões de Estado do actual governo conservador daquele País, dizendo que nesta matéria os Estados são todos iguais, o que não é verdade. O mundo é, felizmente, composto de diferenças, Portugal não é igual ao Canadá nesta matéria. Quem o não sabe, há muito coisa que ignora.
Comecemos pelo princípio, o termo “imigração irregular” é normalmente utilizado para descrever uma série de fenómenos diferentes que envolvem pessoas que entram ou ficam num país do qual não são cidadãos, infringindo assim as leis nacionais, como refere o Relatório da Comissão Mundial Sobre As Migrações Internacionais, “As migrações num mundo interligado: Novas linhas de acção”, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian. No mesmo relatório refere-se que existe uma “controvérsia à volta da adequação destes conceitos, e concorda com o pressuposto de que um indivíduo não pode ser “irregular”ou “ilegal”, referindo-se, por isso, às pessoas em causa como “migrantes em situação irregular”. A referida Comissão na respectiva recomendação nº 15 afirma: “Os Estados devem resolver o problema dos imigrantes em situação irregular através do seu regresso ou regularização”.
Retenhamos duas ideias, a imigração irregular designa fenómenos diferentes, que acrescento são susceptíveis de ter avaliação diferenciada, e que podem ter também soluções diferentes. Para ser mais claro, nas controvérsias recentes sobre a “imigração irregular”estou com os liberais no Canadá e contra os conservadores e com os milhões de manifestantes nos Estados Unidos contra a nova política de imigração de George W. Bush.
Dito isto, devo acrescentar que não existe o direito a emigrar para este ou aquele Estado e que os Estados têm o direito de admitir ou não a entrada e permanência de cidadãos que não sejam seus nacionais e de os convidar a sair ou de os expulsar. Portugal todos os anos recusa entradas e expulsa imigrantes em situação irregular ou a quem tenha sido aplicada uma pena acessória de expulsão em processo penal.
Considero, além disso, positivo que no Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, os Estados continuem a manter o direito de definir quem admitem ou não no seu território.
Acontece que sendo o que acabei de referir factos incontroversos, há Estados, que estão a procurar avançar no respeito dos direitos humanos, mesmo dos imigrantes em situação irregular, como é o caso de Portugal, em que, inclusive na sua actual lei de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros, tão justamente criticada por ser restritiva, admite que há categorias de estrangeiros inexpulsáveis, quando estão em causa valores e direitos como a vida familiar, bem como estrangeiros que devem ter acesso a uma autorização de residência, com dispensa de visto e permite a regularização de menores nascidos em Portugal.
É um sinal de progresso, os Estados auto-limitarem-se em matéria de admissão e expulsão de estrangeiros. Em 1997 Patrick Weil referiu, como exemplo das limitações que as democracias liberais aceitaram “uma regra não escrita que se tornou um direito: quando um estrangeiro adquiriu por renovação sucessiva do seu título de estadia uma residência estável num Estado democrático, este não o pode constranger, mesmo se a conjuntura económica mudou, a tornar a partir contra a sua vontade.” (vide, Mission d’étude des legislations de la nationalité et de l’immmigratin, Paris, La documentation française).
A limitação do direito dos Estados de expulsarem cidadãos estrangeiros, mesmo que tenham cometido crimes tem vindo, também, a ser imposta aos Estados europeus por diversas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por respeito pelo disposto no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Foi este artigo juntamente com os artigos 33.º e 36.º da Constituição da República Portuguesa, que esteve na origem da criação, primeiro na jurisprudência e depois na legislação portuguesa, das categorias de estrangeiros inexpulsáveis. (vide, Luís Nunes de Almeida e José Leitão,” Les Droits et Libertes des Étrangers en Situation Irreguliére”, Annuaire Internationalle de Justice Constitucionelle, Economica, Presses Universitaires d’Aix-Marseille, 1998, pp.303-304).
Outro princípio não escrito, que muitos Estados europeus têm tido em conta na sua legislação, é por exemplo, que a existência de uma presença prolongada no território de um Estado, acompanhada, ou não, do cumprimento de obrigações de contribuir para os sistemas fiscal ou da segurança social, e a ausência de cadastro criminal, possa possibilitar, em certas situações, a regularização dos imigrantes que preenchem esses requisitos.
Existem assim, boas razões e bons princípios jurídicos, que justificam uma intervenção do Governo português e, designadamente do Ministro Freitas do Amaral, em defesa dos seus cidadãos, cujas situações tanto quanto se percebe pelas informações veiculadas pela comunicação social são diversas e devem merecer uma análise diferenciada.

Sem comentários: