domingo, setembro 21, 2008

DEPOIS DA CRISE, UM MUNDO PÓS-AMERICANO ?

A actual crise anuncia um longo período de incerteza e profundas mudanças. Estamos numa época em que as regras que têm vigorado no funcionamento dos mercados nacionais e internacionais estão a ser postas sistematicamente em causa, mas em que não existem ainda novas regras que marquem a emergência de um novo período na economia internacional.
Devemos ser prudentes na antecipação do futuro, até porque o futuro não está pré-escrito nos astros, mas depende muito das decisões colectivas e individuais, particularmente das dos agentes políticos mais poderosos e dos responsáveis pelo sistema financeiro internacional. Esta crise não significa o fim do capitalismo. Registamos a este propósito os excelentes posts colocados por João Rodrigues no blogue Ladrões de Bicicletas aqui e aqui que são essenciais para perceber como ideias e opções políticas erradas nos conduziram à actual crise. Se não estamos perante o fim do capitalismo parece óbvio que nada ficará como antes depois desta crise. O neo-liberalismo, a desregulação permanente, a total desconfiança na intervenção do Estado, o dogma da privatização de toda a economia e dos serviços públicos, tudo isto está a ser posto radicalmente em causa. O capitalismo que sair desta crise terá alterado muitas das suas regras de funcionamento, será uma variedade de capitalismo «mais igualitária e decente» como se defende aqui, mas não se traduzirá automaticamente na hegemonia política e cultural da esquerda.
Quando assistimos à crise do subprime nos Estados Unidos, à intervenção pública no Bear Stearns, à falência do Lehman Brothers, às intervenções públicas na Fannie Mae e na Freddie Mac, à compra pelo Bank of America da Merrill Lynch ou à concessão à seguradora AIG de 85 mil milhões de dólares pela Reserva Federal norte-americana (FED), à possibilidade do banco de investimento americano Morgan Stanley vender metade do seu capital ao fundo de investimento público chinês como pode ver aqui, devemos perguntar-nos por quem os sinos dobram ou sobre quem pagará a conta. Os sinos dobram em primeiro lugar pelos cidadãos e consumidores americanos, serão eles a pagar a conta, mas há boas hipóteses de as ondas de choque destas crises virem a repercutir-se no nosso quotidiano, em maior ou menor grau.
O Expresso, de 20 de Setembro de 2008, anuncia desde já O que Portugal vai fazer para resistir à crise referindo medidas que terão impacto sobre o quotidiano dos cidadãos, designadamente, que o crédito às famílias vai ser mais restritivo, mas também a possibilidade de, se a economia europeia entrar em recessão, as taxas de juro já não subirem mais. É necessário que os cidadãos estejam muito atentos às decisões políticas e económicas.
Não deixa, de ser irónico que, neste momento, dos Estados Unidos a Portugal, da direita à esquerda, se dê tanto destaque às questões culturais fracturantes, quando as fracturas mais graves são sociais e económicas. A esquerda não deverá distrair-se da prioridade à crise social e ignorar os alertas nesse sentido como podem ver aqui.
No meio das incertezas parece evidente que estamos a entrar numa era pós-americana, nos termos em que o coloca Fareed Zakaria no seu livro The Post-American World (2008), antes da actual crise, a qual terá, contudo, também reflexos negativos no crescimento dos países emergentes.
A emergência económica e política, entre outros países, da China (de que Jogos Olímpicos foram a sagração a nível mundial), da Índia, da Rússia e do Brasil, modificou as regras de decisão política a nível internacional. Serão cada vez mais parceiros mundiais dos Estados Unidos e da União Europeia, o que coloca desafios novos, entre os quais, a circunstância de alguns não serem democracias.
A crise não gera mecanicamente as soluções, as quais não podem ser um mero regresso a fórmulas do passado, mesmo que Keynes e Marx continuem a poder ser inspiradores. Temos de formular respostas novas, tendo a humildade de perceber que o caminho faz-se caminhando e que não trata de aplicar um pré-definido projecto socialista, mas de construir políticas públicas que concretizem verdadeiras reformas estruturais, inspiradas nos valores do socialismo democrático.

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