domingo, setembro 26, 2010

JUSTIÇA FISCAL DE J.L.SALDANHA SANCHES

As palavras ditas por Maria José Morgado no funeral de José Luís Saldanha Sanches aqui, continuam a inquietar-nos, a despertar-nos para a necessidade de continuar a lutar contra a corrupção, por um País decente, como escrevi aqui. Recordei-as ao terminar a leitura do seu livro Justiça Fiscal, que veio enriquecer a colecção de ensaios que têm vindo a ser publicados pela FFMS (Fundação Francisco Manuel dos Santos).
Foi um livro que JL Saldanha Sanches terminou já na cama 56 dos Serviços de Cirurgia do Hospital de Santa Maria na véspera da sua morte provocada por um cancro traiçoeiro.
Constitui um ensaio lúcido sobre a justiça fiscal tomada no sentido da forma de como a carga fiscal é partilhada, na sua incidência entre os contribuintes de maiores e menores rendimentos.
Não esquece o outro lado da justiça fiscal, a da justiça na despesa pública, que pode ser posta em causa por fenómenos como a corrupção e a fraude fiscal, embora não desenvolva estes temas neste ensaio.
Desenvolve com muito rigor e pormenor a questão da justiça na tributação e do modo como devem ser cobrados os impostos para que a tributação seja justa, a temática das regras materiais de repartição da carga fiscal.
Enuncia com clareza a questão difícil do paradoxo do debate público em torno da concretização das políticas tributárias. A justiça só pode ser alcançada num processo de incessante debate democrático, mas a assimetria de informação existente entre os contribuintes e a existência de poderosos lóbis fiscais pode levar à consagração de soluções demagógicas, apenas aparentemente justas, dando exemplos em que isso aconteceu entre nós.
Aborda as questões que coloca a tributação ecológica, nomeadamente, no que se refere aos impostos sobre o tabaco e os produtos petrolíferos, na qual “a questão da justiça na repartição da carga fiscal tem um papel subordinado”, defendendo-os com argumentos ligados à eficiência económica e social desta tributação.
Como refere João Taborda da Gama, na nota prévia, as ideias deste ensaio estavam dispersas pela obra de J.L. Saldanha Sanches, que pode conhecer melhor aqui, mas este ensaio dá-nos uma síntese clara do seu pensamento nesta matéria.
O autor não foge às questões mais difíceis, como a defesa da admissibilidade da tributação retroactiva das mais-valias em IRS, que defende num quadro de crise geral do Estado Social prestador que vai exigir uma mais equitativa distribuição de sacrifícios que, para usar as suas palavras “ para ser legítima, deverá atingir todas as camadas da sociedade”.
J.L Saldanha Sanches era um cidadão preocupado com a justa repartição da carga fiscal, e uma pessoa de grande integridade pessoal. Tem por isso razão António Barreto, quando escreveu que os seus comentários no espaço púbico, nomeadamente, na televisão, na rádio e na imprensa pública “eram de um verdadeiro Provedor informal” e acrescentou “O povo ouvia-o e tinha confiança nele”.
O seu exemplo e os seus trabalhos, criam-nos a responsabilidade de continuar a lutar pela justiça fiscal sem esquecer a facilidade com que demagogicamente se podem levar cidadãos a lutar contra determinados impostos ou a defenderem benefícios fiscais, sem perceberem, em virtude das assimetrias de informação existentes, que sairiam prejudicados por essas alterações legislativas.

domingo, setembro 19, 2010

NÃO HÁ FUTURO SEM SOLIDARIEDADE

Não Há Futuro Sem Solidariedade de Dionigi Tettamanzi, Cardeal arcebispo de Milão, editado pelas Paulinas Editora, nasce da vontade de contribuir de forma decidida para ajudar os desempregados e as famílias, vítimas da crise.
Temos defendido a necessidade do Estado assumir as suas responsabilidades sociais, mas pensamos que a resposta à actual crise estrutural e prolongada do capitalismo exige simultaneamente a mobilização da sociedade civil.
Como escreveu Guilherme d’Oliveira Martins no prefácio da edição portuguesa: Os mecanismos do Estado providência têm afinal, de ser acompanhados por iniciativas criadoras dos cidadãos, pelos instrumentos da sociedade providência e por novas formas de solidariedade alargada.
Este livro pode contribuir para a mobilização dos católicos e de outros cidadãos para a ajuda às vítimas da crise, estimulando o surgimento de novos movimentos de solidariedade.
Todos nós somos questionados individual e colectivamente pela questão: o que podemos fazer?
Boaventura Sousa Santos tem sublinhado a importância entre nós da sociedade providência, mas é necessário dinamizá-la como novas iniciativas criadoras. A partilha da criação de um Fundo Família Trabalho é uma boa prática de que se podem retirar úteis ensinamentos. Não é por acaso, que entre nós, D. Carlos de Azevedo já defendeu a criação de um fundo em termos menos precisos como podem ver aqui, o que não foi muito bem recebido por vários agentes políticos com a excepção de Manuel Alegre, que se lhe referiu aqui.
Há, contudo, que ter presente que este Fundo Família Trabalho tem um âmbito diocesano e não nacional e que foi constituído com 1.000 000 euros (um milhão de euros) com o objectivo de socorrer as necessidades relacionadas com a actual crise económica extraordinária extinguindo-se em princípio a 31 de Dezembro de 2010, mas podendo ser prorrogado por um ou mais anos consoante o andamento da crise.
O funcionamento de um Fundo deste tipo exige desde logo a possibilidade de mobilizar recursos. No caso do Fundo Família Trabalho, o milhão de euros com que foi iniciado provinha dos oito por mil que no sistema fiscal italiano cada cidadão pode destinar a obras de caridade, das ofertas que no período natalício chegam em Milão para a Caridade do Arcebispo, das opções de sobriedade da diocese e do próprio arcebispo.
É de sublinhar que Dionigi Tettamanzi acrescentou desde logo que a distribuição de fundos não acontecerá imediatamente, mas nos próximos meses e não será “ao molho”, mas com “um destino concreto”.
Foi privilegiada a elaboração de projectos inteligentes que respondessem às necessidades. A preocupação de Dionigi Tettamanzi foi: Estes recursos não podem ser uma forma de assistencialismo, mas uma ajuda para que quem perde o trabalho não perca também a sua dignidade.
A preocupação de reunir fundos e de organizar a sua gestão adequada através da Caritas local e das ACLI (Associação Cristã dos Trabalhadores Italianos) foi acompanhada da consciência dos limites do contributo que um fundo deste tipo pode dar na resposta aos problemas gerados pela crise, representando uma gota no mar das necessidades.
Para além das respostas às necessidades concretas dos desempregados e suas famílias, a criação deste fundo revestiu-se de uma valência educativa primária.
Como Dionigi Tettamanzi refere o Fundo é um gesto, de per si circunscrito, mas significativo e concreto, que já tem valor em si mesmo, mas sobretudo um valor capaz de interpelar a vivência das pessoas, de muitos outros.
Este livro tem o mérito de nos desassossegar, de nos tornar insatisfeitos perante as limitações das respostas que já foi possível concretizar, públicas e privadas, é por isso um livro de leitura imprescindível.

quarta-feira, setembro 15, 2010

AGENDA CULTURAL (40)

Ciclo de Colóquios 2010/2011 do CRC (Centro de Reflexão Cristã)
21 de Setembro de 2010, 3.º feira, 18h30

De Joaquim Alves Correia a Abel Varzim
Cristianismo e Democracia


com a participação de
Pe. Anselmo Borges
João Gomes
moderador
João Miguel Almeida

Local: Centro Nacional de Cultura - Galeria Fernando Pessoa
Largo do Picadeiro n.º10, 1.º Lisboa
(Metro:Baixa-Chiado) Entrada Livre
Ver mais aqui

domingo, setembro 12, 2010

MANUEL ALEGRE - ACREDITAR EM PORTUGAL

Vivemos um momento decisivo na história de Portugal. Num daqueles momentos em que corremos o risco, se não formos vigilantes e determinados, de perder o encontro marcado com um futuro que esteja à altura das nossas aspirações e esperanças, da nossa história, do peso internacional da Língua Portuguesa.
As nações não são algo de irreversivelmente adquirido, são um plebiscito quotidiano. Esta afirmação de Benjamin Constant nunca foi tão actual num momento marcado pela crise económica estrutural internacional, que continuará a marcar a reconfiguração das relações económicas, políticas e sociais nos próximos anos e pela situação de emergência nacional em que vivemos.
Precisamos mais do que nunca de ter um Presidente da República que acredite nos portugueses e em Portugal, que não diga que Portugal é um país insustentável, que seja uma mais-valia na afirmação de Portugal na Europa e no Mundo.
Precisamos de um Presidente da República que paute sempre a sua actuação pelo interesse nacional, pelo respeito pela Constituição e pela ética republicana como garantia de probidade, como defesa da causa pública e como serviço do país, como se propõe ser Manuel Alegre, cujo discurso no Centro Cultural de Belém podem ler na íntegra aqui.
É tempo de ter esperança, como afirmou: Ao longo dos séculos o povo português soube sempre vencer as dificuldades e afirmar Portugal, muitas vezes contra as elites entreguistas e capitulacionistas.
A nossa luta é por um país mais solidário e menos desigual. Manuel Alegre tem um compromisso prioritário com as vítimas da crise e com todos os que a procuram ultrapassar. Dirijo-me aos portugueses que mais sofrem, aos desempregados, aos jovens em trabalho precário ou à procura do primeiro emprego, dirijo-me aos que em tempos difíceis trabalham e produzem, aos que investem e criam riqueza e não se demitem da sua responsabilidade social, aos que dão o melhor do seu esforço, da sua inteligência e da sua criatividade para enfrentar e vencer a adversidade, dirijo-me aos que não desistem e que resistem, dirijo-me a todos os portugueses e portuguesas que, apesar das dificuldades, não se resignam, não se conformam e continuam a acreditar em Portugal. Porque é disso que se trata: acreditar em Portugal.
Acreditar em Portugal passa por utilizar o papel estratégico do Estado para afirmar Portugal no Mundo e na Europa.
Temos de criar condições para afirmar o português como aquilo que é, a sexta língua a nível mundial, o que passa como afirmou António Carlos Santos pelos nossos Chefes de Estado fazerem sempre os seus discursos mais importantes em português nas instãncias internacionais e, acrescento, por uma acção diplomática vigorosa que permita coroar de sucesso os esforços que têm vindo a ser desenvolvidos para tornar o português língua de trabalho das Nações Unidas.
Temos de valorizar o que nos pode projectar a nível mundial. Como afirmou Manuel Alegre: Num mundo globalizado e de forte interdependência, temos de saber recuperar, preservar e valorizar os nossos diferentes patrimónios, a História, a cultura, a língua, os sítios, as paisagens, a fauna, a flora, a biodiversidade, tudo aquilo que afirma a nossa diferença e a nossa singularidade.
Manuel Alegre defende a Europa como projecto democrático de cidadania e de coesão social e também de cultura, mas não ignora os riscos e os desafios com que estamos confrontados a nível europeu.
Não podemos esquecer a dimensão euro atlântica, acrescentou, e bem, Manuel Alegre, Não apenas na perspectiva da afirmação e internacionalização da língua e do desenvolvimento das relações económicas, mas no da constituição de um novo espaço político e cultural. Não é por acaso que um número crescente de países se tem aproximado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
A capacidade de Manuel Alegre saber dialogar e estabelecer pontes, está bem patente no facto de ter o apoio expresso do partido que está no governo, o seu, o Partido Socialista, e do Bloco de Esquerda, na oposição, para além do MIC (Movimento de Intervenção e Cidadania) e de um número crescente de cidadãos sem filiação partidária de vários quadrantes políticos.
O apoio claro do PS, bem expresso por Edite Estrela aqui, e o apoio do Bloco de Esquerda a Manuel Alegre são factos positivos, que tornam nervosos os apoiantes de Cavaco Silva, como se viu este fim-de-semana.
Manuel Alegre é um candidato que sempre preservou a sua independência a sua liberdade de consciência e de decisão.
A crise que enfrentamos exige Manuel Alegre como Presidente da República a partir do próximo ano. Vamos lutar para vencer e para o eleger Presidente da República .

quarta-feira, setembro 08, 2010

AGENDA CULTURAL (39)

TODOS 2010-CAMINHADA DE CULTURAS

VIAJAR PELO MUNDO SEM SAIR DE LISBOA

De 16 a 19 de Setembro, vai ser possível viajar pelo mundo sem sair de Lisboa. O TODOS - Caminhada de Culturas está de regresso à cidade, nomeadamente ao eixo Martim Moniz, Largo do Intendente e Anjos, para convocar o olhar e a presença dos lisboetas e dos visitantes da cidade para este lugar ímpar, onde povos de vários cantos do mundo vivem e convivem.
A Música que leva o Fado ao canto Tradicional Chinês

O Paraíso do Circo apresentado por uma família cigana

O Teatro Popular como Shakespeare o fazia

A Kocani Orkester traz as músicas dos Balcãs

Cozinhas para saborear manjares que vêm de longe

Isto e muito mais
Ver o programa na íntegra aqui .
Venham Todos ao Todos !

domingo, setembro 05, 2010

SARKOZY EXPULSA CIDADÃOS EUROPEUS

Quando o mal surge, as causas parecem sempre razoáveis. Mas se é fácil entender o horror da perseguição aos judeus, que dizer, hoje, das perseguições aos ciganos?
Esta questão colocada por Henrique Monteiro no Expresso aqui a propósito das expulsões colectivas de ciganos romenos e búlgaros por iniciativa de Sarkozy está directamente ligada ao modelo de sociedade que queremos construir na União Europeia.
O que tem de novo a atitude do governo francês relativamente a medidas idênticas, mas de menor dimensão, e de forma envergonhada, tomadas por outros países da União Europeia é o facto da França pretender transformar estas práticas discriminatórias e racistas em “boas práticas” a serem seguidas por outros Estados, a tornar-se direito da União Europeia.
Segundo o Público aqui, no ano passado foram expulsos 11 mil ciganos de França e desde Julho pelo menos mil ciganos foram forçados a regressar à Roménia e à Bulgária. Sarkozy tem também defendido a retirada da nacionalidade francesa a cidadãos de origem estrangeira, que a adquiriram, que designa como “certos elementos criminosos de origem estrangeira”.
São medidas que violam frontalmente os direitos humanos, ilegais face à própria legislação francesa, como foi decidido por tribunais franceses, e que devem ser consideradas como violando o direito da União Europeia em matéria de livre circulação e de não-discriminação.
O que a França está a fazer são expulsões colectivas de cidadãos da União Europeia, para já romenos e búlgaros.
Os ciganos romenos, ou búlgaros, independentemente de serem considerados com a sua diversidade cultural, como integrando uma minoria nacional, com características culturais próprias, são cidadãos romenos e búlgaros.
A União Europeia não pode deixar de considerar que a França está a expulsar colectivamente cidadãos da União Europeia.
A França para não ficar isolada tem procurado consagrar as suas posições a nível da União Europeia e conseguiu já o apoio da Itália disposta a seguir o seu mau exemplo, pese embora a dificuldade resultante do facto de alguns que pretende expulsar, serem já cidadãos italianos.
Na estratégia a seguir contra as políticas racistas e xenófobas, não devemos esquecer que quando os nazis preparavam o Holocausto, começaram por privar de cidadania os judeus e os ciganos.
Deixar que esta questão se transforme num debate sobre as diferenças culturais e sobre minorias, em vez de sublinharmos que estamos perante expulsões colectivas de cidadãos comunitários, é a meu ver enquadrar mal a luta contra as novas vagas de medidas anti-imigrantes, que alguns governos pretendem promover face à crise e ao aumento de desemprego.
Nesta matéria, não podemos subestimar a inteligência de Sarkozy, que levou já no passado recente os governos europeus a aprovar legislação violadora dos direitos humanos como a Directiva Retorno, que denunciámos aqui e aqui.
Todas as manifestações que em França, e em Portugal, que o Público refere aqui e aqui e noutros países têm condenado as políticas racistas e xenófobas de Sarkozy nesta matéria são uma reacção salutar, que merece ser apoiada, mas esta questão está longe de estar resolvida. É muito importante que, quer a Igreja Católica, a nível do próprio Papa Bento XVI, quer as organizações defensoras dos direitos humanos, como a FIDH e a AEDH, e anti-racistas se mobilizem para esta batalha.
Nada nos garante que a situação não se agrave a nível europeu, envenenando o relacionamento entre ciganos e não-ciganos, imigrantes ou outras minorias, nos diferentes países.
Nos diferentes países europeus existe ainda muito a fazer, com a máxima urgência e determinação, para assegurar a cidadania plena dos cidadãos ciganos desses países. São vários os motivos sérios de preocupação. Os problemas de inclusão dos ciganos nos diferentes países nos últimos processos de adesão foi subestimada e analisada com ligeireza. Assistiu-se em silêncio à retirada da cidadania a cidadãos ciganos com pretexto na divisão territorial de Estados europeus. Permitiu-se que alguns países europeus se desresponsabilizassem da obrigação de assegurar a cidadania plena aos seus concidadãos ciganos procurando externalizar esta questão para outros países.
Não é solução pretender transformar sistematicamente em problemas europeus, as questões nacionais que exigem mais coragem e determinação para ser solucionadas, até porque a experiência demonstra que as respostas construídas a nível europeu não são necessariamente as melhores.
As políticas sobre a cidadania dos Ciganos, Roma e Sinti, nos diferentes países europeus oscilam entre o paternalismo e a repressão racista, entre afirmações multicultaristas radicais e inconsequentes e o assimilacionismo mais intransigente.
Entre estas soluções há espaço para construir sociedades que articulem, de forma inovadora, cidadania e diversidade, em que seja garantida a todos, cidadania plena, o que significa que não haja para ninguém direitos sem deveres, nem deveres sem direitos, em que sejam banidas as expulsões e as perdas de nacionalidade.