domingo, setembro 09, 2007

A POLÓNIA E O DIA EUROPEU CONTRA A PENA DE MORTE

A presidência portuguesa da União Europeia pretende instituir o dia 10 de Outubro como o dia europeu contra a pena de morte, coincidindo com o dia mundial já celebrado por diversas organizações não governamentais em todo o mundo.
Portugal, que foi o primeiro país europeu a abolir a pena de morte, tem-se empenhado em que a União Europeia tenha uma posição mais activa a nível mundial.
Está agendada para o próximo dia 9 de Outubro, em Lisboa, uma Conferência para a instituição do Dia Europeu Contra a Pena de Morte. Nessa data pretende-se que seja assinada uma declaração conjunta da União Europeia e do Conselho da Europa.
Esta declaração, segundo referiu Isabel Arriaga e Cunha (Público 07/08/07), permitiria «reforçar a sua posição [dos europeus] nas negociações actualmente em curso nas Nações Unidas para a declaração de uma moratória universal sobre as execuções».
Numa reunião dos embaixadores dos 27 junto da União Europeia, a Polónia tomou uma posição de bloqueio nesta matéria. Defendeu, em alternativa um dia europeu em defesa da vida em geral, o que permitiria condenar o aborto e a eutanásia., considerando inútil dedicar uma data simbólica à luta contra a pena de morte que os Estados europeus já não aplicam.
O assunto será discutido, de novo, numa reunião de ministros da Justiça da União Europeia, que se realizará no próximo dia 17 de Setembro, em Bruxelas.
Esperemos que seja possível conseguir ultrapassar este bloqueio.
O episódio mostra a dificuldade de decisão a nível da União Europeia numa matéria relativamente à qual a União Europeia tem uma posição clara, a condenação inequívoca da pena de morte.
Recorde-se que essa é uma exigência colocada aos países candidatos e que, por exemplo, a Turquia aboliu a pena de morte em todas as circunstâncias, tendo comutado a pena de morte do líder curdo Ocalan a quem tinham sido imputados diversos crimes de homicídio. A atitude de bloqueio assumida pela Polónia numa matéria que deveria merecer natural consenso, só vem reforçar os que pretendem eliminar a regra da unanimidade na quase totalidade das decisões a nível comunitário.
Seria também grave que em nome de uma mais alargada defesa da vida, a Polónia recusasse o seu apoio a uma iniciativa fundamental para tornar um pouco mais humana a nossa humanidade. A pena de morte é aplicada de forma bárbara e por vezes sistemática em países de vários continentes, dos Estados Unidos à China, passando por diversos países de menor dimensão. Abolir a pena de morte faz hoje parte de um mínimo ético indispensável para atingir um limiar de humanidade a nível mundial.
Naturalmente que é apenas um limiar, mas ultrapassá-lo tem um sentido positivo para o futuro das relações entre os seres humanos.
É chocante que o país do Solidariedade, um país que tem afirmado por diversas vezes as suas raízes católicas, tome esta posição. Valeria a pena que os seus responsáveis meditassem esta pergunta colocada por Deus a Caim: «Onde está Abel o teu irmão? Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Génesis 4,9).
Todos sabemos que esta pergunta não incomodou gerações de crentes e não crentes durante séculos, que a foram lendo apenas como uma questão pessoal enquanto aplicavam a pena de morte das formas mais cruéis e perversas, mas hoje tornou-se uma questão que interpela todos os homens de boa vontade. Recordo a iniciativa há alguns anos do Partido Radical em Itália contra a pena de morte e que assentava nesta pergunta de Deus a Caim.
Esta questão mostra também como não se pode simplesmente presumir das supostas raízes deste ou daquele país, a sensibilidade que irá demonstrar em determinadas questões de humanidade. Não são apenas as religiões ou outras correntes espirituais ou filosóficas que moldam as culturas dos povos, mas são também as culturas e o processo histórico, que contribui para as formas como essas correntes religiosas, espirituais ou filosóficas são vividas em determinada época por uma determinada população, como refere Amin Malouf no notável ensaio “As Identidades Assassinas”.
Vale a pena continuar atento ao futuro desta iniciativa contra a pena de morte e às posições que suscita.

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