domingo, setembro 30, 2007

A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS IMIGRANTES

O debate sobre a participação política dos imigrantes voltou à Assembleia da República no quadro de uma sessão extraordinária do COCAI (Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração), por iniciativa do Alto Comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural em colaboração com o Presidente da Assembleia da República.
É uma iniciativa que merece ser saudada e que assinala o regresso dos imigrantes à Assembleia da República, onde tiveram uma participação assinalável na sessão organizada para assinalar a abertura do Ano Europeu Contra o Racismo, em 1997.
Este debate ocorreu dezasseis anos depois do Grupo Parlamentar do Partido Socialista ter apresentado o Projecto de Lei n.º3/VI, que pretendia regulamentar e exercício do direito de voto nas eleições locais, na base da reciprocidade, tal como já estava previsto na Constituição da República e que foi rejeitado pela maioria de direita então existente.
Na mesma legislatura, estiveram presentes na Assembleia da República, pela primeira vez, como deputados dois membros de associações de imigrantes, Fernando Ka e Celeste Correia.
Só muitos anos depois, também por iniciativa do Partido Socialista, foi aprovada na Assembleia da República a regulamentação do direito de votar e ser eleito a estrangeiros residentes na base da reciprocidade.
A revisão da Constituição da República, em 2001, na sequência de uma longa luta desencadeada por deputados de vários partidos, mas que teve na antiga deputada do PSD, Manuela Aguiar uma batalhadora incansável, aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa «com residência permanente em Portugal, são reconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos e o serviço nas Forças Armadas e na carreira diplomática» (art. 15.º, n.º3).
A entrada em vigor em 5 de Setembro de 2001 do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, conjugado com a revisão constitucional, atrás referida, criou condições para alargar a participação política dos brasileiros com o estatuto de igualdade de direitos políticos, o que só por inércia e falta de iniciativa cívica se não verificou ainda na prática.
Prossegue também no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa o debate em torno do Estatuto de Cidadão da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, cuja aprovação apenas depende das alterações constitucionais e legais em alguns dos Estados-Membros. Nesta matéria há que ser pragmático e admitir começar por avançar com os que tem condições para avançar desde já, como se costuma fazer a nível da União Europeia.
O debate sobre a participação política dos imigrantes não pode ignorar os passos já dados, bem como os retrocessos verificados.
Nas últimas eleições para as autarquias locais não houve campanhas de informação dirigidas á participação dos estrangeiros nas eleições locais, ao contrário do que aconteceu nas anteriores, nem houve progressos na participação de imigrantes nas listas autárquicas, continua a verificar-se uma escandalosa falta de participação equitativa dos portugueses de origem imigrante nas listas candidatas a deputados à Assembleia da República, verifica-se uma ausência de progressos na participação política dos brasileiros com igualdade de direitos políticos.
Neste quadro, há muito a fazer para alargar de forma efectiva a participação dos estrangeiros e dos portugueses de origem migrante na vida política de forma mais equitativa, sem esquecer os cidadãos europeus que só podem votar e ser eleitos para as autarquias locais e para o Parlamento Europeu.
Neste quadro, a única alteração que julgo necessária no quadro da próxima revisão constitucional, é a eliminação da exigência de reciprocidade para o voto nas eleições locais e, talvez, para os órgãos da Regiões Autónomas
Refira-se que o então deputado socialista, António Costa, já o defendeu no plenário da Assembleia da República, em 1991, a eliminação da exigência de reciprocidade no que se refere às eleições locais.
Os direitos de participação política, a nível da Assembleia da República ou das eleições para o Presidente da República, não deveriam ser generalizados a outros estrangeiros, sem que começassem por beneficiar de direitos políticos mais alargados os cidadãos de Estados-membros das comunidades políticas, em que Portugal está inserido, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a União Europeia (UE).
Sem esquecer que a forma por excelência de participar plenamente na vida política passa pela aquisição da nacionalidade portuguesa. Este é um caminho aberto que felizmente está a ser cada vez mais percorrido por cidadãos de todas as origens.

domingo, setembro 16, 2007

CONFERÊNCIA DE ALTO NÍVEL DA UE SOBRE IMIGRAÇÃO LEGAL

Debater a imigração legal a nível da União Europeia é um facto novo e muito positivo, mas é preciso estar atento aos não ditos e aos mitos de que é recheado este debate.
É positivo que depois de décadas de imigração zero e de Europa fortaleza pareça assumir-se que a União Europeia não poderá fazer face aos seus desafios de desenvolvimento sem o contributo dos imigrantes. É também de saudar que se fale na necessidade de criar canais que permitam a imigração legal, que alguns pretendem, e bem, que sejam rápidos e mais eficazes.
Este consenso esconde profundas divergências sobre prioridades e meios a utilizar, bem como graves erros de análise e mitos.
A questão prévia que valerá a pena colocar é que a imigração legal tem sido dificultada e mesmo impedida por todas as formas e por isso a imigração ilegal tem sido a única possibilidade de imigração. É certo que como referia recentemente o vice-presidente da Comissão responsável pela Justiça e Assuntos Internos, Franco Frattini, numa entrevista concedida a Teresa de Sousa «Não podemos transformar a ilegalidade na normalidade» (Público, 14/11/2007). É verdade, mas é preciso acrescentar que a culpa desta situação foi, primeiro que tudo, de não ser possível imigrar legalmente e deveriam saudar os países que assumiram sem hipocrisias a existência de imigrantes em situação irregular e procederam às legalizações que consideraram necessárias no uso de um direito que ainda dispõem e que, continuarão a dispor nos próximos anos definir quantos imigrantes legais admitem no seu país. A Espanha deve grande parte da sua actual prosperidade à forma aberta como integrou milhares e milhares de imigrantes em situação irregular.
Desde logo e sem pretender ser exaustivos, o consenso tem interpretações diversas.
Os países de pequena dimensão, como a Eslovénia, Chipre e Malta, não têm a mesma sensibilidade e necessidade de imigrantes como a Espanha, a Polónia ou Portugal. Vários países têm apenas os seus horizontes virados para Leste ou para os seus vizinhos mais próximos, não têm as relações tradicionais com África ou com as Américas de Portugal, Espanha, Itália, França, Reino Unido ou Holanda.
Existem muitos problemas não resolvidos que dificultam o debate. É necessário acabar com as limitações à livre circulação entre todos os Estados-Membros da União Europeia, não mantendo limitações aos novos aderentes. Permitir essa circulação terá duas vantagens. A primeira demonstrar que não é a livre circulação desses nacionais que vai substituir a necessidade de imigrantes. Esses países estão também a envelhecer rapidamente. Apenas a Turquia, que está ainda longe de se integrar na União Europeia, é que poderia dar um contributo demográfico (e não só) positivo. Outro escândalo que há que resolver é a exclusão dos cipriotas turcos da União Europeia, que já demonstraram pretendê-lo. Tem que se conseguir a unidade de Chipre.
Fala-se actualmente em imigração legal, mas parte-se do princípio de que se pretendem apenas profissionais altamente qualificados e diz-se com razão que estes na sua maioria tem preferido imigrar para os Estados Unidos, Canadá, ou a Austrália, pelo que se propõe criar uma carta azul para facilitar essa admissão e circulação. Tudo isto esconde o facto que é necessário repetir, a União Europeia precisa muito e irá continuar a precisar de trabalhadores não especializados, como o poderão testemunhar, por exemplo, os agricultores e as famílias que pretendem cuidar de forma humana dos seus idosos.
O facto de se ter realizado nos passados dias 13 e 14 do corrente mês, em Lisboa, uma conferência de Alto Nível sobre Imigração Legal no quadro da Presidência portuguesa da União Europeia é um facto muito positivo, bem como as intervenções feitas nesse quadro, quer pelo Primeiro-Ministro José Sócrates, quer pelo Ministro da Administração Interna, Rui Pereira, quer as conclusões anunciadas por Rui Pena Pires, na qualidade de Comissário da Conferência.
Nada, contudo, autoriza que deixemos de ficar atentos e vigilantes sobre a sequência dos debates e sobre a redacção em concreto das directivas que foram anunciadas pelo vice-presidente da Comissão, Franco Frattini: a relativa aos direitos dos nacionais de países terceiros com emprego legal num Estado membro sem estatuto de residente de longa duração e sobre as condições de admissão e residência de trabalhadores altamente qualificados. De saudar o facto de Frattini defender que a carta dos direitos dos imigrantes que irá apresentar, pretende criar uma base mínima de direitos, que não impedirá os Estados de ser mais generosos no reconhecimento de direitos. É um procedimento que deveria ser sempre adoptado.
É importante acrescentar que as intervenções dos três painéis, a saber sobre canais de imigração legal e gestão de fluxos migratórios, integração e agenda de Lisboa, e migrações e desenvolvimento, foram quase todas de qualidade. Seria bom que viessem a ser publicadas para responsabilizar os que as proferiram e para poderem ser instrumentos de debate alargado.
Outras questões estão em debate relativamente às quais é importante estar atento. É o caso do sancionamento dos empregadores que utilizam trabalhadores em situação irregular. Este debate é necessário, mas não pode viver de falsidades. Não se pode fazer de conta que a Holanda é um país modelo na limitação dos fluxos de imigrantes, escamoteando que a agricultura deste país, como foi bem explicado pelo Professor Hein de Haas, holandês, que ensina na Universidade de Oxford, é externamente concorrencial com base na utilização de imigrantes em situação irregular, o que aliás, como exemplificou, também se verifica noutros países europeus.
Será também necessário para melhor combater o tráfico de pessoas, distinguir combate à imigração ilegal e combate ao tráfico de pessoas.
Em síntese, a Conferência, foi um contributo importante para um debate necessário de que os imigrantes, os agentes económicos e os sindicatos, não podem estar mudos e ausentes.

domingo, setembro 09, 2007

A POLÓNIA E O DIA EUROPEU CONTRA A PENA DE MORTE

A presidência portuguesa da União Europeia pretende instituir o dia 10 de Outubro como o dia europeu contra a pena de morte, coincidindo com o dia mundial já celebrado por diversas organizações não governamentais em todo o mundo.
Portugal, que foi o primeiro país europeu a abolir a pena de morte, tem-se empenhado em que a União Europeia tenha uma posição mais activa a nível mundial.
Está agendada para o próximo dia 9 de Outubro, em Lisboa, uma Conferência para a instituição do Dia Europeu Contra a Pena de Morte. Nessa data pretende-se que seja assinada uma declaração conjunta da União Europeia e do Conselho da Europa.
Esta declaração, segundo referiu Isabel Arriaga e Cunha (Público 07/08/07), permitiria «reforçar a sua posição [dos europeus] nas negociações actualmente em curso nas Nações Unidas para a declaração de uma moratória universal sobre as execuções».
Numa reunião dos embaixadores dos 27 junto da União Europeia, a Polónia tomou uma posição de bloqueio nesta matéria. Defendeu, em alternativa um dia europeu em defesa da vida em geral, o que permitiria condenar o aborto e a eutanásia., considerando inútil dedicar uma data simbólica à luta contra a pena de morte que os Estados europeus já não aplicam.
O assunto será discutido, de novo, numa reunião de ministros da Justiça da União Europeia, que se realizará no próximo dia 17 de Setembro, em Bruxelas.
Esperemos que seja possível conseguir ultrapassar este bloqueio.
O episódio mostra a dificuldade de decisão a nível da União Europeia numa matéria relativamente à qual a União Europeia tem uma posição clara, a condenação inequívoca da pena de morte.
Recorde-se que essa é uma exigência colocada aos países candidatos e que, por exemplo, a Turquia aboliu a pena de morte em todas as circunstâncias, tendo comutado a pena de morte do líder curdo Ocalan a quem tinham sido imputados diversos crimes de homicídio. A atitude de bloqueio assumida pela Polónia numa matéria que deveria merecer natural consenso, só vem reforçar os que pretendem eliminar a regra da unanimidade na quase totalidade das decisões a nível comunitário.
Seria também grave que em nome de uma mais alargada defesa da vida, a Polónia recusasse o seu apoio a uma iniciativa fundamental para tornar um pouco mais humana a nossa humanidade. A pena de morte é aplicada de forma bárbara e por vezes sistemática em países de vários continentes, dos Estados Unidos à China, passando por diversos países de menor dimensão. Abolir a pena de morte faz hoje parte de um mínimo ético indispensável para atingir um limiar de humanidade a nível mundial.
Naturalmente que é apenas um limiar, mas ultrapassá-lo tem um sentido positivo para o futuro das relações entre os seres humanos.
É chocante que o país do Solidariedade, um país que tem afirmado por diversas vezes as suas raízes católicas, tome esta posição. Valeria a pena que os seus responsáveis meditassem esta pergunta colocada por Deus a Caim: «Onde está Abel o teu irmão? Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Génesis 4,9).
Todos sabemos que esta pergunta não incomodou gerações de crentes e não crentes durante séculos, que a foram lendo apenas como uma questão pessoal enquanto aplicavam a pena de morte das formas mais cruéis e perversas, mas hoje tornou-se uma questão que interpela todos os homens de boa vontade. Recordo a iniciativa há alguns anos do Partido Radical em Itália contra a pena de morte e que assentava nesta pergunta de Deus a Caim.
Esta questão mostra também como não se pode simplesmente presumir das supostas raízes deste ou daquele país, a sensibilidade que irá demonstrar em determinadas questões de humanidade. Não são apenas as religiões ou outras correntes espirituais ou filosóficas que moldam as culturas dos povos, mas são também as culturas e o processo histórico, que contribui para as formas como essas correntes religiosas, espirituais ou filosóficas são vividas em determinada época por uma determinada população, como refere Amin Malouf no notável ensaio “As Identidades Assassinas”.
Vale a pena continuar atento ao futuro desta iniciativa contra a pena de morte e às posições que suscita.

domingo, setembro 02, 2007

"AS MULHERES DO MEU PAI" de JOSÉ EDUARDO AGUALUSA



José Eduardo Agualusa é um grande escritor angolano, cidadão do Mundo de Língua Portuguesa.
Em “As Mulheres do Meu Pai” José Eduardo Agualusa agarra-nos da primeira à última página. Este livro editado pela D. Quixote, em Maio de 2007, com uma belíssima capa de Henrique Cayatte, merece o facto de estar a ser um sucesso editorial, tendo chegado rapidamente à quarta edição em Portugal, estando também já editado no Brasil.
Agualusa não é apenas um grande escritor, é também um dos intelectuais que mais tem contribuído para valorizar em Portugal a presença e o contributo dos africanos no passado e no presente para a vida social e cultural portuguesa. Recordemos, por exemplo, “Lisboa Africana” (1993) escrito com Fernando Semedo e Elza Rocha (fotos).
“As Mulheres do Meu Pai” é um livro de viagens pela África Austral, que tem origem numa viagem que efectuou com a cineasta Karen Boswall, radicada em Moçambique, e com o fotógrafo Jordi Burch, no quadro da preparação do argumento de um filme. O livro está a ser transformado em roteiro para esse filme. Este facto estabelece um laço estreito entre a verdade e a ficção. Para além de Karen Boswall ou Jordi Burch, Sérgio Guerra, são também personagens do romance o escritor moçambicano Mia Couto e sua esposa, Patrícia.
Partindo da vontade de uma cineasta portuguesa de origem angolana, de nome Laurentina, de descobrir quem foi o que presume ter sido seu pai, Faustino Manso, famoso compositor angolano que deixou ao morrer sete viúvas e dezoito filhos, a quem deu nome de marcas de cerveja. O romance é construído como um diário, a várias vozes, a partir da perspectiva dos diferentes protagonistas. Oncócua (Sul de Angola), Rio de Janeiro (Brasil), Durban (África do Sul), Luanda (Angola), Quicombo (Angola), Lobito (Angola), Lubango (Sul da Angola), Canyon (Sul de Angola), Espinheira (Sul de Angola), Swakopmund (Namíbia), Lisboa, Salvador (Brasil), Cape Town (África do Sul), Maputo (Moçambique), Quelimane (Moçambique), Ilha de Moçambique, são lugares dessa viagem, através da qual nos fala das mulheres, dos afectos, dos amores, das identidades e das pertenças, das violências, das paternidades biológicas e das que o não sendo, por serem assumidas e vividas são mais verdadeiras. Ao longo deste romance, a identificação de Francisco Manso, contada com o mistério de uma estória policial, vamos descobrindo sentimentos, paisagens, músicas, gastronomia, que dão uma dimensão realista a esta ficção.
José Eduardo Agualusa é um homem grato e generoso. Agradece a Karen Boswall, a Jordi Burch, a Sérgio Guerra, pelo estímulo e contributo para este romance, mas ao longo do livro vai valorizando contributos de outros criadores, através das citações que faz. Registo alguns nomes: o jovem artista plástico Kiluange Liberdade; o poeta Rui Knopfli; a poetisa angolana Ana Paula Tavares, Jorge de Sena, o poeta sul-africano Breyten Breytenbach, António Houaiss, responsável pelo melhor dicionário da língua portuguesa, os escritores Ruy Duarte Carvalho e Mário António.
É um livro em que o português de Portugal se mistura com o português de Angola.
Ao lê-lo, como ao ler os livros de Luandino Vieira, Ruy Duarte Carvalho, Pepetela, percebemos que não podemos falar de literatura em língua portuguesa, ou de para ela procurar atrair a atenção dos leitores, apenas com base nos escritores portugueses como: José Saramago, António Lobo Antunes ou Lídia Jorge, mas que é necessário ter presente, os escritores de Angola, como de outros países de Língua Portuguesa ou das suas diásporas que a renovam e a acrescentam de uma forma desenvolta e inovadora sem precedentes.
A Língua Portuguesa e as culturas de língua portuguesa extravasam as fronteiras físicas, jurídicas e psicológicas de Portugal e é isso a sua força. Portugal está na Europa, mas as culturas de língua portuguesa, incluindo as culturas crioulas, estão no Mundo e têm que saber tirar partido do actual processo de globalização.