domingo, novembro 14, 2010

A NOITE SANGRENTA DE 19 DE OUTUBRO DE 1921

À memória de Berta Maia, viúva de Carlos da Maia
A “noite sangrenta” de 19 de Outubro de 1921, foi um episódio trágico ocorrido durante a I República. Ficou também conhecido por “camioneta da morte” para designar a forma como foram transportados vultos prestigiados da I República, como, Machado dos Santos, Carlos da Maia e António Granjo, antes de serem brutalmente assassinados, como podem ver aqui.
Continua a carecer de uma investigação histórica mais aprofundada. Existem versões diferentes sobre quem são os responsáveis destes assassinatos, que se repartem entre desconhecidos ligados ao radicalismo revolucionário ou por monárquicos que se terão “infiltrado no movimento revolucionário para depois empalmá-lo”.
A RTP exibiu a mini-série intitulada a “Noite sangrenta” dirigida por Tiago Guedes e Frederico Serra sobre este episódio aqui, que juntamente com “O Mistério da Camioneta Fantasma” de Hélder Costa para A Barraca aqui, são excelentes criações. Assentam, em grande medida na investigação da viúva de Carlos da Maia, Berta Maia, uma grande mulher, republicana e cristã, que procurou esforçadamente a verdade, defrontando os inimigos sem rosto e publicou um livro “As minhas entrevistas com Abel Olímpio, o Dente d’Oiro”.
Creio que neste infame crime estiveram associadas forças monárquicas e republicanas, que viriam a convergir, de novo, no 28 de Maio de 1926.
O Estado Novo procurou, aliás, utilizar este episódio, citando-o como um exemplo da forma como a “demagogia republicana” assassinou os percursores da República, Machado Santos, Carlos da Maia e António Granjo e outros republicanos.
O Estado Novo tinha má consciência nesta matéria. O Padre Joaquim Alves Correia, corajoso democrata e lutador antifascista, escreveu no Jornal a República em 23-10-1945, um artigo em que denunciava a instrumentalização deste episódio, intitulado “O Mal e a Caramunha”, o que levou a que fosse obrigado a abandonar o País, em 17 de Fevereiro de 1946.
Nesse artigo, escreveu, nomeadamente: “Aqueles que a todo o custo querem fazer crer que a democracia pode ser um regime toleravelmente bom, mas não para os desordeiros portugueses, costumam tocar a rela das revoluções - aquele período que nos fazia apontar pelos estrangeiros como a terra das revoluções anuais. A culpa, naturalmente, era dos republicanos.”
“(…) O dia 19 de Outubro era sempre aproveitado para esmagar o povo republicano com a flagrança da sua incapacidade de cordura. E contudo não foi o povo republicano que foi ouvido para se sustarem as bem encaminhadas investigações para o apuramento das responsabilidades daquele horrível movimento e do mistério da Camioneta Fantasma.
Como o Dente-de-Oiro se lembrou, numa crise de raiva, de confessar à Polícia que tinha recebido de um rábido monárquico, ex-republicano e padre, na redacção de um jornal monárquico, dinheiro para as despesas das revoluções, e, como Bourbon e Meneses estranhava num estudo que publicou sobre o caso (a propósito da viúva de Carlos da Maia sobre as suas entrevistas com o Dente-de-Oiro), que fossem monárquicos e reaccionários os beneméritos Mecenas da Imprensa Nova - o pretenso jornal ultra-republicano que preparou o ambiente de ódio que vitimou António Granjo, Carlos da Maia e Machado dos Santos - achou-se mais conveniente, depois do 28 de Maio, pôr uma pedra sobre as investigações e sobre o trágico dia.
É possível que fosse acertado e que o mistério irritante fosse indecifrável…Mas não é justo, nem ordeiro, nem moralmente elegante, continuar a atirar com o horror daquele tenebroso dia aos
amigos das vítimas dele. Não. Não é sincero nem decente.”
Berta Maia merece ser lembrada nesta ano do Centenário da República e o seu livro deveria ter sido reeditado.
Quero, desta forma, lembrar todos esses republicanos assassinados, de forma infame, e prestar uma singela homenagem a Berta Maia pela sua luta e pelo seu livro.

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