domingo, maio 27, 2007

REDES NO ESPAÇO DA LUSOFONIA

Realizou-se em 25 e 26 de Maio de 2007, o «II Encontro Internacional Migrantes Subsarianos na Europa», organização de SociNova Migrações, que foi uma iniciativa que, pela sua qualidade, irá alimentar novas dinâmicas de investigação e de intervenção.
Este II Encontro foi muito bem organizado por uma comissão composta por Cármen Maciel, Joana Lopes Martins, Francisco Carvalho; Francisco Costa, Sofia Santos e M. Margarida Marques. Teve lugar nos paços do Concelho de Odivelas, cuja Câmara deu toda a sua colaboração para que tudo decorresse nas melhores condições, reflectindo a sensibilidade da sua Presidente, Susana Amador, por esta temática. Discutiram-se em atelier (em simultâneo) questões de grande actualidade como: “Democracia; Direitos Individuais e Bem Comum”; “A Produção Cultural de África na Europa”; “Políticas e Práticas de Saúde em Contexto Migratório”; “Segundas Gerações Pós-Coloniais”; “Imigração e Cidades Criativas”.
O Encontro iniciou-se com o debate em plenário da “Cooperação Europa-África” e terminou significativamente com o debate, também em plenário das “ Redes no Espaço da Lusofonia”.
As Actas deste II Encontro serão um instrumento de trabalho fundamental não apenas para académicos, mas também para agentes políticos e para empreendedores, porque abrem pistas de reflexão e de trabalho muito aliciantes.
Como referiu no decorrer do Encontro a Prof. M. Margarida Marques, a Lusofonia nasce hoje de baixo para cima e alimenta trocas entre artistas e criadores das mais diversas origens, que se exprimem numa língua comum, o português.
O debate sobre as “Redes no Espaço Lusófono” partindo das relações espontâneas que se estabelecem, designadamente, entre portugueses, cabo-verdianos e, brasileiros ou angolanos em diversos países, que foi referido por Arnaldo Andrade, Embaixador de Cabo Verde em Portugal, referiu a importância da acção político-diplomática desenvolvida pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa-CPLP, abordou outras dimensões que assumem estas redes. Hélder Vaz Lopes, conhecida figura política e intelectual guineense, falou da importância das cidades na construção destas redes e de um importantíssimo projecto da UCCLA, que visa a criação de uma Rede de Cidades Lusófonas, como alavanca da cooperação lusófona. Enoque João, presidente da Casa de Moçambique explicou a importância insubstituível das Associações de Imigrantes na criação das redes lusófonas e as dificuldades com que ainda se confrontam entre nós. Jorge Gonçalves, director da RDP África, referiu a expansão da cobertura da RDP África em Portugal, a necessidade de atingir o Porto, a colaboração positiva que se tem vindo a verificar com a RDP Internacional e com Rádios e televisões brasileiras e a necessidade de haver maior produção de conteúdos por partes dos parceiros dos diversos países lusófonos. Não deixa de ser interessante referir que este debate foi moderado por Mónica Goracci, actualmente responsável pela OIM em Portugal, que demonstra uma grande capacidade de entender os portugueses e esta problemática.
Como não podia deixar de ser foi referida a importância da existência e funcionamento da CPLP, que promove uma acção de concertação político diplomática, conforme foi referido por Arnaldo Andrade. O pilar político-diplomático tem vindo a ser construído, e progrediu o pilar linguístico. O IILP (o Instituto Internacional da Língua Portuguesa) tem projectos interessantes e uma direcção empenhada. Tudo isto alimenta redes formais ou informais de profissionais, centrais sindicais, empresários, investigadores, intelectuais, cada vez mais diversas e cada vez mais numerosas. É por isso importante que a CPLP continue a criar condições institucionais para que os cidadãos participem neste processo. Deve ser uma exigência dos cidadãos que se continue a trabalhar para ir mais longe nas áreas de “ Circulação e Cidadania”, cujo grupo de trabalho tem de reunir e prosseguir o seus trabalhos sobre a cidadania lusófona e será necessário que se institucionalize uma Assembleia Parlamentar da CPLP, para atenuar o défice democrático na sua construção, como já defendemos aqui.
A construção de redes no espaço da Lusofonia pode ser potenciado com o diálogo e a colaboração com académicos competentes e motivados para trabalhar nesta área. A SociNova Migrações demonstrou com este Encontro, que pode contribuir para que as redes no espaço da Lusofonia não falem apenas a mesma língua, mas construam uma linguagem e uma agenda comuns.

domingo, maio 20, 2007

DARFUR - O PRIMEIRO GENOCÍDIO DO SÉCULO XXI

Os massacres no Darfur prosseguem e ameaçam tornar-se no primeiro genocídio do século XXI, como tem afirmado o bispo Jacques Gaillot.
Em 31 de Julho de 2004 lançámos aqui um apelo no qual afirmávamos: temos de impedir a continuação do genocídio no Darfur. Recordávamos que anos antes não tinha havido uma acção atempada que tivesse impedido os massacres do Ruanda e que ainda estávamos a tempo de impedir uma tragédia maior. Passados estes anos os massacres no Darfur prosseguem, bem como os dramas dos refugiados. Países como a Líbia e a China protegem o governo de Cartum por interesses de ordem económica e política.
Jacques Gaillot denunciava aqui recentemente que há interesses em jogo: a exploração do petróleo e que a China é o principal fornecedor de armas e absorve dois terços da sua exploração de petróleo. A China tem-se oposto às sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas contra o Sudão.
A União Europeia e os Estados Unidos também não têm feito o que é necessário para pôr termo ao genocídio de Darfur.
É certo que são de saudar as diligências feitas pelo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, para tentar convencer o presidente do Sudão a aceitar o envio de uma força das Nações Unidas para o Darfur sob pena de se isolar da comunidade internacional. Sabemos que as Nações Unidas aprovaram o envio de uma força de 17 mil soldados e de 3 mil polícias, mas que o seu envio está bloqueado pela recusa do governo de Cartum em aceitá-lo. O presidente sudanês Omar al-Bachir apenas aceita o reforço da força da União Africana que já se encontra na região.
A delegação da União Europeia abandonou o Sudão sem ter visitado os campos dos refugiados no Darfur por alegadas razões de segurança. Esta situação não pode continuar, porque há muitos homens e mulheres em risco de vida e sujeitas a diversos formas de humilhação.
A nível da opinião pública outras questões têm polarizado a atenção. A comunicação social tem dificuldade em nos dar informação actualizada em virtude das restrições que o governo de Cartum coloca à deslocação de jornalistas.
Por outro lado a opinião pública vive apaixonadamente a informação durante um período curto, as tragédias que se prolongam tendem a ser secundarizadas ou esquecidas.
É necessário mobilizar os cidadãos para pressionar os Estados a encontrar uma solução política. Como afirma Jacques Gaillot: «é necessário forçar Cartum a negociar, para parar com o massacre e proteger as populações: É possível e é urgente».
Para quem pretenda ter uma ideia mais concreta do que tem sido o genocídio em Darfur é possível ver aqui as imagens das atrocidades cometidas, graças à colaboração do Google Earth com o Museu Memorial do Holocausto em Washington.
Nestas imagens podemos ver, utilizando o sistema de mapas por satélite Google Earth, mais de 1600 aldeias destruídas, escolas, mesquitas, mais de 100 mil casas. Pode verificar-se que o genocídio é uma realidade. Desde 2003 estima-se que mais de 200 mil pessoas morreram no Darfur.
É necessário fazermos o que estiver ao nosso alcance para despertar, através da Rede, a pressão dos cidadãos para que seja alcançada uma solução política que ponha termo ao sofrimento das populações atingidas.
Como António Guterres tem alertado na sua qualidade de Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados «O conflito em Darfur é o factor de crise mais importante no continente e no mundo».
Darfur é sinónimo já de milhares de vítimas. É sinónimo do sofrimento evitável e intolerável de milhares de seres humanos. Além disso uma situação que pode alastrar e levar a conflitos mais alargados na região. Não esqueçamos que o Sudão tem fronteiras com países tão diferentes como a Líbia, o Egipto, o Quénia, a República Centro-Africana, a República Democrática do Congo, o Uganda, a Eritreia, a Etiópia e o Chade.
A situação de conflito que se vive em Darfur tem que ser gerida com determinação e sem a procurar instrumentalizar ao serviço de outras finalidades políticas.
São razões suficientes para que a opinião pública e os cidadãos se mantenham informados e exijam que as instituições internacionais assegurem o fim do genocídio, a paz e o respeito pelos direitos humanos em Darfur.

domingo, maio 13, 2007

PORTUGAL - IDENTIDADE E DIFERENÇA

É necessário pensar Portugal, o seu passado e a sua identidade, para melhor perspectivar o presente e as opções em aberto para o futuro.
Guilherme d’Oliveira Martins em “Portugal. Identidade e Diferença”, editado pela Gradiva, dá-nos algumas fichas de leitura de momentos marcantes da história e da cultura portuguesas para despertar a nossa própria reflexão.
Fá-lo com muita clareza, mas simultaneamente por aproximações sucessivas, como quem desenha uma tapeçaria, como disse na apresentação do livro, o escritor e diplomata, Marcello Duarte Matias, que no posfácio sublinha e prolonga as linhas de força deste livro.
Como refere Guilherme d’Oliveira Martins na nota inicial: «A cultura só se enriquece se for aberta e cosmopolita, se for ponto de encontro e encruzilhada, a partir das várias culturas da língua portuguesa, mas também lugar de intercâmbio e exigências que envolva a cooperação além fronteiras e um diálogo activo com a educação e a ciência…».
Não é possível compreender Portugal hoje sem conhecer e dialogar com os pensadores e os criadores das outras culturas de língua portuguesa. Guilherme d’Oliveira Martins revela essa atenção. Escritores e pensadores brasileiros como Manuel Bandeira, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, João Guimarães Rosa, Sérgio Buarque de Holanda, mas também José Sarney, Alberto Costa e Silva, Antonio Cândido de Melo Sousa e Celso Lafer estão presentes nestas páginas. Estão também presentes escritores e ensaístas de outros países de língua portuguesa como, por exemplo: Baltazar Lopes, Germano de Almeida, Vera Duarte, Corsino Fortes, Dina Salústio, José Vicente Lopes, de Cabo Verde; Mário de Andrade e Luandino Vieira, de Angola; Nazaré Ceita e Alda do Espírito Santo, de São Tomé e Príncipe; Mia Couto, de Moçambique. Este é um dos méritos deste livro, em confronto com outras reflexões sobre Portugal muito provincianas, por ignorância da riqueza das várias culturas de língua portuguesa.
Guilherme d’Oliveira Martins faz uma abordagem de diferentes pistas de identificação de Portugal, valorizando elementos como a geografia, a terra e a língua, a memória e o património e tendo em conta os trabalhos de Orlando Ribeiro e José Mattoso, mas também outros contributos de Eduardo Lourenço, Manuel Villaverde Cabral, ou as teses sobre Portugal de Boaventura de Sousa Santos.
Não é possível resumir todo o conjunto de linhas de abordagem de Guilherme d’Oliveira Martins, que mais do que uma resposta nos dão elementos para reflectir. Há um lado pedagógico neste livro a que não é alheio o facto de muitas páginas terem sido escritas no contexto do ensino da História da Cultura Portuguesa.
Guilherme d’Oliveira Martins é conhecido pelo carácter enciclopédico da sua cultura, mais uma vez patente neste livro, que não reúne toda a vasta colaboração que tem vindo a publicar, designadamente, no “JL, Jornal de Letras, de Artes e de Ideias” que refere justamente como um «instrumento único para a difusão da cultura portuguesa e das culturas de língua portuguesa no mundo».
Seria por isso muito aliciante conhecer a opinião de Guilherme d’Oliveira Martins sobre o contributo para pensar a identidade portuguesa das obras de Manuel Alegre e de Nuno de Bragança.
Guilherme d’Oliveira Martins não ignora a necessidade de pensar a identidade portuguesa no contexto da integração europeia. Como refere «no campo europeísta surge muitas vezes a tentação de dar ênfase a uma “identidade europeia”, que sucederia às antigas identidades nacionais», mas adverte: «O Estado-nação já não é o alfa e o ómega da vida política e social contemporânea, mas tem um lugar insubstituível». E acrescenta: «As identidades nacionais coexistem e completam-se e só se enriquecem abrindo-se num contexto cosmopolita e universalista».
A permanente redefinição da identidade portuguesa é condição e consequência da nossa vitalidade cultural e cívica.
Marcello Duarte Matias refere no posfácio, que importa preservar a identidade «sabendo…integrar de forma harmoniosa as diferenças, nomeadamente, o pluralismo étnico, pois o intercâmbio é a primeira dimensão da vida internacional». É nesta linha que se situa este livro.
Espero que este livro se torne uma referência e que seja lido, estudado, discutido, e reescrito, pelos mais jovens escritores, ensaístas, pensadores e criadores culturais de todos os países de língua portuguesa.

domingo, maio 06, 2007

MANUEL ALEGRE - NAUS PARA NOVAS VIAGENS

Manuel Alegre lançou esta semana um belíssimo livro de poesia intitulado “Doze Naus”
A escritora, professora e ensaísta Yvette Centeno apresentou-o de uma forma clara e precisa, como poderão constatar todos os que lerem o livro e as suas palavras, aqui.
A poesia é, contudo, vida, alimenta os nossos sonhos, anima as nossas esperanças ajuda-nos a ver mais fundo e mais longe e por isso é necessária ao nosso quotidiano. Como mero leitor, quero deixar estas breves notas, despretensiosas, que apenas pretendem continuar a conversar sobre este livro.
O livro precisa de ser mastigado devagar para que possamos ser sensíveis a todas as dimensões para que nos convoca.
As palavras abrem-nos diferentes horizontes, mas têm sempre a ver com a disponibilidade para novas viagens e novas procuras, uma inquietação pessoal e uma preocupação com Portugal.
Os poemas constroem-se com palavras como mar, vento, correntes, viagens, navegar, viajar, leme, poente e levante, mas também quartos, casas, ameixoeira, jardim, ou de outras palavras, como caçador, caça de salto, de batida, de largada, de espera, pássaro, perdiz, tiro, narcejas, marrequinhas, tarambolas, abibes, patos reais, arrozais, torcazes, tordos, olivais, aves de arribação, terras altas, rumor, rios e espuma.
Estes poemas falam-nos da procura do sentido da vida, mesmo quando usam a metáfora da caça. Lembrei-me que nos poemas inesquecíveis de “Senhora das Tempestades”, Manuel Alegre tinha utilizado com mestria a metáfora do pescador e da pesca.
No poema “O Caçador” retive: «Ouvi o grito da narceja ao levantar/mas era o bater da ilusão lírica/era o tempo a fugir/ou talvez Deus o sentido o sem sentido». Ou quando refere o pai (Francisco Duarte): «Havia nele algo mais que pontaria/também ele buscava o impossível/seu tiro era outra forma de poesia».
Os amigos e seu pai estão também muito presentes nos seus poemas. São poemas que doem, particularmente, para quem os conheceu.
“Um Adeus” para José Luís Nunes tocou-me porque usou as palavras exactas para evocar o homem verdadeiramente livre que ele foi, um homem espiritualmente inquieto. Transcrevo os últimos versos: «Oxalá possas ouvir o Tanhauser/e S. Pedro esteja de fraque à tua espera/com anjos e guerreiros e bandeiras».
“Contracanto de Babilónia” e “Ontem não te vi em Babilónia” (lendo António Lobo Antunes) continuam um diálogo permanente com algumas inquietações que já habitavam Camões. O diálogo com a melhor poesia e cultura, portuguesa e universal. é uma das chaves para ler estes poemas. Para além dos escritores já referidos estão presentes entre outros: Pessoa, Dante, Rilke e Kafka.
O amor à Pátria, que em Manuel Alegre, na senda de Almeida Garrett e Alexandre Herculano, sempre se identificou com o amor à liberdade, está subjacente a estes poemas.
Desde o poema “À sombra das árvores milenares”, que evoca «a última viagem de Portugal», a outros poemas, perpassa a inquietação com a falta de imaginação social e política para as necessárias novas viagens de Portugal, «País de muito mar/e pouca viagem», situação que o poeta pretende mudar, dizendo no poema “Hora do mar”: «Hora de ninguém/fechar os olhos e embarcar/Ouvir a voz que vem/ do mar».
Que Manuel Alegre continue a dar-nos versos como os deste livro e a desafiar-nos para novas viagens, são os meus votos.