domingo, fevereiro 03, 2008

É PREMENTE O ACORDO ORTOGRÁFICO

Continuamos a assistir a processos dilatórios que retardam a entrada em vigor do Acordo Ortográfico, a que me referi aqui, mas isso não é motivo para ficarmos parados e calados.
O debate tem prosseguido na blogosfera, como assinala Porfírio Silva aqui.
Muitos dos críticos da nova ortografia esquecem que hoje escrevemos de forma muito diversa do que se escrevia, antes das reformas ortográficas do século passado.
Recordemos algumas grafias que foram alteradas: consoantes dobradas que foram eliminadas em palavras como “alli”, “aquelle”, “offendidos”, “effeito”, “fallavam”, “desapparecerem”, “vaccas”, “elle”, “commandante”; y que foi substituído por i , por exemplo, em “systema”, consoantes mudas que foram eliminadas em palavras como “ahi”, “escripta”, “assignando”, “christão”,“enthusiasmo”, “sahia”.
São exemplos tirados ao acaso da consulta de um livro escrito de acordo com a ortografia anterior. Recomendo o exercício para quem tenha dúvidas sobre o carácter convencional da ortografia.
Sendo convencional a ortografia, não é arbitrária ou anárquica, é regulada por normas devidamente fundamentadas, sob pena de, a prazo, não sermos capazes de nos lermos uns aos outros. A reforma ortográfica de Gonçalo Viana entrou em vigor em 1911. Seguiu-se o Acordo Ortográfico de 1943, proposto pela Academia das Ciências de Lisboa, que apenas foi ratificado por Portugal. Foram introduzidas pequenas alterações em 1973 para aproximação com o Brasil.
No Brasil, depois da unilateral alteração ortográfica verificada em Portugal em 1911, realizaram-se também alterações ortográficas no sentido da simplificação.
Maria Helena da Rocha Pereira veio chamar a nossa atenção na passada semana para “Acordo Ortográfico - Uma questão premente”, que pode ler no “Jornal de Letras, Artes e Ideias”, n.º 974, de 30 de Janeiro a 12 de Fevereiro de 2008, p.20.
É um texto informado e sábio no qual conclui que: «É altura de reflectir sobre a importância do número de países independentes que agora reconhecem como sua a Língua Portuguesa, totalizando cerca de 200 milhões de falantes, e de concordar que não são as diferenças de pronúncia ou mesmo vocabulares - que entre nós também se verificam - que devem impedir a uniformização da escrita».
Estão disponíveis na blogosfera textos fundamentais, recentemente editados por Vital Moreira aqui ou Rui Tavares aqui, que colocam muito bem a necessidade e a premência do Acordo Ortográfico.
Considero que o Acordo Ortográfico permitirá assegurar a unidade essencial da Língua Portuguesa, sem pôr em causa o seu permanente enriquecimento vocabular com o contributo dos seus falantes, mas prevenindo a sua fragmentação.
Esse facto permitirá o reforço da sua utilização nas instituições internacionais, bem como na Rede.
A simplificação ortográfica em que se traduz tornará mais fáceis os processos de alfabetização dos que aspiram hoje a utilizar a Língua Portuguesa em vários continentes.
O Governo e a Assembleia da República terão de assumir as suas responsabilidades na aprovação e na concretização do Acordo Ortográfico. Há um tempo para tudo. Não podemos manter indefinidamente em aberto a possibilidade de assegurar a unidade da Língua Portuguesa através de um Acordo Ortográfico. Se não formos parceiros seriamente empenhados neste processo, estaremos a comprometer o futuro da Língua Portuguesa.
A alteração verificada na titularidade do Ministério da Cultura contribuirá para acelerar o processo de ratificação do Acordo Ortográfico ou para o manter congelado?
São inúmeras as nossas necessidades culturais, mas a nossa prioridade cultural é a ratificação e concretização do Acordo Ortográfico.

2 comentários:

e-ko disse...

talvez que a alfabetização seja facilitada pela simplificação ortográfica... os franceses queixam-se da dificuldade da ortografia da sua língua, uns pensam que essa ortografia devia também ser simplificada... mas que magnífica língua escrita que integra ainda os traços da sua evolução histórica. elitista? talvez, em contra partida a nossa por muito simplificada que já esteja, não tem grande efeito na sua taxa de alfabetização, em relação à francesa. talvez que o problema seja outro... o dos meios logísticos e humanos, não?

não me conformo com o desaparecimento das letras K e Y, do W posso prescindir, no Brasil ainda são empregues e ao que parece por cá já são mais toleradas...

sou bilingue português/francês e com uma predominância significativa do francês, apesar de não ser a minha língua materna, o inglês, espanhol, e italiano são só, praticamente, para mim, línguas orais mesmo que as ortografias sejam mais acessíveis e simplificadas.

José Patrício disse...

Deixo pormenores técnicos e vou dizer brevemente da minha amargura com a questão ortográfica que os nossos governantes deixaram criar, abrindo uma caixa de Pandora. Nomes ilustres e acima de toda a suspeita há-os entre os apoiantes do acordo, é verdade. Perdoem-me a simpleza, mas se o iniciador da CPLP, o ex-presidente José Sarney, queria a unificação da língua, podia ter seguido a via de tentar conseguir que no seu país se cumprisse, enfim, o acordo assinado entre Portugal e Brasil e publicado do lado de cá do Atlântico, no D. do G., de 8 de Dezembro de 1945. Estamos num tempo longo, lento, nestas coisas. Estou a brincar um pouco, mas a brincadeira é uma coisa muito séria e esta é uma questão de cidadania muito séria.
É que o que se está a passar é a nossa sujeição completa a outrem, neste capítulo tão importante da língua não por acaso chamada materna, pois o é para a esmagadora maioria dos portugueses que vivem em Portugal. No meio disto, há um grupo editorial poderoso, recém-criado, antecipador e ousado, pois com algum risco de prejuízos avultados, já publicou um Dicionário e um Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de acordo com as novas regras.
Pode a convenção ortográfica de 45 receber muito pequenas melhorias? Pode. A coerência pode ser total nestas coisas? Penso que não. Podem os deuses tirar o espírito (dementare) a quem querem perder? Podem.
Podem os países da CPLP ir alterando as suas convenções ortográficas? Podem. De momento, não vejo necessidade.
É o que sinceramente penso. Agradeço ao «dono» deste blog, por me ter aberto a sua porta.