domingo, novembro 26, 2006

BENTO XVI NA TURQUIA

A visita do Papa Bento XVI à Turquia nos próximos dias 28 de Novembro a 1 de Dezembro é um acontecimento que irá marcar o futuro da Igreja Católica nas suas relações com as Igrejas Ortodoxas e com o Islamismo, bem como as relações entre a Turquia e a União Europeia.
Está a criar-se um clima de desconfiança e medo relativamente à forma como irá decorrer a viagem, de que é exemplo a notícia do “Expresso”, titulada “Turcos ameaçam Papa”, mas arrisco-me a prever que a visita irá decorrer bem e será recordada pelo seu contributo para o ecumenismo e para a aproximação entre a Turquia e a União Europeia.
A viagem é exemplar a vários níveis. O Papa visita uma Igreja Católica hiper-minoritária, num país em que o conjunto das Igrejas cristãs é minoritário e um dos objectivos desta visita é dar um passo significativo no sentido da comunhão total com os ortodoxos, sendo a este respeito particularmente significativo o diálogo com o Patriarca Ortodoxo de Constantinopla, Bartolomeu I e a declaração conjunta que irá ser divulgada. Estão também previstos encontros não só com a Conferência Episcopal Católica, mas também com encontro e oração com O Patriarca Mesrob II da Igreja Arménia-apostólica e com o Metropolita Sírio-Ortodoxo.
A viagem começará com a visita ao Mausoléu de Ataturk, o pai da Turquia moderna, laica e aberta aos valores europeus, a que se seguirá um encontro com o Presidente da República Necedet Sezer.
Esta visita poderá ser também um contributo para o diálogo entre cristãos, muçulmanos e judeus, estando previsto, por exemplo, um encontro com o Grão-Rabino da Turquia.
Esta visita é também muito importante para todos os turcos que defendem uma democracia laica e a integração na União Europeia e para todos os cidadãos europeus, incluindo os cristãos, que não querem que a União Europeia seja reduzida a um clube cristão.
Saúdo a lucidez do Patriarca Bartolomeu I, que se tem empenhado no diálogo ecuménico e na aproximação recíproca entre a Turquia e a União Europeia.
A visita à Turquia poderá será uma oportunidade para Bento XVI percepcionar o pluralismo de correntes teológicas e sensibilidades culturais islâmicas e inclusive de uma iniciação mais profunda ao pluralismo do catolicismo
A Turquia foi um dos berços do cristianismo, diz-se que foi em Antioquia que os seguidores de Jesus foram pela primeira vez denominados como “cristãos”. Na Turquia terão vivido Maria, mãe de Jesus, os discípulos Paulo, Pedro, André e João, e tiveram lugar concílios fundamentais para os cristãos. O pluralismo cultural e teológico está bem patente no facto de em cerca de 30 mil católicos existir uma diversidade de ritos. Da Igreja católica turca fazem parte dois bispos latinos, dois bispos armeno-católicos, um vigário patriarcal siro-católico, um vigário patriarcal caldeu. Na Anatólia existe um delegado para os maronitas e estão presentes também greco-católicos.
A adesão da Turquia à União Europeia é um processo que tem ainda muitas dificuldades a ultrapassar, mas os políticos europeus não podem equivocar-se, não há alternativa à adesão da Turquia que não se traduza na derrota interna dos sectores democráticos e laicos e a possibilidade de atracção da Turquia por países como a Rússia ou o Irão.
A Turquia desde Ataturk fez um caminho notável: está ligada à União Europeia por um acordo desde 1963; é membro do Conselho da Europa; é membro fundador da Nato, na qual tem desempenhado um papel de relevo, foi um aliado leal e eficaz durante todo o período da “guerra-fria”.
A União Europeia criou expectativas aos turcos quando atribuiu à Turquia em 1999 em Helsínquia o estatuto de país candidato. A Turquia tem realizado reformas fundamentais para satisfazer os critérios de adesão, como foi a abolição da pena de morte, realizou progressos no sentido do respeito pelas minorias, incluindo a curda, diversas reformas para integrar o “acquis communautaire”. Com isto não quero ignorar que há ainda um caminho a percorrer para satisfazer os critérios e esse esforço deve ser-lhe exigido.
O que é inadmissível são as campanhas populistas dirigidas contra a adesão da Turquia, a cobardia de muitos responsáveis políticos europeus (e turcos) e a vontade deliberada de criar novos obstáculos no caminho para a adesão.
A Turquia é uma fronteira natural da União Europeia, ponte para outras civilizações. Espero que depois desta viagem fique mais claro que a Europa, que é rodeada do Mediterrâneo ao Cáucaso por países muçulmanos muito ganharia em contar no seu interior com uma democracia laica, de clara maioria islâmica e de aprender a conjugar o mesmo com o diferente.
Tenho esperança que Bento XVI também perceba que o Patriarca Bartolomeu I tem razão, bem como a generalidade dos cristãos turcos, em defenderem a adesão da Turquia à União Europeia e reveja a posição que tomou no passado contrária a essa adesão.

domingo, novembro 19, 2006

NA MORTE DE MÁRIO SOTTOMAYOR CARDIA

A morte do camarada e amigo Mário Sottomayor Cardia apanhou-me, de surpresa.
Conheci-o no início dos anos 70 e durante cerca de dez anos partilhámos muitos combates pela consolidação da democracia e pela afirmação do Partido Socialista, designadamente na redacção do “Portugal Socialista”, que era publicado como jornal semanal do qual era director nessa época e em cuja redacção participei no período pós- 25 de Abril.
Jovem socialista de formação católica tive sempre diálogos muito interessantes com ele, que vinha do marxismo e o seu livrinho “Por uma democracia anti-capitalista” foi uma referência ideológica fundamental. Admirava-o pela coragem física e moral e pela sua preocupação com o diálogo. Recordo-me de um debate que organizei na Juventude Universitária Católica, antes do 25 de Abril, sobre o marxismo, em que ele dialogou com o Padre Manuel Antunes e no qual abriu perspectivas para um marxismo crítico e não dogmático, de que conservo algumas notas.
Quero aqui deixar registados dois momentos de combate político, em que estivemos lado a lado. Faço-o também porque são episódios significativos, que muitas vezes são esquecidos.
Poucos saberão que foi o Mário Sottomayor Cardia, nessa altura um dos mais influentes dirigentes do Partido Socialista, que promoveu a sua autonomização eleitoral no pós-25 de Abril e impediu que tivesse sucesso a estratégia que pretendia levar o PS e o PPD a apresentarem-se às eleições para a Assembleia Constituinte em listas do MDP/CDE.
Vale a pena ler o que sobre este episódio escreveu Mário Sottomayor Cardia sobre o título «Em torno da génese da lei eleitoral» no “Portugal Socialista” n.º228.º, de Abril de 2003, pp.46-49. O MDP/CDE tentava então apresentar-se como uma frente de partidos democráticos. Para além do PS e do PCP, que o tinham integrado antes do 25 de Abril e de outras organizações, o próprio PPD, que tinha sido formado em Maio, também tinha aderido.
O que parece hoje óbvio não o era nessa altura. Em Agosto de 1974 apresentei na direcção do MDP/CDE uma proposta, redigida pelo Mário Sottomayor Cardia, no sentido de que o MDP/CDE não patrocinaria candidatos às eleições constituintes no ano seguinte. Esta proposta foi tacitamente rejeitada, pelo que me demiti da direcção do MDP/CDE, acompanhado por mais dois camaradas do Partido Socialista. Em 28 de Agosto, o Secretariado Nacional do Partido Socialista veio denunciar como inaceitável este projecto, tendo sido seguido pelo PPD.
Se não tivesse havido este separar de águas o Partido Socialista nunca teria chegado a afirmar-se como o primeiro partido português. Devemos isso à lucidez e à coragem política do Mário Sottomayor Cardia.
Houve outras batalhas que travou com outros camaradas que tiveram também na génese uma visão libertadora do socialismo democrático. Foi o caso do voto de sete deputados socialistas contra a proposta de Lei n.º71/III (Segurança Interna e Protecção Civil), em 26 de Julho de 1984, apresentada pelo governo do bloco central (PS/PSD) liderado por Mário Soares e que era para alguns de nós uma lei inadequada e liberticida, que violava a Constituição da República. Foi uma decisão de consciência, nomeadamente, dos deputados Mário Sottomayor Cardia, Manuel Alegre, Margarida Marques, Eurico Figueiredo, Edmundo Pedro, eu próprio, votarmos contra a Lei de Segurança Interna, que teve o seu custo político com a exclusão de alguns de nós das listas para deputados nas legislativas seguintes. As intervenções de Mário Sottomayor Cardia sobre este diploma podem ler-se no seu livro “Prosas sem importância 1978-1984”, Editorial Presença, 1985, pp.212-218.
Mário Mesquita saudou este voto contra no dia seguinte no “Diário de Notícias” num editorial, intitulado “Afinal o Parlamento existe”.
Refiro este último episódio para sublinhar que Mário Sottomayor Cardia não se bateu apenas com coragem contra o salazarismo e o caetanismo, mas também no pós-25 de Abril e inclusive no interior do Partido Socialista.
Mário Sottomayor Cardia não foi apenas um militante e dirigente político, foi um intelectual e um académico, que evolui do marxismo crítico para um racionalismo exigente.
Não quis deixar em silêncio o seu contributo decisivo em muitos momentos para a democracia em que vivemos.
Há muito trabalho a fazer pela nova geração de investigadores para conhecerem bem esse período. Não devem esquecer a advertência de Bertolt Brecht «César conquistou a Gália/ Não teria levado ao menos um cozinheiro?».
Se estudarem bem esse período, perceberão o enorme contributo de Mário Sottomayor Cardia.

domingo, novembro 05, 2006

A CONFEDERAÇÃO SINDICAL INTERNACIONAL (CSI)

Um dos acontecimentos mais positivos da semana passada foi a constituição no dia 1 de Novembro, em Viena, da Confederação Sindical Internacional (CSI), representando 168 milhões de trabalhadores, de 155 países.
A CSI reúne 306 centrais sindicais que eram anteriormente filiadas na Confederação Internacional de Sindicatos Livres (CISL), de inspiração reformista e laica ou na Confederação Mundial de Trabalho (CMT), de inspiração cristã, e ainda outras oito importantes centrais.
Temos seguido com atenção o processo de formação da CSI que consideramos essencial para que os trabalhadores tenham trabalho decente e com direitos a nível mundial, e não mais precariedade, mais desemprego e mais arbitrariedade patronal, como escrevemos aqui (20-11-2005).
Num mundo globalizado, marcado por crescentes desigualdades, pelo poder das empresas multinacionais, por conflitos armados e pelo avançar da fome em muitos países, com excepção da China e do Brasil, é necessária a unidade orgânica do movimento sindical mundial para regular a globalização e assegurar a dignidade dos trabalhadores e para responder de uma forma mais eficaz às novas estratégias do capitalismo total.
É com satisfação que constato que na nova Confederação está representada a quase totalidade do movimento sindical lusófono: UGT de Portugal; CGSILA e UNTA de Angola; CGT, CUT, FS, CAT, CNPL e SDS do Brasil; UNTC de Cabo Verde; UNTG da Guiné-Bissau; OTM de Moçambique; ONTSTP-CS e UGT-STP de São Tomé e Príncipe. De lamentar que a CGTP-IN tenha querido ficar meramente como observadora, isto é, fora da CSI.
Nesta matéria está de parabéns a UGT pela sua clara opção internacionalista e o seu Secretário-Geral, João Proença, que foi eleito para a direcção da nova instituição.
Para secretário-geral da CSI foi eleito o sindicalista inglês, Guy Ryder.
As anteriores confederações de âmbito mundial, a CISL e a CMT dissolveram-se.
É a hora da CSI e esperamos que isto signifique o regresso dos trabalhadores ao centro dos debates políticos internacionais e à definição das grandes opções estratégicas.
Temos de reconhecer que os sindicatos e as centrais sindicais têm perdido protagonismo quer no quadro nacional, quer no quadro internacional, e que se encontram na defensiva em muitos países. São várias as razões para que assim suceda. Estão confrontados com novos desafios provenientes da globalização, que exigem novas respostas e novas propostas e, simultaneamente, com a ofensiva ideológica conservadora e liberal desencadeada contra eles.
Em alguns países europeus, incluindo Portugal, tem-se confundido o que são legítimas divergências com as posições e as estratégias dos sindicatos, com a desvalorização deliberada da importância da sua intervenção.
Os sindicatos têm também tido falta de iniciativa e não têm sabido alargar a cooperação a outros movimentos sociais com os quais podiam criar sinergias positivas.
Um exemplo recente de um erro grave foi a não entrada da CGTP-IN como membro de pleno direito da CSI.
Os sindicatos tiveram um papel histórico na conquista dos direitos humanos e sociais pelos trabalhadores e na construção do modelo social europeu. Foram sempre parceiros imprescindíveis dos partidos socialistas e sociais-democratas em todas as batalhas que contribuíram para transformações progressistas das sociedades europeias.
João Proença na sua intervenção no congresso constitutivo, afirmou: «Com a CSI assumimos como prioritário o desenvolvimento económico, e social, sustentado e sustentável e o combate à pobreza e à exclusão, a luta pela igualdade de oportunidades e contra todas as formas de discriminação, incluindo as de que são vítimas os imigrantes, o que exige de cada um de nós ser parte activa nas políticas de cooperação e solidariedade, particularmente nas relações Norte-Sul».
Partilhamos estas preocupações e continuaremos a apoiar as iniciativas que permitam concretizar estas promessas e combater com mais eficácia as deslocalizações selvagens, a desregulação social e a precariedade, que atingem cada vez mais trabalhadores.