domingo, agosto 16, 2009

«O SAL NA TERRA» DE PEDRO ADÃO E SILVA

"O Sal na Terra” de Pedro Adão e Silva é um livro muito interessante que nos desafia a pensar e sentir para lá dos nossos próprios limites, desorganiza os nossos hábitos de catalogação, o que é óptimo porque nos torna mais livres e despertos para o mistério das pessoas e das coisas
José Tolentino de Mendonça pegou-lhe pelo mar, situou-o no quadro de ler o mar, e concluiu de forma salutarmente provocante que este “não é apenas um manual para surfistas. É um dos mais belos livros de poesia”.
Não tendo o privilégio de ser um iniciado no surf não me cabe, aliás, avaliar a utilidade do livro como manual, apenas direi que se o tivesse lido há alguns anos teria estado muito atento a tudo o que me pudesse proporcionar uma iniciação ao surf.
Li-o apenas pelo prazer que a sua leitura proporciona. Esperei pelas férias para estar junto ao mar, para ter condições de contemplação, para ter o prazer de o ler e não fiquei decepcionado. É um livro muito bem escrito, que deixa transparecer a cultura e a sensibilidade do autor, e no qual encontro muitas referência culturais que nos são comuns, como Ruy Belo, Sophia, François Truffaut, Fellini, Ítalo Calvino, Fernando Pessoa/Bernardo Soares/Alberto Caeiro.
O título do livro é muito adequado e não deixa de ser curioso que um ateu confesso, como afirma ser Pedro Adão e Silva, se tenha inspirado numa expressão “atribuída a Cristo no Evangelho segundo São Mateus (o «Sal da Terra» - capítulo 5, versículo 13)”.
O livro, independentemente de qualquer preocupação classificatória, é sobretudo uma reflexão profunda e poética sobre o viver.
Pedro Adão e Silva afirma na introdução: “Quem faz surf sabe que a experiência das ondas não se limita ao mar, contamina toda a vida quotidiana e leva a que passemos a olhar com outros olhos as coisas terrestres. Para além do mais, para um surfista, a ideia de um mundo perfeito confunde-se com o prazer de deslizar sobre as ondas, o sal frio na cara, as paredes de água que se abrem à nossa frente. O essencial destes textos é essencialmente sobre essas marcas.”
É por isso que não é apenas um livro para surfistas e que um não surfista pode tirar prazer e proveito da leitura quer da primeira parte, “ O surf no mundo”, quer da segunda “O mundo do surf”.
Ao ler, por exemplo, a crónica intitulada “ A vantagem de surfar ao contrário” aprende-se alguma coisa sobre surf, mas muito mais sobre o viver, a partir da experiência desse surfista Mark Occhilupo, conhecido por Occy, baixo, corpulento, pesado, que depois de ter caído numa vida desregrada, conseguiu um regresso ao sucesso tardio e improvável.
O livro deixa perceber o prazer físico incomparável que experimentam os surfistas, e que o surf é uma actividade espiritual e não apenas um desporto. Pedro Adão e Silva parafraseando Nat Young, refere: “Ao surfar, vivemos a concretização de uma vida alternativa ou, pelo menos, a abertura a dimensões diferentes das do quotidiano”.
O livro é enriquecido por belíssimas fotos, adequadas aos textos que ilustram.
Diria que este é o livro deste Verão, a ler de preferência antes do fim de Agosto, para poder reler calmamente no Inverno quando houver melhores ondas.

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