domingo, abril 27, 2008

25 DE ABRIL - MAIS E MELHOR DEMOCRACIA

A vida é composta de mudança e as novas gerações crescem num contexto cultural, social e político muito diferente daquele que conheceram os seus pais quando tinham a sua idade.
O 25 de Abril de 1974 foi uma verdadeira revolução democrática, que iniciou a terceira vaga das transições democráticas, e marcou de forma radical as vidas dos jovens e adultos que o viveram, qualquer que tenha sido o seu posicionamento político.
Portugal é hoje radicalmente diferente e muito melhor do que era há 34 anos. Sugiro a quem tenha falta de memória que veja o conjunto de sete documentários “Portugal, Um Retrato Social” (2007), produzidos por António Barreto e Joana Pontes para a RTP e que estão disponíveis em DVD. Esses documentários comprovam que «os portugueses são hoje muito diferentes do que eram há trinta anos. Vivem e trabalham de outro modo», como referem os autores.
Portugal não vive orgulhosamente só, está presente em todas as principais instâncias internacionais, esforça-se por recuperar o atraso de desenvolvimento e é hoje um parceiro activo da União Europeia.
Permito-me sugerir que recordem também o que foi a guerra colonial, a que o 25 de Abril, apesar de tanta dor, tantos milhares de mortos, tantas mutilações físicas e morais, e tanto sofrimento evitável, permitiu pôr termo, de modo a que Portugal e os novos países africanos estabelecessem relações de igualdade, solidariedade e cooperação nesse grande projecto que é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Vale a pena rever o conjunto de documentários sobre a guerra colonial produzidos com rigor histórico por Joaquim Furtado para a RTP e que irão a partir de amanhã ser disponibilizados por um jornal diário.
Nada disto surgiu do nada ou resultou de um qualquer automatismo histórico, exigiu o empenhamento cívico e político de milhões de cidadãos, que através de partidos políticos ou de outros movimentos associativos e sociais, procuraram orientar o País na direcção que lhes parecia mais adequada. Houve e há muita lucidez, muita coragem, muita generosidade, como houve e há muito oportunismo, muita demissão cívica e muita estupidez.
Comemorar o 25 de Abril só faz sentido se for para analisar criticamente o presente, valorizando o que tem de positivo e é muito, e corrigindo o que tem de negativo. É por isso que todos os contributos são necessários, quer os dos que celebram Abril manifestando as suas insatisfações e críticas, quer os que, como aconteceu com o Presidente da República, chamam a atenção com pertinência para os problemas como o do alheamento e desconhecimento de muitos jovens relativamente ao significado do 25 de Abril.
Todos somos responsáveis por melhorar a qualidade da democracia e por transmitir aos jovens a paixão pela democracia e pelo respeito dos direitos do homem, incluindo as famílias, as escolas, as confissões religiosas, os diversos movimentos ou associações cívicas, a comunicação social, os autarcas e os titulares dos órgãos de soberania.
A responsabilidade é tanto maior quanto maior é o poder exercido e, por isso, os partidos políticos e os titulares dos órgãos de soberania podem e devem fazer mais para incentivar a participação dos cidadãos e melhorar a qualidade da democracia.
A falta de debate político, a punição da diversidade de pontos de vistas de formas mais claras ou subtis, a corrupção, o populismo, o aproveitamento da ignorância para manipular eleitores ou vender ilusões, contribuem para afastar os jovens, ou os menos jovens, da luta política.
O que é mais grave, contudo, é a atitude dos que se colocam numa posição hipercrítica da actividade política, cultivam uma maledicência autista, mas são incapazes de sacrificar tempo, ou disponibilidade, para se baterem pelo que consideram justo e necessário para Portugal. Os países têm os dirigentes políticos que merecem.
Os responsáveis políticos também têm responsabilidades no afastamento dos cidadãos da actividade política. Para dar apenas dois exemplos recentes: a argumentação utilizada por algumas personalidades políticas para justificar a recusa ao referendo para a ratificação do Tratado de Lisboa, sublinhando que em Portugal poucos seriam os cidadãos com capacidade para o entender, desmobiliza os cidadãos e acentua o défice democrático no processo de construção europeia.
Os elogios a Alberto João Jardim ou o silêncio perante o défice democrático na Madeira por parte dos titulares de órgãos de soberania, são outro exemplo.
Apostar na demissão cívica, como instrumento político, ou ser fraco perante os poderosos, quando está causa o desrespeito continuado das regras de funcionamento democrático, são sinais negativos transmitidos aos cidadãos.
O futuro do 25 de Abril só pode assentar na maior qualidade da democracia., quer nas instituições, quer a nível dos partidos políticos.

terça-feira, abril 22, 2008

INAUGURADO MEMORIAL ÀS VÍTIMAS DA INTOLERÂNCIA

A inauguração esta manhã do Memorial às Vítimas da Intolerância, constituiu um marco histórico na vida da cidade de Lisboa. O Memorial é composto de três peças da iniciativa da Comunidade Israelita de Lisboa, do Patriarcado de Lisboa e da Câmara Municipal de Lisboa, na sequência de uma deliberação municipal a que me referi aqui.
As peças que se encontram no Largo de S. Domingos (ao Rossio) em Lisboa, evocam: o massacre dos judeus, ocorrido em Lisboa há cerca de 500 anos; o gesto de «purificação da memória» e da reconciliação celebrado naquele local por D. José Policarpo no ano 2000; o compromisso de Lisboa com os valores da tolerância por iniciativa da Câmara Municipal.
Representou, como tive oportunidade de dizer hoje com deputado municipal na Assembleia Municipal de Lisboa, o exercício de um dever de memória, prestando homenagem às vítimas da matança da Páscoa de 1506, durante a qual entre dois a quatro mil lisboetas foram assassinados pelo simples facto de serem de origem judaica. Representou também uma homenagem a todas as outras vítimas da intolerância.
Nenhum monumento lhes pode restituir a vida que lhes foi roubada, lhes pode dar o que fariam ou teriam no dia seguinte, mas apesar disso faz todo o sentido recordar com respeito todas as vítimas da intolerância para exprimirmos um compromisso colectivo com a construção de uma cidade tolerante, amiga dos direitos de todos os seres humanos.
A Assembleia Municipal reafirmou o seu respeito por todas as vítimas da intolerância e o seu compromisso com uma Lisboa tolerante, aprovando, por unanimidade, uma moção que, conjuntamente com o Líder da Bancada do Partido Socialista, Miguel Coelho, apresentei.
A Assembleia Municipal é composta por deputados municipais do PS, PSD, PCP, Bloco de Esquerda, CDS/PP, e Verdes.
Seque-se o texto integral da Moção, na esperança que possa inspirar a iniciativa e a imaginação social dos que se batem por cidades tolerantes

Memorial às Vítimas da Intolerância
Considerando que:
1. A tolerância implica um empenhamento activo na compreensão da riqueza da diversidade humana e do respeito do outro no que ele tem de livre e de diferente.
Nas nossas actuais sociedades plurais e cosmopolitas, a tolerância constitui um dos princípios fundamentais da democracia e do respeito da dignidade de cada ser humano.
A intolerância, ao longo dos séculos deixou marcas que envenenou a existência de milhões e milhões de pessoas trazendo-lhe perseguições, humilhações e sofrimentos intoleráveis.
2. Em Lisboa, durante a matança da Páscoa iniciada em 19 de Abril de 1506, e continuado nos dias 20 e 21 foram assassinadas entre duas ou quatro mil pessoas apenas por serem judias. Este crime monstruoso alastrou na cidade a partir do Convento de S. Domingos, na baixa de Lisboa e foi o mais sangrento.
3. No ano de 2000 junto ao Largo de S. Domingos, no quadro de um importante encontro inter-religioso, o Patriarca de Lisboa propôs por gestos e palavras a reconciliação, evocando «a triste sorte dos “cristãos-novos”, as pressões para se converterem, os motins, as suspeitas, as delações e os processos temíveis da Inquisição», tendo afirmado que «A Igreja Católica reconhece profundamente manchada a sua memória por esses gestos e palavras, tantas vezes praticados em seu nome», tendo abraçado os rabinos aí presentes.
4. Nos 500 anos da Matança da Páscoa a Comunidade Israelita de Lisboa propôs à Câmara a colocação de um pequeno memorial no Largo de S. Domingos. A Igreja Católica prontificou-se a acompanhar essa proposta com o memorial do gesto e das palavras de reconciliação, que tinham tido lugar no ano 2000.
5. A Câmara Municipal de Lisboa aprovou a instalação na cidade de um Memorial às Vítimas da Intolerância, que evocasse o massacre dos judeus em Lisboa em 1506 e todas as vítimas que sofreram a discriminação e o aviltamento pessoas pelas suas origens, convicções ou ideias, que foi inaugurado hoje, com o contributo de elementos escultórios das comunidades católica e judaica.
A Assembleia Municipal de Lisboa decide associar-se a esta iniciativa e delibera:
a) Congratular-se pela iniciativa da Câmara Municipal de promover a instalação de um Memorial às Vítimas da Intolerância e saudar todos os que contribuem através de iniciativas que promovem o respeito, o diálogo intercultural ou inter-religioso e a cooperação mútua, para afirmar Lisboa como Cidade da Tolerância;
b) Recomendar à Câmara Municipal que tenha em conta nas suas iniciativas a preocupação de dar rosto e voz à diversidade de culturas que faz de Lisboa uma cidade cosmopolita, e de contribuir para uma educação cívica para a tolerância, que promova o respeito pela dignidade, a identidade e os direitos de todos os seres humanos;
c) Manifestar a disponibilidade para participar, no quadro das suas competências e possibilidades, nas iniciativas que se realizem na cidade que visem promover o respeito pela dignidade de todos os que nela residem ou trabalham.

domingo, abril 20, 2008

DE MARTIN LUTHER KING J.R. A BARACK OBAMA

Martin Luther King, Jr. foi assassinado há quarenta anos no dia 4 de Abril de 1968, em Memphis, Tennnesse.
Não tive oportunidade ainda de manifestar a minha gratidão por tudo o que aprendi com ele, mas recordo a emoção com que segui as imagens e as notícias das suas lutas, e do seu assassinato, bem como, as suas palavras e gestos que marcaram decisivamente algumas das minhas opções políticas fundamentais. Lamento o facto de até hoje não ter conseguido encontrar nem sequer em alfarrabistas, o seu livro “Força para Amar”, editado pela Livraria Morais Editores e que foi aprendido pela PIDE.
Ninguém é capaz de imaginar os sofrimentos que foram evitados e as vidas que foram poupadas pelo facto de Martin Luther King, Jr, um pastor cristão, da Igreja Baptista, ter optado pela não-violência para lutar contra a discriminação racial e ter ganho a batalha.
As lutas contra a segregação racial que liderou de acordo com uma estratégia de não-violência activa eliminaram barreiras existentes, permitiram o triunfo dos direitos civis e abriram caminho a mudanças sociais e culturais que ainda hoje produzem efeitos positivos em matéria de igualdade racial, ou para sermos mais rigorosos em matéria de igualdade entre todos os seres humanos, independentemente, das suas características fenotípicas.
Poderemos dizer que o sonho de Martin Luther King, Jr., de uma convivência solidária e sem barreiras de que falou no seu célebre discurso «I Have A Dream», está a tornar-se realidade.
A discriminação deixa sempre marcas profundas na sociedade e a igualdade de direitos civis, não produz automaticamente igualdade social.
Sabemos que durante estes anos, houve discriminações, tumultos, mas também acções anti-discriminatórias, discriminações positivas, a afirmação de negros na sociedade americana a todos os níveis. Estou certo que tudo isto teve reflexos positivos no progresso das relações inter-étnicas um pouco por todo o mundo.
Não ignoramos, contudo, que ficaram muros de desconfiança, medos e preconceitos e muita desigualdade económica, social e cultural, que pode e deve ser superada.
As actuais eleições presidenciais nos Estados Unidos da América, têm sido um processo sem precedentes do encontro deste país consigo próprio, com as suas contradições, as suas dificuldades, mas também com a generosidade e sentido de participação cívica de milhões de cidadãos e estão a ser disputadas por candidatos de inegável valor como é o caso dos democratas Barack Obama, Hillary Clinton e inclusive do republicano John MacCain.
A candidatura de Barack Obama tem sido, contudo, a grande surpresa, pela força inovadora do seu discurso, a capacidade de mobilizar jovens eleitores descrentes da participação política mobilizando-os para em conjunto construírem um mundo mais justo e mais fraterno, como no seu célebre discurso «Yes, we can», que pode ler aqui.
A eleição primária que terá lugar na próxima terça-feira na Pensilvânia para a qual Hillary Clinton partiu com larga vantagem poderá vir a ser decisiva se Barack Obama a conseguir vencer.
Barack Obama num discurso que ficará célebre sobre as questões raciais que pode ler aqui defendeu uma união mais perfeita, mais justa, mais igual em que todos com diferentes histórias partilhem esperanças comuns num futuro melhor.
O discurso de Barack Obama assumindo o seu pai um homem negro do Quénia e sua mãe uma mulher branca do Kansas, e todos os seus ascendentes, bem como toda a história americana com as suas grandezas e misérias, anuncia um futuro para os Estados Unidos e para o mundo em que cada ser humano será apreciado por si mesmo e não por características que nada têm a ver com a sua qualidade humana, o mundo com que sonhava Martin Luther King, Jr.

domingo, abril 13, 2008

PARIDADE DE GÉNERO

As questões da igualdade de direitos e deveres, independentemente do género, estiveram no centro das Jornadas, organizadas pela Caritas Diocesana de Setúbal, nos dias 8 e 9 de Abril de 2008, cujo programa pode ler aqui.
Foi uma iniciativa muito bem organizada, com muita assistência, pelo que felicito os seus organizadores na pessoa do seu Presidente Eugénio Fonseca.
Tive gosto de participar na reflexão sobre a “Igualdade de género nas organizações políticas e sociais” com pessoas de grande competência nesta área: a deputada PS e professora universitária, Maria do Rosário Carneiro e Manuela Moreira da CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género), que foi moderada com inteligência por Fernanda Freitas, jornalista da RTP.
No sentido de prosseguir a reflexão então desenvolvida, deixo aqui três notas.
1. A promoção da igualdade entre homens e mulheres é uma tarefa fundamental do Estado de acordo com a Constituição da República Portuguesa, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos. Faz sentido neste contexto que a Lei da Paridade, determine que as listas para a Assembleia da República, o Parlamento Europeu e as autarquias locais sejam compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada sexo. Não ignoro que se trata de matéria controversa, mas como já tive oportunidade de explicar aqui, há uma razão pela qual considero justificada este recurso à lei, e que consiste na forma como se elaboram as listas para os diferentes actos eleitorais.
Os partidos políticos são, sem excepção, estruturas em que as redes de poder são masculinas e a cooptação se faz na base da confiança, mesmo quando recorrem à colaboração de independentes. Neste contexto, as mulheres, mesmo qualificadas e competentes do ponto de vista político são sistematicamente sub-representadas nas listas apresentadas aos diferentes sufrágios eleitorais.
Deixo, contudo, uma advertência, a maior paridade deve ser acompanhada de práticas de cidadania mais exigentes a nível do funcionamento dos partidos a todos os níveis, incluindo na elaboração das listas, de forma a impedir que esta se traduza na mera cooptação dos ou das que não fazem sombra a quem as elabora.
2. Para fazer avançar a igualdade de género em outras organizações sociais em que se torna difícil o acesso das mulheres aos centos de decisão, como é o caso das empresas, torna-se necessária imaginação social e poderá recorrer-se aos mecanismos da democracia participativa, como a petição ou a iniciativa legislativa popular.
Iniciativas como a do MIC - Movimento de Intervenção e Cidadania a que já me referi aqui, e que visa assegurar condições para que a mulher esteja mais presente na vida profissional e o homem mais presente na vida familiar, através do alargamento da licença de paternidade, podem levar à modificação da legislação e da prática social. Neste caso a partir de uma petição na sequência de um debate alargado, foi apresentado um projecto e lei, que será tido em conta na revisão do Código do Trabalho.
3. O Concílio Vaticano II, declarou em 1965 na Gaudium et Spes que «As mulheres, onde ainda o não conseguiram, reclama para si igualdade de direito e de facto com os homens».
A renovação da Igreja teve eco nos católicos portugueses que se empenharam na transformação da sociedade portuguesa, como demonstrou João Miguel Almeida no seu livro “Oposição Católica ao Estado Novo”, a que me referi aqui.
João XXXIII, tinha saudado já na Pacem in Terris (1963) como um sinal dos tempos: «um facto conhecido de todos: o do ingresso da mulher na vida pública», tendo acrescentado com optimismo «talvez mais aceleradamente nos povos que professam a fé cristã, e mais lentamente, mas em grande escala, em países de diferentes tradições e civilizações».
Os países nórdicos da Europa, de tradição luterana comprovam-no, porque como lembrou neste debate Maria do Rosário Carneiro, a mulher para casar, tinha de saber ler e escrever para iniciar os filhos na Bíblia, o que permitiu um grande avanço cultural e social da mulher.
Como referi, a igualdade de género nas organizações sociais, não pode deixar de interpelar o funcionamento das próprias comunidades cristãs e o exercício dos seus ministérios.
Não está em causa ignorar a natureza e a vocação específica das comunidades cristã, mas temos de nos empenhar em construir formas de participação equitativa das mulheres nas comunidades cristãs.
Manuela Moreira referiu uma iniciativa positiva, a inclusão da preocupação com a igualdade de género num curso de preparação para o matrimónio.
Por outras palavras, a fé cristã deve ser uma inspiradora e não um obstáculo à igualdade de género, incluindo no interior das comunidades cristãs.


domingo, abril 06, 2008

VIOLÊNCIA SOBRE IDOSOS, DIGNIDADE E CIDADANIA

A APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, denunciou o aumento da violência sobre os idosos em 2007. Segundo os dados divulgados pelo Público, de 5 de Abril de 2008, «o número idosos que se queixaram à APAV aumentou 20 por cento em 2007», tendo sido «665 as pessoas com mais de 65 anos que recorreram à associação de Apoio à Vítima (APAV)». Os idosos queixam-se de maus-tratos, designadamente, ameaças e coacções, difamações, injúrias, agressões corporais, queixam-se de maus-tratos físicos, mas cada vez mais de maus-tratos psíquicos. De entre os idosos, segundo a APAV, as mulheres são as principais vítimas (80 por cento).
Este número é apenas uma parte imersa do icebergue da violência que atinge os idosos. A presidente daquela instituição, Joana Marques Vidal, referiu ao Público que «o número de pedidos de ajuda registados na associação é inferior ao dos crimes contra idosos que motivaram queixa judicial e, por maioria de razão aos efectivamente cometidos».
Esta questão não é um problema menor, nem menos grave que a violência nas escolas.
É por isso positivo que o Procurador-Geral da República tenha considerado a violência sobre os idosos como uma questão prioritária. Os direitos dos idosos só serão respeitados se forem desafiados a ter um papel activo como cidadãos na sua concretização.
Estou convencido que o aumento das queixas por parte dos idosos, como referiu a presidente da APAV, «resulta de uma maior consciência dos seus direitos». Seria muito importante que Manuel Alegre, um dos poucos políticos que se tem preocupado com a situação de invisibilidade social e de exclusão de que são vítima tantos idosos, conseguisse ver aprovada a sua proposta de criação de um Parlamento Sénior, que permitisse levar junto da Assembleia da República a voz dos idosos, as suas angústias e esperanças.
Esta é uma medida fracturante numa sociedade indiferente em que se verificou uma perda considerável de peso social por parte dos idosos, ao mesmo tempo que o seu número cresce, graças ao aumento da esperança de vida.
A sociedade portuguesa que mudou tanto, e em muitos aspectos, de forma admirável nos últimos trinta anos, tornou-se mais fria e brutal para os idosos como o demonstraram António Barreto e Joana Pontes no primeiro documentário da excelente série ”Portugal, Um Retrato Social”, edição RTP/Público. Como afirmou António Barreto, «Os idosos vivem cada vez mais sós». Creio que este facto não nos pode deixar indiferentes e que nos devemos interrogar sobre o que fazer para promover uma maior solidariedade e cooperação entre as gerações no novo contexto social.
O complemento solidário para idosos foi uma medida social positiva do actual governo que procurou apoiar os idosos com maior risco de pobreza, mas são necessárias novas medidas e iniciativas.
Temos de reconhecer que há muito para fazer de forma a combater todas as discriminações como a recentemente denunciada da não-aceitação por parte de alguns lares de idosos apoiados pelo Estado de idosos seropositivos, mas sobretudo há que desenhar medidas que favoreçam a permanência dos idosos nas sua casas ou no seio das suas famílias e que promovam a sua autonomia e responsabilidade.
Portugal está a desbaratar a informação, a cultura, a capacidade criadora, a generosidade de milhares e milhares de idosos. Falta imaginação às empresas, ao Estado e ao sector social para mobilizar o contributo dos idosos.
Não somos um país tão rico em capital social e cultural, que nos possamos dar a esse luxo, mas essas atitudes revelam além disso uma lógica de exclusão que os idosos devem recusar.
Gostaria por isso de terminar com uma referência a dois idosos que nos mostram com a sua intervenção cultural e cívica que todos somos imprescindíveis para a construção de um Portugal mais moderno, culto justo e solidário. Refiro-me ao cineasta Manuel de Oliveira e à Professora de estudos clássicos Maria Helena da Rocha Pereira, recentemente galardoada com o Prémio de Cultura Padre Manuel Antunes 2008.
Não basta lutar contra a violência sobre os idosos, há que reconhecer o contributo, que continuam a dar, a maioria das vezes de forma discreta e silenciosa, para a construção da cidade futura.