domingo, setembro 24, 2006

COMPROMISSO PORTUGAL OU COMPROMISSO LIBERAL?

Durante a passada semana fomos bombardeados com declarações nas televisões, rádios e jornais de membros da plataforma denominada Compromisso Portugal. A designação é totalmente desajustada já que não se percebe o que tem a ver com as aspirações da grande maioria dos portugueses e de que forma a concretização das suas propostas contribuiria para reforçar o papel de Portugal na Europa e no Mundo. É, sem dúvida, um manifesto liberal emanado de um lóbi influente de mais de cinco centenas de economistas, quadros médios e superiores, empresários e gestores com articulações com o poder político. As suas propostas devem ser discutidas. Representam um sector de opinião, cuja intervenção deve ser saudada por propor soluções para os problemas do País, que devem ser discutidas e que mostram, uma vez mais, que a vontade de participação não é exclusiva da esquerda.
A sua intervenção contrasta com o silêncio de intervenção da esquerda democrática e socialista, que tem de ser rapidamente colmatado. Desde o histórico Congresso do PS em que se confrontaram as análises e propostas apresentadas por José Sócrates, Manuel Alegre e João Soares que a esquerda não apresenta perante o País as suas propostas de uma forma viva e incisiva. As eleições presidenciais não tinham essa vocação e a acção do Governo mesmo quando representa a execução de um programa de esquerda, não é, naturalmente, acompanhado da explicitação dos seus pressupostos ideológicos.
Da floresta de propostas detenhamo-nos em três. Uma delas consiste na “passagem de um modelo de Segurança Social de repartição para capitalização, complementado por uma pensão mínima suportada pelo OE”, o que envolve a criação de “um novo fundo de pensões por capitalização, de contribuição definida através de uma conta individual de cidadão” (vide “Jornal de Negócios”, 22/09/2006). Ora se é evidente que a Segurança Social necessita de uma profunda reforma para assegurar a sua viabilidade no futuro, é também claro que tem de assentar numa solidariedade intergeracional e que no caso de um modelo de capitalização puro e duro, como refere Nicolau Santos, “mais do que saber se serão suportáveis os seus custos, se caminhará para uma sociedade bem mais desigual, economista e cruel” (vide, A solidariedade é de esquerda? “Expresso”, 23/09/2006.
Outra proposta consiste na defesa da “flexibilização da lei laboral, permitindo a opção por um novo contrato de trabalho que estabeleça previamente condições para a rescisão pelo empregador, definindo a lei os limites mínimos para a indemnização”. Esta proposta ignora a desigualdade radical em que se encontra o trabalhador perante o empregador ao negociar um contrato de trabalho, que justificou a consagração constitucional do princípio da segurança no emprego. Ignora também que se entre nós o despedimento individual por causas subjectivas é rodeado de garantias, já o despedimento por causas objectivas, o despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, está extremamente facilitado, não assegurando, muitas vezes, o respeito pelo princípio constitucional da segurança no emprego.
Outra proposta de que discordamos é a da “redução de 150 a 200 mil funcionários públicos através da sua migração apoiada e socialmente equilibrada para a iniciativa privada”. É fundamental trabalhar para assegurar uma Administração mais eficiente, mais amiga dos cidadãos e do desenvolvimento económico, mas o problema não está em reduzir funcionários para quem considera, como nós, que o Estado deve assegurar as funções de soberania e as funções sociais, mas também ser um Estado estratega, capaz de harmonizar a esfera da economia, onde impera a competitividade, com a esfera social, onde tem de imperar a coesão, e com a esfera ambiental, onde a sustentabilidade deve ser a regra.
Por tudo isto as propostas do Compromisso Portugal não servem os portugueses. A sua concretização levaria a um aumento considerável do número de portugueses que estão a emigrar para países, como Reino Unido, Suiça, Espanha ou Angola.
Mas será que prejudicando os portugueses as propostas contribuiriam para reforçar o papel de Portugal na Europa e no Mundo? Não vejo como, na medida em que não reforçariam, por exemplo, o controle dos empresários portugueses sobre centros de decisão económica relevantes ou a eficácia do Estado no exercício das suas funções. Por tudo isto também não servem Portugal.
Neste contexto soam a insólito as declarações de António Carrapatoso no encerramento da 2.ª convenção do Compromisso Portugal “Somos revolucionários”. Fazem-me lembrar uma outra proclamação “revolucionária”, que ouvi quando era miúdo “enquanto houver um português com fome a revolução continua”. Adivinhem quem era o autor?
É caso para os que se identificam com a esquerda democrática e com o socialismo democrático contraporem uma proclamação bem mais moderna, sejamos ousadamente reformistas. O País e o Mundo avançam mais através de reformas estruturais do que por proclamações ditas revolucionárias.

domingo, setembro 17, 2006

ESQUERDA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA

A esquerda democrática e o socialismo democrático procuram novas respostas para construir sociedades mais livres, justas, igualitárias e solidárias.
Dos Estados Unidos a França, passando por Portugal, a esquerda reinventa-se, através de uma participação acrescida dos cidadãos.
Nos Estados Unidos basta recordar a intervenção de figuras inovadoras do Partido democrático como Howard Dean, o papel dos blogues, como “Crashing the gate” aqui ou do cinema, como o recente documentário “Uma Verdade Inconveniente” de Davis Guggenheim com a participação de Al Gore e, sobretudo, o apelo a uma maior intervenção dos cidadãos.
Em Portugal, está bem presente a candidatura presidencial independente de Manuel Alegre, que conseguiu provar que o poder dos cidadãos é uma força que não pode ser subestimada. Em França, a pré-candidatura presidencial de Ségòlene Royal utiliza um sítio na Rede como espaço de cidadania e como organizador colectivo.
Todos estes novos movimentos ilustram a afirmação de Manuel Alegre de que “a Liberdade é o motor da história”.
É neste contexto que o MIC (Movimento de Intervenção e Cidadania) se está a afirmar como um movimento de tipo novo. De acordo com os seus estatutos, divulgados aqui hoje, o MIC é um movimento independente, transversal e aberto a filiados e não filiados em partidos políticos. O MIC tem como objectivo promover, através de todos os meios de intervenção cívica, o aprofundamento da democracia participativa, visando a qualidade da vida democrática e o cumprimentos dos objectivos inscritos na Constituição da República Portuguesa.
O MIC é um movimento de tipo novo porque dele podem fazer parte pessoas singulares, associações - com ou sem personalidade jurídica - ou fundações, nacionais ou estrangeiras , que se proponham colaborar e prosseguir os fins associativos previstos nos seus estatutos.
O MIC tem vindo a propor novos temas para a agenda, como o alargamento da licença de paternidade, ou uma abordagem inovadora do envelhecimento e da cidadania. Em breve irá debater questões como a água - direito humano ou mercadoria, a desertificação do País ou o estado do território. A água é aliás uma questão que preocupa Manuel Alegre e Al Gore.
A questão que se pode colocar é a de saber se o MIC será capaz de realizar os objectivos que se propõe. A resposta não está escrita nos astros. O MIC será capaz de os alcançar se for essa a vontade dos cidadãos, que sabendo que o caminho se faz caminhando, decidam assumir a sua cidadania participativa.

PS. 1- A morte de Teresa Ambrósio (1936-2006) na passada segunda-feira apanhou-me totalmente de surpresa. Ignorava que estava doente.
A missa celebrada no dia do seu funeral, com a participação activa dos filhos, foi um momento de verdade e fez-me sentir a sua presença e o sentido da sua vida.
Teresa Ambrósio foi uma cidadã exemplar, uma figura de relevo do Partido Socialista à renovação do qual deu vários anos da sua vida, tendo sido vice-presidente do Grupo Parlamentar e dirigente nacional do Partido Socialista. Foi uma parlamentar, com uma intervenção de invulgar qualidade, designadamente nas questões de educação e nas relativas à condição feminina.
Teresa Ambrósio começou por militar na JUC (Juventude Universitária Católica) e inscreve-se no PS pouco depois do 25 de Abril. Colaborou muito de perto com Francisco Salgado Zenha, quer no PS, quer no IED (Instituto de Estudos e Desenvolvimento).
Teresa Ambrósio foi até agora a única mulher que presidiu ao CNE (Conselho Nacional de Educação) e era professora jubilada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sendo doutorada em Ciências da Educação na Universidade de Tours, de que era professora agregada. Foi também consultora das Comunidades Europeias e da Unesco para as áreas de Educação, Ensino Superior e Formação. Dou-me ao trabalho de o referir, porque como disse à imprensa o seu marido, José Pedro Martins Barata, “era mais conhecida nos meios académicos estrangeiros, do que cá em Portugal” (vide, Sol, 16/09/2006), tendo colaborado com personalidades como Edgar Morin.
A sua preocupação com a educação e a cidadania poderá sintetizar-se dizendo que procurou “formar espíritos capazes de organizar conhecimentos (…), ensinar a condição humana (…), criar uma escola de cidadania”.
Não esqueceremos a coragem e a dignidade com que viveu a sua vida e a sua morte.
Obrigado Teresa pela amizade e pelo que aprendemos contigo!

domingo, setembro 10, 2006

DISCRIMINAÇÕES NO ACESSO À HABITAÇÃO

O art.65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que: «1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».
Sabemos que muito tem sido feito para criar condições para a sua efectivação nas últimas décadas, mas é necessário continuar a fazer muito. São necessárias novas iniciativas e novas medidas de política legislativa.
A CRP exige que o Estado assuma um papel activo promovendo um conjunto de medidas para que seja um direito de todos.
Cabe também ao Estado impedir que os cidadãos sejam discriminados no acesso à habitação.
A Lei n.º46/2006, de 28 de Agosto, proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde, designadamente, «a recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, bem como o acesso ao crédito bancário para compra de habitação, assim como a recusa ou penalização na celebração de contratos de seguros» (art.4, alínea c)).
Esta lei vem contrariar as práticas discriminatórias que têm vindo a verificar-se. A associação de defesa de consumidores DECO, espera que «a nova lei contra a discriminação de deficientes…venha acabar com as recusas das seguradoras em fazer seguros de vida a estes indivíduos, impedindo-os de aceder ao crédito à habitação» (Público, 8 de Setembro de 2006). Os bancos exigem seguros de vida para a concessão dos créditos e os cidadãos que não conseguem celebrar contratos de seguros, vêem-se assim impedidos de ter acesso ao crédito bancário para a compra de habitação.
As sanções previstas na nova lei para as práticas discriminatórias são suficientemente dissuasoras e podem ir até ao encerramento das empresas durante dois anos.
Esta legislação é muito oportuna, porque corresponde a uma necessidade de pôr termo a discriminações injustificadas, e entra em vigor num momento em que na comunicação social se têm multiplicado as denúncias deste tipo de situações.
Associamo-nos à luta dos cidadãos, e de associações como a DECO, para terminar com as discriminações de que são vítimas muitas pessoas em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde.
A prática das seguradoras, se os cidadãos se mantiverem atentos e exigentes, terá que mudar. Entre o texto da lei e a prática social há um hiato a preencher pela intervenção dos cidadãos.

PS. 1- O Forum Gulbenkian Imigração está a promover um conjunto de actividades artísticas, que permite chamar a tenção para a mais-valia que os imigrantes representam também do ponto e vista cultural para a sociedade de acolhimento. É um conjunto diversificado de iniciativas, abrangendo exposições, que incluem uma instalação/fotografia e uma instalação multimédia de doze filmes de três minutos em doze suportes audiovisuais, espectáculos, estando também em produção um documentário, a apresentar publicamente no dia 31 de Janeiro de 2007. É uma iniciativa positiva que contribui para dar visibilidade a um conjunto de artistas e grupos provenientes da imigração. Fixemos os seus nomes: Contra-Banzo, Chullage, Vento Leste, The Pyramed Sessions, Lisa.
É um passo positivo que só terá sentido se os artistas provenientes da imigração fizerem naturalmente parte das programações gerais sem precisarem sequer de ser escolhidos para representarem a imigração. Estou certo que é essa a intenção dos organizadores. A iniciativa é um sublinhado vivo da forma como o contributo cultural dos imigrantes nos enriquece o gosto e alarga os nossos horizontes.

2- A presença de representantes das FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia na Festa do Avante não pode deixar de merecer a repulsa de todos os democratas e militantes de esquerda.
Falemos claro, a condenação do regime colombiano e o reconhecimento do direito à insurreição dos povos contra todas as formas de opressão, exigem também que, em nome dos valores democráticos e da esquerda, condenemos organizações terroristas como as FARC, que se financiam através da extorsão, roubo, tráfico de droga e têm sequestradas mais de 3000 pessoas entre as quais, a candidata à Presidência da Colômbia em 2002, Ingrid Betancourt, uma senadora incorruptível.
Não confundimos este tipo de organizações com organizações progressistas. É um erro tão grosseiro como confundir bandos criminosos que actuam a partir das favelas do Rio de Janeiro ou de São Paulo e dominam o tráfico de droga e de armas com organizações progressistas só porque tiveram na sua génese algum tipo de ligação com o denominado Comando Vermelho.
Solidarizamo-nos por isso com os abaixo-assinados de repúdio pela presença das FARC na Festa do Avante, promovidos por um conjunto de blogues entre os quais, dois com quem temos uma ligação permanente, Tugir e Canhoto, através dos quais podem assinar os abaixo-assinados, e com eles, apelamos à libertação de todos os presos por esta organização e solidarizamo-nos com milhares de colombianos vítimas de terrorismo.

domingo, setembro 03, 2006

CRIMES DE GUERRA NO LÍBANO

A Amnistia Internacional divulgou no seu sítio um relatório relativo à guerra do Líbano, onde coloca a questão de saber se foram ou não cometidos crimes de guerra durante o recente conflito por Israel e pelo Hezbollah. A Amnistia interroga-se sobre se estamos perante uma destruição deliberada de infra-estruturas civis libanesas por parte de Israel, e não apenas perante danos colaterais, acusando também o Hezbollah de violação das leis internacionais, as quais serão objecto de um relatório específico
Já tivemos oportunidade de nos referir aqui à recente guerra do Líbano e congratulamo-nos pelo fim da guerra. Consideramos também positiva, apesar de ser uma operação de risco, a presença de militares de Estados-Membros da União Europeia, incluindo portugueses, na força das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL II). As Nações Unidas têm de demonstrar na prática a sua capacidade para assegurar a paz e evitar a guerra.
É positivo, neste contexto, que uma organização independente como a Amnistia Internacional analise e divulgue informação que permita conhecer com mais rigor a forma como Israel conduziu a guerra no Líbano, designadamente, relativamente às populações civis.
A guerra no Líbano, relançou também o debate sobre as questões éticas colocadas pela utilização de bombas de fragmentação, cuja utilização não é formalmente ilegal, mas que pelo facto de afectarem a população civil constituem uma violação dos direitos humanos e do direito humanitário internacional. Este tipo de bombas, cuja utilização por Israel no Líbano foi considerada como imoral pelas Nações Unidas, pelo facto de 90 por cento terem sido lançadas quando se sabia que havia uma resolução para por fim à guerra, contêm um dispositivo que espalha um grande número de pequenas bombas, que podem causar danos ao longo de meses ou anos e têm efeitos indiscriminados sobre as populações civis. Para ter uma noção da gravidade da situação criada, é suficiente recordar que, durará anos a desactivação das bombas que não explodiram no sul do Líbano, tendo até agora a ONU encontrado 400 locais, com a colaboração de Israel, com explosivos deste género.
Esperamos que a Amnistia Internacional divulgue com brevidade o seu relatório sobre os crimes de guerra cometidos pelo Hezbollah por uma questão de justiça e de equidade.
Actos como o rapto de militares ou civis, o bombardeamento de populações civis ou a utilização de bombistas suicidas, são crimes que têm de merecer a inequívoca condenação internacional e considerados crimes de guerra.
Os passos que estão a ser dados para assegurar a paz e a reconstrução do Líbano são muito importantes para o futuro de todos nós, mas não produzirão todos os seus frutos se não forem acompanhados de avanços diplomáticos que assegurem em simultâneo a independência da Palestina com fronteiras definidas por negociação e o reconhecimento inequívoco de Israel por parte dos Estados vizinhos.
Continuamos convencidos que o futuro da paz e do progresso da região passa pela existência de regimes democráticos em Israel, Jordânia, Líbano e Palestina.

PS.1 De uma forma discreta, mas que espero venha a ser eficaz, o governo irá proceder à regularização da permanência de imigrantes que se encontravam em território nacional, que tinham procurado regularizar-se ao abrigo do disposto no artigo 71.º do Decreto-Regulamentar n.º6/2004, de 26 de Abril, ou ao abrigo do Acordo Luso-Brasileiro sobre Contratação Recíproca de Nacionais. Este processo de regularização tem por base um despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, José Magalhães.
É uma oportunidade que não pode ser perdida pelos seus destinatários e que a imprensa não tem dado a devida divulgação, com excepção do Diário de Notícias de 16/08/2006.
Os imigrantes abrangidos por este processo de regularização são os que fizeram o pré-registo nos CTT entre 3 de Maio e 14 de Junho de 2004, bem como brasileiros inscritos no âmbito do Acordo Lula.
Sugiro aos interessados que consultem aqui informação mais detalhada sobre a forma como irá desenrolar-se a regularização da sua permanência. Estes processos de regularização dirigem-se a cerca de cinquenta mil imigrantes que se encontram em Portugal e já procuraram até agora sem sucesso regularizar a sua situação, entre os quais os 6520 brasileiros, cuja possibilidade de legalização José Sócrates anunciou na sua visita ao Brasil.