domingo, junho 24, 2007

O NOVO TRATADO E A EUROPA DO FUTURO

O facto de ter sido possível chegar a um acordo sobre “um tratado europeu simplificado” é um facto que vai ter uma enorme importância sobre o nosso futuro colectivo, enquanto portugueses ou apenas residentes em Portugal. Teremos por isso de nos manter informados e atentos e de participar neste processo tanto quanto possível.
Depois do denominado projecto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, ter sido bloqueado pela vitória do “não” nos referendos realizados em França e na Holanda, parece ter-se aberto a porta para uma aprovação de um novo tratado que seja ratificado e entre em vigor antes das próximas eleições para o Parlamento Europeu.
Verifico que já existem manifestações de congratulação ou de desconfiança, mas por agora os cidadãos portugueses pouco ou nada conhecem dos contornos desse novo tratado e é importante que conheçam mesmo que não venham a ser chamados a participar em nenhum referendo sobre esse passo na construção europeia, como presumo que irá acontecer.
Devo dizer que à partida admito que o texto do tratado que o Conselho Europeu pretende outorgar aos Estados-membros e aos cidadãos da União Europeia seja um texto razoável, que permita continuar em bases sólidas o processo de construção europeia, prosseguir o alargamento, e a afirmação da União Europeia como actor político global a nível internacional. O facto de ter sido aprovado por chefes de Estado e de Governo é uma garantia de que as soluções foram pesadas por quem tem de responder directamente perante os cidadãos.
A dimensão nacional no processo de construção europeia tem de ser valorizado para que seja possível desenvolver uma cidadania de proximidade, que permita enraizar o projecto europeu nos diferentes povos dos Estados membros da União Europeia. Nesta linha é muito positivo que se tenha decidido reforçar o papel dos parlamentos nacionais, por proposta da Holanda. É importante, contudo, ter presente que no actual quadro, como afirmou Jorge Sampaio recentemente, já é possível um papel mais interveniente dos parlamentos nacionais no acompanhamento do processo europeu, como fazem os países nórdicos. É muito importante que a Assembleia da República crie condições para um acompanhamento mais efectivo da construção europeia e da produção de legislação comunitária, como o faz, por exemplo, a Dinamarca.
Penso que foi também positivo que se tenha clarificado a designação e a inserção institucional do responsável pela política externa da União Europeia. Abandonou-se a designação de ministro europeu de Negócios Estrangeiros, passando a existir um Alto - Representante da União Europeia para a política externa e de segurança , que será vice-presidente da Comissão, mas que manterá as funções de secretário-geral do Conselho, dependente dos Governos, num compromisso entre a vertente comunitária e intergovernamental do cargo. Também não haverá um novo hino europeu, o que é manifestamente dispensável, numa entidade política em construção que é desejável que conheça novos e significativos alargamentos.
A racionalização e clarificação dos processos de decisão a nível da União Europeia, que foi consensualizada, é um passo positivo que permitirá uma gestão mais eficaz tendo em conta as dimensões já adquiridas pela União Europeia. Tudo isto tornará mais fácil a realização de novos alargamentos. A necessidade de a União Europeia vir a admitir novos Estados-membros como a Turquia ou a Croácia desde que preencham os critérios já definidos, deixa de poder ser protelada com o pretexto da crise “constitucional” europeia.
A questão do alargamento irá, aliás, ser cada vez mais um tópico de confronto a nível da União Europeia entre os que vêem a União Europeia como um novo Estado, assente numa meta-narrativa identitária de base étnica, religiosa ou laica, um povo europeu, em que não cabem os que não partilham na totalidade os valores religiosos ou laicos dominantes, copiando os símbolos dos Estados nacionais, incluindo o hino, e os que vêem a União Europeia como uma comunidade de Estados-Nação que decidem partilhar voluntariamente a sua soberania para o bem de todos, com instituições estáveis, democráticas, que protegem todos seus cidadãos independentemente da origem, convicções e característica fenotípicas, que respeitam o primado do direito, e que estão disponíveis para assumir o “acquis “ comunitário.
Com estas breves notas quero apenas dizer que com a perspectiva da aprovação de um novo tratado, o debate sobre o futuro da Europa tornou-se imperativo e mais exigente.

domingo, junho 17, 2007

30 ANOS DE "REFLEXÃO CRISTÃ"



A revista “Reflexão Cristã” comemorou o seu trigésimo aniversário com a publicação do número 27-28, relativo ao ano de 2006-
Num País em que as iniciativas que procuram reflectir com liberdade e espírito crítico sobre a fé em Jesus Cristo e no Deus de Jesus Cristo e sobre o papel e o lugar da Igreja Católica na sociedade portuguesa e no mundo costumam ser intensas e fugazes, o facto desta revista ter já durado trinta anos é um acontecimento que merece ser assinalado.
Este número tem dois temas centrais: revisitando a constituição pastoral a igreja no mundo contemporâneo; imagens do sagrado, imagens do mundo. Reúne conferências proferidas nestas duas importantes iniciativas do CRC – Centro de Reflexão Cristã e contem textos muito interessantes de: Maria Alfreda Fonseca, Teresa Venda, Armando Sales Luís, Isabel Allegro de Magalhães, Pe. Joaquim Carreira Das Neves, Carlos Zorrinho, Pedro Sena Lino, Jorge Barreto Xavier, Emília Nadal, Jorge Wemans, Manuela Silva, D. Carlos Moreira Azevedo, Maria Armanda Saint-Maurice, José Manuel Torres Campos, João Benard da Costa, Pe. Peter Stilwell, Faranaz Keshavje, José Luís Matos, Nuno Teotónio Pereira, Abdool Karim Vakil, Esther Mucznik, Pe. Manuel Pereira de Almeida, Pastora Idalina Sitanela, José Vera Jardim, D. Manuel Clemente.
Francisco Sarsfield Cabral, Guilherme d’Oliveira Martins e Fernando Gomes da Silva assinam respectivamente uma nota de abertura, uma nota da direcção do CRC e uma evocação dos 30 anos da revista. O teólogo Henrique Noronha Galvão faz uma recensão da tradução portuguesa do livro de Santiago Madrigal, SJ., “No seguimento do Concílio:Karl Rahner e Joseph Ratzinger”.
A diversidade de participações deste número tem sido uma constante destes trinta primeiros anos de publicação, tendo nela colaborado centenas de cristãos e não-cristãos, incluindo judeus, muçulmanos, agnósticos, portugueses e estrangeiros, muitos deles figuras incontornáveis da teologia e da cultura contemporâneas.
Frei Bento Domingues no primeiro número da “Reflexão Cristã”, sublinhou em termos programáticos que a teologia «tem de deixar de ser monopólio seja de quem for e tornar-se a cultura do povo cristão. Tem de tornar-se a forma crítica dos cristãos pensarem o conteúdo e as relações da fé com todas as realidades que interferem na orientação profunda da vida dos homens feita por todos os cristãos». A revista foi ensaiando diversas aproximações à mutação cultural e aos desafios do ser cristão numa sociedade laica e plural, reflectindo diversos tempos e modos, ligados não apenas a uma atenção aos mutáveis sinais dos tempos, mas também às diferentes sensibilidades dos seus directores, que foram sucessivamente Fernando Gomes da Silva, Manuela Silva, José Leitão, José Manuel Pureza e, actualmente, Francisco Sarsfield Cabral.
Constitui uma referência incontornável do catolicismo português do século XX, que continua no século XXI, como se comprova pela leitura do artigo de Paulo Fontes, na História Religiosa de Portugal, vol 3, coordenado por Manuel Clemente e António Matos Ferreira, Círculo de Leitores, páginas 291-292.
Uma revista com este activo tem de voltar a publicar-se com maior regularidade, o que não tem sido fácil dado o carácter totalmente militante de que se reveste a sua publicação, a qual deve muito ao empenho e competência com que Germano Cleto procede à recolha e organização dos textos. Num mundo marcado por poderosas indústrias culturais, a revista inscreva-se na lógica do dom e da cidadania.
Para todos os que se interessam não apenas pelo pensamento cristão face aos desafios da modernidade, mas mais genericamente pela história das ideias torna-se necessário a sua consulta.
Deixo por isso duas sugestões para comemorar os 30 anos da “Reflexão Cristã”. Seria bom que para o próprio CRC, a “Reflexão Cristã” fosse cada vez mais vista como uma revista e não apenas como um boletim, publicando mais números temáticos com textos redigidos apenas para a revista, como aconteceu em alguns períodos da sua história.
Seria também muito interessante que fosse possível ter acesso on-line ao conteúdo dos seus números, a começar pelos mais antigos. O CRC que já dispõe do interessante blogue que podem consultar aqui e que se deve à criatividade de António José Paulino, seria uma vez mais pioneiro se tornasse acessível o conteúdo da “Reflexão Cristã”.
Será isto um sonho. É possível, mas na verdade o sonho comanda a vida.

domingo, junho 10, 2007

ANTÓNIO COSTA - A PAIXÃO POR LISBOA

Devo confessar que recebi com muita satisfação a candidatura de António Costa a Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Não foi para mim uma surpresa, porque sabia que António Costa gosta muito de Lisboa e tem condições para a governar bem.
A sua candidatura impunha-se perante o estado de degradação e de caos financeiro, em que a cidade se encontra, após a gestão do PSD.
Devo dizer que a candidatura de António Costa é um motivo de esperança no futuro de Lisboa e que a forma como a anunciou, a Lista que apresentou e os objectivos que apontou me parecem extremamente correctos.
A principal razão porque vale a pena apoiar António Costa é porque ele tem uma verdadeira paixão por Lisboa e tem competência e equipa para resolver os graves problemas com que Lisboa se confronta.
António Costa não se interessou agora pela situação de Lisboa. Foi membro da Assembleia Municipal de Lisboa entre 1982 e 1993.
Conheço-o desde que aderiu à Juventude Socialista, tive oportunidade de integrar o Secretariado da FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa) de que foi Secretário Coordenador e sei a preocupação que nos animava sobre o futuro de Lisboa e da Área Metropolitana de Lisboa. O trabalho político extremamente inovador que foi desenvolvido nessa época ficou bem patente numa publicação “Viver Com Qualidade” e, esteve na origem de várias políticas públicas que viriam a ser promovidas pelo PS, das acessibilidades, à integração dos imigrantes passando pela habitação e o ambiente.
António Costa regressou agora para valer a Lisboa, depois de uma brilhante carreira política, em que as suas qualidades de inteligência e de determinação foram sempre evidentes.
Gostaria de sublinhar desde já alguns sinais fortes que considero importantes. Desde logo a Lista que apresentou, que teve em conta as críticas que a actuação das diferentes forças políticas a nível da Câmara tem merecido por parte dos cidadãos de Lisboa e procurou dar-lhes resposta. A Lista é constituída por militantes do PS e por independentes, escolhidos por critérios de competência profissional e/ou política, sem obediência a qualquer lógica de clientelismo partidário. É uma lista que dá sinais de unidade interna a nível do PS e que se abre à esquerda e à direita do tradicional eleitorado do PS, procurando dirigir-se a cidadãos dispostos a contribuir para assegurar uma boa governação de Lisboa.
A abrangência da Comissão de Honra representa a continuidade dessa opção, mas é também significativa da ampla resposta positiva que está a merecer esta candidatura. Para quem sempre defendeu a participação política feminina e uma maior igualdade de género é de aplaudir a preocupação que teve em constituir uma lista paritária, com base no mérito.
A candidatura de António Costa tem a virtualidade de ter um apoio mais alargado do que o dos militantes e eleitores do PS e este capital não deve ser ignorado na estratégia da campanha.
Uma forma de tornar visível esse apoio alargado e diferenciado poderia ser a constituição de uma rede de blogues que fossem manifestando o apoio à sua candidatura, para além desta iniciativa interessante.
A Assembleia Municipal tem uma maioria de direita e a eleição para a Câmara tem natureza intercalar.
Tudo isto exige liderança, rigor e estabilidade, o que torna necessária uma maioria absoluta, para que o futuro de Lisboa não fique preso de incertos jogos de poder.
O candidato da CDU, Ruben de Carvalho, anunciou já que: «Afasto a hipótese de coligações pós- eleitorais com o PS» (Expresso, 9 de Junho de 2007).
Desta afirmação o eleitor retira duas conclusões: há que votar em António Costa, votar CDU nestas eleições é totalmente inútil, porque não serve para governar bem Lisboa.
António Costa é o candidato que representa o ímpeto reformador e mobilizador que animou as coligações de esquerda em Lisboa, com Jorge Sampaio e João Soares.
Face à incerteza de que se reveste a possibilidade de celebração de acordos pós-eleitorais, para Unir Lisboa, vale a pena apoiar António Costa que tem competência e equipa para governar bem Lisboa.

domingo, junho 03, 2007

CONSEGUIR O IMPOSSÍVEL




Este é o título do livro que relata a campanha presidencial de Manuel Alegre, que foi apresentado por Manuel Villaverde Cabral na passada semana.
A campanha é contado por muitos que a viveram, como o próprio Manuel Alegre, que explica como surgiu a candidatura, e por Henrique de Melo, Luís Moita, António Pina Pereira, Joana Melo Antunes, Luís Novaes Tito, Teresa Rita Lopes, Nuno Júdice, tendo sido coordenado por Helena Roseta, Manuel Júdice e Nuno David.
Manuel Villaverde Cabral, que assumiu ter votado em Manuel Alegre, afirmou que nenhuma das outras candidaturas poderia ter feito um livro parecido e que vai ser utilizado pelos cientistas sociais, mesmo tomando as devidas distâncias relativamente aquilo que nele resulta de um envolvimento mais emocional dos autores. O livro testemunha, em seu entender, novas formas de fazer política e novos conteúdos.
A relação entre o conteúdo e a forma de fazer política esteve, aliás subjacente a esta intervenção e à curta intervenção de Manuel Alegre, tendo presente o ensinamento de Gramsci, segundo o qual só há um conteúdo, que é o conteúdo da forma.
Em certos momentos, em certas circunstâncias, há necessidade de outros espaços de intervenção política, como referiu Manuel Alegre.
A campanha demonstrou, que ao contrário de análises apressadas que tendem a descrever os cidadãos como desmobilizados e resignados a escolhas pré-determinadas, os cidadãos têm o poder de se auto-organizarem torno de um candidato que deu voz a inquietações, esperanças e aspirações largamente partilhadas. Cidadãos das mais diversas origens, idades e profissões colaboravam espontaneamente dando a sua disponibilidade possível.
Demonstrou também que é possível fazer política com pouco dinheiro, gerido com rigor e seriedade.
É importante que um livro como este tenha sido escrito. Sabemos que a multiplicidade de informação hoje existente vai a par de uma amnésia selectiva e o que aconteceu foi uma experiência política muito rica não só para os que com ela se identificaram que não pode ser ignorada.
A importância dos novos meios de comunicação, a Internet e os blogues, os e-mails, os SMS, tiveram um papel nesta campanha como até aí nunca tinha acontecido.
Desde logo na recolha de assinaturas, mas também na criação de redes de apoio à candidatura.
Nuno David aborda “A Internet e movimentos emergentes nas campanhas eleitorais”. São igualmente publicadas várias postagens do blogue “O Quadrado”, que adoptou o título de um conto publicado por Manuel Alegre no Jornal “Expresso” e que muito contribuiu para a criação de um movimento favorável à candidatura de Manuel Alegre e no qual colaboraram entre outros Paula Mourão, Mário de Carvalho, Inês Pedrosa, João Gobern, Carlos Brito ou José Jorge Letria.
“O papel do blogue Alargar a Cidadania na campanha de Manuel Alegre: Conceito em rede” é também desenvolvido por Luís Tito, a quem se deve esta experiência política totalmente inovadora. A ideia de base foi em vez de criar um novo blogue convencional, partindo do facto de em diversos blogues haver manifestações de apoio à candidatura, criar um pólo agregador, chamando atenção por hiperligação e publicando excertos para textos editados noutros blogues.
Luís Tito demonstrou desta forma uma vez mais a sua capacidade de utilizar as novas tecnologias de informação, como o fizera anteriormente noutra iniciativa política a nível de uma secção de base do Partido Socialista.
Outra das novidades a assinalar foi a conjugação das competências de pessoas com trajectos muito diferentes, vindas da actividade política partidária, do futebol, da universidade, do mundo editorial e das empresas de forma a acrescentar eficácia à campanha.
A capacidade de Manuel Alegre de estar aberto ao novo e ao inesperado deve ter surpreendido os que o não conhecem bem. Tudo isto tornou o impossível quase possível.
Uma pequena nota para saudar o facto de ter havido a preocupação de fazer justiça a todos os participantes mais activos, que têm seguido caminhos diversos depois desta campanha em que estiveram juntos. É também uma forma séria de agir politicamente com verdade e seriedade. Só tenho pena que, ao que julgo, por critérios editoriais, não ter sido transcrita a composição da Comissão de Honra da candidatura que pode ver aqui. Seria um acto de justiça ao seu empenhamento cívico.
Estou certo, que todos lerão com atenção e proveito este livro. Mesmo os actores destes processo colectivo têm muita coisa a apreender e a reflectir ao ler um livro escrito a várias mãos sobre a campanha presidencial, em que participaram com entusiasmo e que recordam de forma tranquila com a sensação de terem feito o que tinham de fazer.