domingo, janeiro 27, 2008

MEMÓRIA DE MARIA DE LOURDES PINTASILGO

A apresentação na semana passada do arquivo do Maria de Lurdes Pintasilgo, disponível na Rede aqui, foi um facto muito positivo e que permitirá estudar melhor não só o seu percurso, em todas as dimensões, mas também proporcionará novos ângulos para pensar a história contemporânea de Portugal.
Maria de Lurdes Pintasilgo foi uma personalidade que deu contributos importantes para a intervenção política, a renovação cultural e teológica, que devem ser estudados e divulgados.
O livro de Luísa Beltrão e Harry Hatton, “Uma História para o Futuro - Maria de Lourdes Pintasilgo”, ed. Tribuna da História., recentemente publicado, é uma boa ajuda para essa redescoberta.
O seu percurso político é singular. Desde a sua participação activa na Mocidade Portuguesa ou na Câmara Corporativa, a membro de governos no pós-25 de Abril, a primeira mulher a ser Primeira Ministra em Portugal, candidata independente à Presidência da República, deputada pelo Partido Socialista ao Parlamento Europeu.
Era uma figura fascinante do ponto de vista cultural e que deixou sulcos de esperança na sociedade portuguesa.
Mesmo quem não foi solidário com grande parte do seu percurso político, especialmente antes do 25 de Abril, como é o meu caso, reconhecerá a sua importância para a abertura de caminhos de maior justiça, equidade e solidariedade para a sociedade portuguesa.
Considero muito positiva a opção de dividir cronologicamente as diferentes fases de intervenção de Maria de Lurdes Pintasilgo, não separando as diversas dimensões da sua vida, que estavam nelas claramente interligadas.
Frei Bento Domingues na apresentação da Memória na Internet de Maria de Lurdes Pintasilgo, desafiou os jovens investigadores a fazerem estudos sobre os católicos que tiveram um percurso político do Estado Novo à democracia e depois da instauração da democracia.
Permito-me formular uma hipótese de investigação. Penso que poderemos distinguir no período anterior ao 25 de Abril, católicos com sensibilidade social que estavam empenhados em fazer evoluir o regime no sentido da abertura, entre os quais se contou nessa fase Maria de Lurdes Pintasilgo, e católicos que consideravam intolerável a ditadura, o esmagamento dos direitos dos homens e que, mesmo sabendo que era um combate desigual, lutaram pela democracia como condição imprescindível para a construção de um Portugal mais justo e fraterno, como foi, por exemplo, o caso dos irmãos Manuel e Joaquim Alves Correia, de Francisco Lino Neto, de Francisco Sousa Tavares, de Sophia de Mello Breyner Andresen ou de Felicidade Alves, para referir apenas pessoas já falecidas.
Maria de Lurdes Pintasilgo não foi apenas a primeira mulher Primeira Ministra em Portugal ou apenas a primeira candidata a Presidente da República, foi uma intelectual católica empenhada na causa das mulheres, a que dedicou ensaios notáveis e que soube valorizar o contributo para essa causa de três escritoras portuguesas, Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta como o livro, “Novas Cartas Portuguesas”.
Naturalmente que o percurso de Maria de Lurdes Pintasilgo tem de ser lido à luz da sua evolução como católica que privilegiava a reflexão teológica e que ia deixando os seus textos no “Boletim Igreja em Diálogo”, publicação periódica do Graal, movimento a que dedicou a sua vida, e que lhe abriu novos horizontes a nível nacional, mas sobretudo a nível internacional.
Por tudo isto aguardo com muita expectativa a futura publicação do Diário que confiou ao padre e psicanalista francês, Jacques Durandeaux, para preparar a sua publicação.
A cidade futura que pretendemos continuar a construir não pode ignorar o contributo de Maria de Lourdes Pintasilgo, para quem viver, foi de acordo com o poema da Carlos Oliveira, “empurrar o tempo ao encontro das cidades futuras”.

domingo, janeiro 20, 2008

ALIANÇA DE CIVILIZAÇÕES - BOAS NOTÍCIAS

A realização nos passados dias 15 e 16 de Janeiro do I Fórum da Aliança de Civilizações (AdC), em Madrid, foi um marco importante na concretização deste projecto, a que já nos referimos aqui, quando saudámos a designação de Jorge Sampaio como Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança de Civilizações.
O Fórum debateu temas como: Aliança de Civilizações; a gestão da diversidade na era da globalização; o papel dos líderes religiosos na promoção de uma segurança partilhada; uso inovador dos meios de comunicação social para promover o diálogo inter-cultural; contributo dos jovens para o diálogo intercultural e inter-religioso; prevenção de conflitos, religião e políticos a nível comunitário; engajamento das empresas no AdC - como é que os negócios e o diálogo inter-cultural podem incentivar-se mutuamente. Estiveram representados mais de oitenta Estados e organizações internacionais, perfazendo mais de 350 participantes.
Este projecto que tem na sua origem o empenhamento do líder espanhol José Luís Rodríguez Zapatero e do líder turco Tayyip Erdogan aposta na Aliança de Civilizações, pretendendo ir para lá de um mero diálogo de civilizações e em contra - corrente com o apregoado «choque de civilizações» de Samuel Huntington.
No sítio da AdC que pode ler aqui podem-se obter mais informações sobre o Forum, bem como, declarações de Jorge Sampaio.
De Espanha veio também uma outra boa notícia nesta matéria, o anúncio da aprovação do plano espanhol para a Aliança de Civilizações, do qual constam medidas destinadas designadamente a promover o conhecimento mútuo e os valores cívicos.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, que esteve presente, anunciou que Portugal indicará um representante nacional, elaborará um programa nacional e apoiará as actividades do fórum com cem mil dólares e quer receber o Forum em 2012
Portugal é um país que deve valorizar a sua participação neste projecto e tem como ponto de partida uma situação muito positiva internamente em matéria de diálogo inter-religioso, que tem que ser potenciada no quadro do diálogo inter-cultural.
A nível de intervenção privilegiam-se quatro áreas no que se refere ào AdC: juventude, educação, migrações e comunicação social.
As funções que estão atribuídas a Jorge Sampaio constituem um enorme desafio, pois cabe-lhe construir um perfil de intervenção adequado aos desafios, múltiplos a que lhe cabe responder, e conseguir que lhe sejam atribuídos os recursos necessários para concretizar o seu programa de acção. As suas qualidades pessoais, a experiência política e profissional são garantia de que irá ser bem sucedido, mas poderá dizer-se dele o que Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu sobre os marinheiros portugueses que «Navegavam com o mapa que faziam».
A AdC é como Jorge Sampaio referiu «uma iniciativa certa no momento certo». Portugal, como a Espanha e os restantes países da União Europeia devem compreender a sua importância se tiverem em conta, a necessidade de diálogo com diversas expressões da cultura islâmica dominantes em Estados vizinhos. A importância crescente da imigração contribuiu também para reforçar a diferença e a necessidade de a gerir de forma positiva no interior das sociedades europeias.
A Turquia que tem apadrinhado a AdC é ela própria um laboratório deste diálogo nela coexistindo e confrontando-se diversas concepções de civilização de matriz islâmica, das mais seculares às mais marcadamente confessionais, e onde coexistem minorias cristãs, elas próprias plurais.
O que tudo isto nos deve levar a ponderar é que o diálogo de civilizações e a AdC é algo que não se coloca apenas nas relações entre Estados, mas a nível local e nacional no interior das nossas próprias sociedades.
Ora todos sabemos como o desconhecimento do outro abre caminho à desconfiança, ao medo e aos preconceitos.
É por isso de considerar a sugestão feita por Jorge Sampaio no sentido de que: «a história das religiões deve ser integrada no ensino». Só se pode gostar e respeitar o que se conhece. O conhecimento é condição para o mútuo reconhecimento.
Para construir a AdC ninguém é prescindível, comunidades religiosas ou laicas, Estados, líderes políticos ou responsáveis religiosos, académicos ou empresários, cidadãos.
Os destinatários da AdC são os próprios cidadãos e só com cidadãos informados e responsáveis poderemos esperar um futuro de paz e de respeito pelos direitos de todos.

domingo, janeiro 13, 2008

O PS TEM DE CONTINUAR A MERECER A CONFIANÇA DOS CIDADÃOS

O ano de 2008 vai ser um ano decisivo para Portugal na medida em que, após as severas políticas de controlo do défice público, se vai verificar a capacidade do governo de ser catalizador de um novo ciclo de desenvolvimento
As famílias e os cidadãos sentem-se esmagados pelos sacrifícios que têm sido forçados a fazer, confrontados com as dificuldades que têm experimentado no seu quotidiano, com o aumento do sobre endividamento e o desemprego e aspiram a ver verdadeiramente a luz ao fundo do túnel.
Não pretendo desvalorizar o enorme esforço que representa o controle das contas públicas, nem subestimo o esforço que tem sido realizado em diversas áreas para assegurar condições para um desenvolvimento sustentável e o futuro de um conjunto muito significativo de prestações sociais. É sempre com gosto que tenho apoiado diversas medidas e que saudei recentemente o sucesso da Presidência Portuguesa da União Europeia.
Penso que não pode haver ilusões sobre as propostas de destruição do Estado avançadas pela direita parlamentar. A serem concretizadas, conduziriam a mais sacrifícios, menor coesão social e ainda maiores desigualdades sociais, comprometendo inclusive o exercício das funções de soberania por parte do Estado Português.
A realidade actual exige que o PS e o Governo respeitem os esforços e os sacrifícios que têm sido pedidos aos portugueses, que evitem o autismo e tenham muita humildade. Defendi aqui recentemente que o Governo devia ser forte face aos grandes interesses privados quando não convergem com os interesses nacionais e sensível às críticas dos trabalhadores.
Esta semana deixou-me um grande desconforto nesta matéria. Partilho as críticas feitas, à localização escolhida para o novo Aeroporto, designadamente, no que se refere aos riscos ambientais.
Sinto-me solidário com os dirigentes socialistas que se opuseram à não realização do referendo ao Tratado de Lisboa, que constava do compromisso eleitoral do PS. António José Seguro e os jovens socialistas, Pedro Nuno Santos, Nuno Tomé, Luís Testa, Ana Margarida Lourenço, Duarte Cordeiro e Pedro Vaz votaram contra. Vera Jardim absteve-se.
Vai iniciar-se em 2009 um novo ciclo eleitoral, com as eleições em Junho para o Parlamento Europeu e provavelmente para a Assembleia da República, e em Outubro, para as Autarquias Locais.
Esse facto, torna 2008 um ano de particular exigência de qualidade da acção governativa, mas exige além disso, do PS e da esquerda democrática em geral, a capacidade de promover uma reflexão nova sobre a realidade actual de Portugal e dos portugueses, e o que podem e devem aspirar a ser nas próximas décadas. Para que esta reflexão seja produtiva é necessário, que o maior número de militantes e o número mais alargado de cidadãos seja desafiado a pronunciar-se e o façam à luz dos valores do socialismo democrático.
Estão de parabéns os que asseguram uma alargada liberdade de expressão, como o blogue do PS Lumiar que pode ler aqui, actualmente o mais interessante das secções do PS.
Não podem também ser ignorados os contributos continuados que alguns militantes, com destaque para Manuel Alegre, têm procurado dar para manter uma capacidade de avaliação crítica da acção governativa.
O futuro de Portugal nas próximas décadas, para além dos debates sectoriais, deve mobilizar, também todos os que participam em movimentos de cidadãos, com ou sem compromissos partidários, como o MIC. Para pensar e trabalhar por um futuro melhor para Portugal, todos são imprescindíveis.
Perante o facto de há várias décadas se acentuarem as desigualdades sociais em Portugal, precisamos de novos impulsos que sejam animados por um reformismo social, para quem as pessoas estão em primeiro lugar. Os valores da liberdade, da igualdade e da solidariedade têm de ser uma exigência moral para o pensamento e a acção. Devemos estar abertos à diversidade, à iniciativa, à inovação e ao progresso.
Só assim o PS e a esquerda democrática continuarão a merecer a confiança dos cidadãos.

terça-feira, janeiro 08, 2008

CRISTIANISMO EM REDE - A IGREJA NA NET

O anúncio da realização no próximo dia 15 de Janeiro, pela 18h30, no Auditório do Centro Nacional de Cultura, em Lisboa, de um colóquio, organizado pelo Centro de Reflexão Cristã (CRC), intitulado «O Cristianismo em Rede - A Igreja na Net» é uma boa notícia para todos os que de alguma forma consideram fundamental a presença de Deus no mundo das novas tecnologias de comunicação. É também positivo que no debate participem bloguistas que têm uma rica experiência de intervenção nesta matéria, concretamente Carlos Cunha, que teve um papel destacado no blogue «Terra da Alegria», Tiago Cavaco do blogue «Voz do Deserto» e Ana Cláudia Vicente de «O Amigo do Povo». Dada a natureza das questões que irão ser abordadas poderemos dizer que é um debate que começará antes do colóquio e irá prosseguir depois na Rede. Quero deixar desde já algumas notas breves sobre esta matéria.
O colóquio é um pretexto útil para procurarmos identificar o tipo de presença e a relevância da presença do Cristianismo na Rede.
Desde logo há que começar por sublinhar a importância que o debate em torno do religioso, e não apenas, em torno do cristianismo, tem vindo a assumir na Rede. Várias instituições têm sítios na Rede que contribuem para difundir as suas perspectivas, numa óptica religiosa, anti-religiosa ou outra. A título exemplificativo, poder-se ia referir a Igreja católica, através, nomeadamente, de a Ecclesia, ou uma perspectiva anti-religiosa, ou exprimindo sensibilidades espirituais não confessionais, como as representadas pelas diferentes maçonarias, aqui ou aqui.
A Igreja Católica está representada, não apenas, por sítios institucionais como os já referidos, mas também por outros que exprimem a aspiração a outras formas de ser igreja como este do Nós Somos Igreja.
Para além dos sítios institucionais ou representativos de diferente sensibilidades, como por exemplo, este relativo à Comunidade Israelita de Lisboa, ou a Comunidade Islâmica de Lisboa, existem também blogues, em que de uma forma mais personalizada crentes que se identificam com diferentes confissões religiosas abordam os desafios do quotidiano e da cidade, quer numa perspectiva católica, católica e protestante, judaica ou baha’i, para referir alguns blogues, que temos acompanhado com mais atenção ou com quem estabelecemos laços de cumplicidades várias.
Procurando aproximar-me do tema do colóquio, considero que é possível distinguir dois tipos de blogues editados por cristãos: blogues que se assumem como exclusivamente cristãos, em que tudo é abordado supostamente exclusivamente nesta óptica e blogues em que cristãos assumindo as suas opções políticas, ou outras, abordam diferentes questões não apenas numa óptica que não se pretende como exclusivamente confessional, mas também assumidamente à luz das suas opções políticas, estéticas, ou outras.
Não pretendo valorar ou desvalorizar opções num ou noutro sentido, embora seja manifesta que a opção deste blogue é a segunda. Existem, aliás, outras possibilidades, há cristãos que escrevem em mais de um blogue, reservando para cada um deles dimensões diversas da sua existência.
Naturalmente que nada disto nos permite ignorar que, a dimensão religiosa ou espiritual, é minoritária na blogosfera nacional. Poderíamos dizer, utilizando, uma expressão de Eduardo Lourenço, que a generalidade, dos blogues são editados, «como se Deus não existisse», isto é, sem qualquer preocupação com esta questão.
Julgo, aliás, que é positivo que seja possível estabelecer ligações duradouras, de convergência, divergência ou cumplicidade entre blogues que têm diferentes abordagens destas matérias, independentemente da radicalidade com que cada um viva as suas opções.
A possibilidade de dialogar sobre o que pode tornar o ser humano mais humano, o mundo mais habitável, justo e sustentável, é o desafio mais fascinante que nos pode motivar neste início do século XXI, que deverá ser o século da fraternidade.
Gostaria de terminar, recordando o belíssimo poema de Jorge de Sena «Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya», no qual refere os que: «amaram o seu semelhante no que ele tinha de único / de insólito, de livre, de diferente». Nunca esquecerei a profunda impressão que me causou a leitura deste poema por Jorge de Sena, na Associação Académica de Coimbra, em Fevereiro de 1969.
«Amar o nosso semelhante no que ele tem de único, de insólito, de livre, de diferente»- eis o que poderá ser uma divisa para os cristãos que escrevem nos blogues.