quarta-feira, agosto 15, 2007

CABO VERDE MAIS PERTO DA UNIÃO EUROPEIA

Cabo Verde tem manifestado, por diversas formas, o seu empenhamento numa aproximação mais estreita com a União Europeia.
Recentemente o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde, Victor Borges declarou, em Lisboa, que Cabo Verde pretende estabelecer uma parceria especial com a União Europeia, que «optimize todas as potencialidades do acordo de Cotunou» ainda durante a presidência portuguesa da União Europeia (Público, 08/08/07). «Queremos – acrescentou o Ministro Victor Borges - sair da lógica da ajuda pública ao desenvolvimento e manter um diálogo político, que englobe os campos económico, financeiro e orçamental».
Cabo Verde tem mantido o diálogo e manifestado a disponibilidade para colaborar com a União Europeia a outros níveis no que se refere a questões como a imigração clandestina, crime organizado e narcotráfico.
Não se pode esquecer que Cabo Verde, em simultâneo, se tem vindo a aproximar da NATO, tendo-se já realizado exercícios da NATO neste país.
Cabe às autoridades democráticas de Cabo Verde definir e negociar a inserção internacional de Cabo Verde, mas é legítimo aos amigos de Cabo Verde congratularem-se com esta opção e desejarem o maior sucesso à diplomacia cabo-verdiana.
Considero esta evolução natural dada a inserção geográfica de Cabo Verde na Macaronésia, conjunto de Ilhas Atlânticas em que se inserem as Canárias, a Madeira, as Selvagens e os Açores, espaço ao qual tem uma ligação natural.
É preciso não esquecer que o povoamento destas ilhas teve semelhanças que não podem ser ignoradas, para lá das singularidades que dão especificidade a cada um destes conjuntos de ilhas atlânticas.
A ligação muito estreita entre cabo-verdianos e portugueses não pode ser ignorada neste contexto. A caboverdianidade representa uma síntese permanentemente renovada entre as raízes africanas e portuguesas da Nação Cabo-verdiana. Não se podem ignorar os laços de cultura e de família que unem estes povos, sem que isto represente qualquer desconsideração dos laços profundos, mas sempre diversos, que unem os portugueses aos cidadãos de outros países de língua oficial portuguesa.
Mas o que se me afigura ser um argumento incontornável para justificar uma ligação mais estreita entre Cabo Verde e a União Europeia é o facto da maioria da Nação Cabo-verdiana residir já na União Europeia, com destaque para Portugal, ou nos Estados Unidos. É natural que o Estado Cabo-verdiano esteja onde está a maioria da Nação Cabo-verdiana.
Tive oportunidade de abordar já esta questão num encontro realizado em Cabo Verde, em que falei da “A diáspora cabo-verdiana no espaço europeu – laços culturais, económicos e políticos”, que se pode ler aqui.
Acompanhei o aprofundamento dos laços entre Portugal e Cabo Verde para o que contribuíram, de forma decisiva, os governos de António Guterres e que tem tido correspondência na atitude dos governos de Cabo Verde, independentemente da alternância política contribuindo para a construção de uma parceria estratégica entre os dois países.
Inúmeros são os tratados celebrados entre os Portugal e Cabo-Verde, muitos deles extremamente originais, através dos quais se têm tecido laços cada vez mais estreitos entre os dois países, mas atrevo-me a pensar, que depois da independência de Cabo Verde, o Acordo de Cooperação Cambial entre Cabo Verde e Portugal foi o mais importante, tendo criado condições favoráveis para o desenvolvimento de Cabo Verde e para promover a internacionalização da sua economia. Representou também um passo na aproximação da economia de Cabo Verde à União Europeia, após a adesão de Portugal ao Euro.
Portugal tem todas as razões para apoiar, a nível político e diplomático, a pretensão de Cabo Verde de construir uma parceria especial com a União Europeia.
Melhorar a qualidade da integração dos cabo-verdianos em Portugal, a sua participação equitativa na vida cívica, política, social e cultural é também um contributo imprescindível que podemos dar para colocar Cabo Verde mais perto da União Europeia e que tem vantagens para Cabo Verde, para Portugal e para a União Europeia, bem como, para os seus cidadãos.

domingo, agosto 05, 2007

"A RÚSSIA DE PUTIN" DE ANNA POLITKOVSKAYA

O assassinato de Anna Politkovskaya à porta de sua casa em Moscovo em Outubro de 2006 despertou-nos violentamente para o facto da Rússia de Putin ser um país em que se continuam a verificar graves violações dos mais elementares direitos humanos.
Anna Politkovskaya foi uma das heroínas e heróis da luta pelos direitos humanos, a quem prestámos homenagem no Congresso Mundial da FIDH (Federação Internacional dos Direitos Humanos) realizada no passado mês de Abril, em Lisboa. Nesse Congresso tivemos oportunidade de analisar algumas graves violações de direitos humanos no que se refere, por exemplo, às migrações na Rússia, como se pode ver aqui.
Recordar Anna Politkovskaya é dizer que ninguém pode calar uma voz livre e que a verdade é mais forte que o assassinato. Temos uma oportunidade de a recordar, lendo, divulgando e discutindo o seu livro “A Rússia de Putin”, recentemente editado entre nós pela Pedra da Lua, com tradução de António Costa Santos.
O retrato que nos faz da Rússia de Putin faz regressar à nossa memória os piores fantasmas para os que ainda viveram no Portugal de Salazar. São, naturalmente, realidades muito diversas, mas a existência de um poder acima das leis, a eliminação de adversários políticos, a coragem que é necessária para dizer não, e, resistir são pontos comuns.
A sua imagem da Rússia é muito diferente de um país estável, que aperfeiçoa o seu regime democrático e que se vê confrontado com o terrorismo de inspiração islâmica na Chechénia. É um país em que o poder está concentrado, verticalmente, em Putin, em que as todo poderosas Forças Armadas «são um sistema fechado nada diferente de uma prisão», em que um conhecido jornalista, Paul Khlebnikov, por escrever sobre o “capitalismo de gangsters” que prospera na Rússia foi metralhado e morto, quando saía da redacção da revista em que trabalhava, em que o deputado Victor Cheropov foi pelos ares com o rebentamento de uma granada em Vladivostok, sua terra natal, quando disputava eleitoralmente a presidência da Câmara.
O livro não é obra de um analista ou de um cientista político, mas sim de uma jornalista, que nele deixa as suas “reacções emocionais”. O retrato que nos faz é implacável para um poder cujo cinismo procura denunciar. O texto que lhe acrescentou sobre a tragédia de Beslan é particularmente significativo. O autoritarismo de Putin gera a cobardia e a pusilanimidade dos quadros intermédios e tudo isto conduziu à morte centenas de pessoas.
Anna Politkoskaya não tem qualquer espécie de simpatia pelo grupo que fez reféns cerca de 1500 pessoas entre crianças, professores e pais na Escola Básica n.º1 de Beslan, na Ossétia do Norte, que qualifica de “gang multinacional de bandidos”, mas não deixa de se indignar pela forma irresponsável como as autoridades dependentes de Putin geriram este processo.
A jornalista denuncia a mentira, a forma como se procura permanente manipular o povo russo e a comunidade internacional. Impressionou-me o facto de durante o sequestro de Beslan, perante o agravar da situação e face às mentiras oficiais que eram divulgadas na imprensa, escrever: «Nessa altura, alguns familiares começaram a bater nos jornalistas».
Percebe-se melhor ainda a sua indignação se tivermos presente que segundo se pode ler na Wikipedia aqui, tentou ser mediadora para salvar vidas humanas, mas ficou doente, tendo-se verificado no hospital que sofria de envenenamento. Apenas tinha bebido chá servido durante o voo quando se dirigia para lá.
Não nos podemos enganar e fazer de contas que não há problemas. As mortes inquietantes que se têm vindo a verificar são um sinal de alarme. Temos que procurar conhecer melhor a situação na Rússia e apoiar os que se batem pelos direitos humanos, por mais e melhor democracia.
As análises de Anna Politskoskaya sobre a forma como as autoridades russas actuam, não são inquestionáveis, nem temos que estar de acordo com todas elas, mas quando alguém é assassinado pelas suas opiniões, a presunção de que ela tinha razão torna-se iniludível.